Quando foi capturada por militares durante os anos de chumbo no Brasil, a atriz Malu Rocha não teve dúvidas. Invocou o método do dramaturgo russo Constantin Stanislavski e começou a chorar copiosamente, jurando aos agentes que era a filha de um parelha da subida sociedade paulistana e não tinha zero a ver com os artistas que perseguiam —estava no Teatro Oficina por curiosidade. Foi solta.
No filme “Malu”, de Pedro Freire, fruto da atriz, a história é contada por uma Malu Rocha embriagada, interpretada por Yara de Novaes, durante uma sarau. Apesar de o longa ter nascido da vontade do diretor de homenagear a mãe, não se trata de uma biografia. O filme começa quando a protagonista já está na meia-idade, vivendo com a mãe idosa em uma comunidade carioca e frustrada por sua curso porquê atriz de teatro não ter vingado.
Malu recebe, logo, a visitante da filha, Joana, vivida por Carol Duarte. Na vida real, Joana não existe —a personagem é uma amalgama de Freire e sua mana, Isadora, conta o diretor, que usa a ficção porquê artificio não só para retratar a personalidade indomável de Malu, mas também a relação ressentida entre avó, mãe e filha, contaminada por traumas geracionais nunca expurgados.
As camadas que se revelam conforme o passar da trama renderam ao primeiro longa de Freire elogios acalorados em Sundance, principal festival de cinema dos Estados Unidos, e o prêmio de melhor filme no Festival do Rio, que também elegeu Novaes porquê melhor atriz do ano.
Munido de relatos da mãe, Freire decidiu fazer o filme em 2013, depois a morte de Malu por complicações da doença neurodegenerativa de príon. “Ela contava essas histórias do pretérito porquê uma tentativa de resistir, de sobreviver. A maioria das coisas que estão no filme realmente aconteceram, ou aconteceram de forma muito parecida”, diz o diretor.
Malu Rocha estreou nos palcos paulistanos pelo Teatro Oficina, na dez de 1970, quando a companhia de José Celso Martinez, o Zé Celso, começava a revolucionar a dramaturgia pátrio. Foi dirigida por Plínio Marcos e, no cinema, fez filmes porquê “Geração em Fuga”, de Mauricio Nabuco, e “O Delito do Zé Bigorna”, de Anselmo Durarte.
Na dez de 1980, se casou com o ator Herson Capri, pai de Pedro Freire. Com ele e Isadora, filha do relacionamento com o ator Zanoni Ferrite, Malu se mudou para o Rio de Janeiro para evadir do cerco dos militares ao teatro em São Paulo.
“Ela quis tentar a sorte na televisão, por uma questão de grana. O teatro estava dilapidado, e todos os amigos presos ou exilados. Não sabemos o quanto de sua estagnação foi por pretexto da devastação da cultura pátrio. A vida cultural no país era muito rica na dez de 1960”, lembra Freire.
A façanha na televisão não durou muito. Segundo Freire, a mãe ficou incomodada com os assédios sexuais constantes de alguns diretores.
O tema da repressão militar permeia a narrativa de “Malu” mais porquê um causante de males invisível, dissemelhante de “Ainda Estou Cá”, por exemplo, em que o sequestro de Rubens Paiva pela ditadura é o que dá início a jornada de Eunice por justiça.
O filme se passa quase que inteiro na vivenda de Malu, em um subúrbio da Baixada Fluminense, onde ela sonha em erigir um teatro ou meio cultural para a comunidade —sem nunca concretizar o projecto, por falta de quantia ou planejamento.
Sua mãe, Lili, vivida por Juliana Carneiro da Cunha, é uma senhora carente, mas conservadora, que repreende incessantemente os comportamentos —porquê o hábito de fumar maconha— de Malu. A filha, por outro lado, tem surtos de raiva contra a mãe, já com pouca idade para se tutelar. E, da mesma forma que brigam, as duas parecem não conseguir deixar de fazer companhia uma a outra.
“Você não é uma mulher formosa, por isso não consegue trabalhar porquê atriz”, diz, em determinado momento, Lili à Malu, enquanto ambas separam o feijoeiro. Depois, Lili revela que já ouviu a frase do pai, em outra situação.
Entre Malu e a filha, Joana, o atrito também é regular, mais em desconfortos não ditos do que naqueles verbalizados —escondidos entre olhares, carinhos desajeitados e diálogos agressivos ou vazios demais. O envolvente sempre carreado emocionalmente, sem deixar as cenas pesadas, foi um esforço de Novaes e Duarte atingido graças a longas semanas de tentativa antes das gravações, diz Freire.
“Encaminhar atores é uma secção precípuo do trabalho do diretor. Fiz isso sozinho, só com as atrizes. Nosso método foi improvisar cada uma das cenas, para só depois decorar o texto para a filmagem”, diz o diretor. Um método que ele próprio aprendeu lendo Stanislavski.
