Manas denuncia abuso infantil e abandono no marajó 16/05/2025

Manas denuncia abuso infantil e abandono no Marajó – 16/05/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Muito no comecinho de “Manas”, Marcielle menstrua pela primeira vez. Não há zero de novo em usar o evento uma vez que símbolo de uma transformação, uma vez que propulsor do enredo. É uma teoria até mesmo batida. Mas zero do que acontece a seguir soa repetitivo.

Esqueça puberdade, primeiros amores e laços de amizade. Temas comuns ao subgênero “coming of age”, aquele que trata do maduração, são ofuscados pela verdade dura e precária da protagonista de 13 anos. Marcielle não tem tempo ou orientação suficientes para processar o que está vivendo –sua puerícia é tomada por forças muito mais violentas.

Premiado no Festival de Veneza com o troféu de direção da Jornada do Responsável, “Manas” chega aos cinemas nesta semana depois de uma temporada bem-sucedida em sinais internacionais. Prêmios e elogios se acumularam não necessariamente por proezas cinematográficas, mas pela disposição do filme em enfrentar temas extremamente difíceis.

“Manas” lida, de forma muito direta, com a exploração sexual infantil. Ambientado na Ilhéu do Marajó, rodeada pela porção paraense da floresta amazônica, a trama mostra uma vez que Marcielle é gradualmente cercada pelos olhares predatórios dos homens de seu convívio.

No filme, depois ela fazer sua passagem e virar “mocinha”, a mão estendida de um varão, sobre a qual repousa uma projéctil, ganha outro significado. Os desenhos em folhas de papel viram treinamento para ela pintar o rosto com maquiagem. E, portanto, todas as suas referências infantis começam a lucrar uma precoce conotação sexual.

“Essa verdade já é chocante o suficiente. Eu gostaria que as pessoas pudessem olhá-la de frente, mas é difícil quando falamos de um pouco tão doloroso. Portanto o duelo foi edificar a história dessa moça gerando empatia, ajudando o testemunha a se conectar a ela, sem maniqueísmos e reverência as nuances dessa verdade”, diz Marianna Brennand, diretora do longa.

Longe da palafita que sustenta a pequenina morada da família de Marcielle, prenúncio e oportunidade de fuga se combinam. Balsas que, no intercepção da baía do Marajó, recebem menores de idade que vendem seus corpos por trocados logo atraem a atenção da protagonista, tomada pelas frustrações de um lar que, só aparentemente, é referto de afeto.

Exploração sexual infantil e estupro intrafamiliar são naturalizados nas conversas de Marcielle com outros personagens, tamanha a frequência com que isso ocorre naquela região. Assim, “Manas” quer também denunciar, assumir uma função social que ganha corpo em forma de adesivos e camisetas distribuídos em sessões especiais, com os dizeres “manas apoiam manas”.

Inicialmente, quando entrou em contato com aquela verdade do Setentrião do país, Brennand pensou em fazer um documentário, campo onde tem mais experiência –ela retratou a vida do artista plástico Francisco Brennand, seu tio-avô, num filme homônimo.

Percebeu, porém, que pôr meninas vítimas de agravo diante de sua câmera para entrevistá-las seria uma vez que reviver um traumatismo, sujeitá-las a um novo tipo de violência. A ficção foi surgindo, portanto, uma vez que a opção mais correta para narrar a história daquelas “manas” –uma vez que meninas e mulheres chamam umas às outras em regiões do Pará.

Sua principal nascente de pesquisa e inspiração foi o trabalho da mana Marie Henriqueta Cavalcante, que há anos luta contra o tráfico humano e o agravo infantil no estado. Ainda assim, “Manas” evita mostrar essa verdade com crueza. A diretora mais sugere do que recria, numa procura por delicadeza que, ela diz, ser uma espécie de filosofia de vida.

“Sem empatia nós não nos conectamos uns com os outros, você não se põe no lugar do outro. E só assim conseguimos enxergar algumas realidades. Portanto esse zelo, essa delicadeza, foram um fio condutor ao longo de todo o processo”, diz Brennand.

Essa costura, feita de forma lenta e cuidadosa, influencia na maneira uma vez que o testemunha se relaciona com o filme. Leva tempo até o público permanecer cônscio da verdade da protagonista, de suas irmãs e das colegas de classe. “Manas” vai dando pistas sobre a trama, até enfim abraçar o seu horror.

Logo no início, por exemplo, justificação estranhamento a imagem, muito ao fundo, de uma colega de classe de Marcielle com uma enorme bojo. Zero se fala e a cena é esquecida. Muito tempo depois, descobrimos que a moça é abusada pelo próprio pai e, por isso, está prenha.

“Tem coisa que não adianta a gente querer mexer”, diz uma personagem mais velha, em determinado momento, sobre essas e outras violências praticadas ali, escondidas dos olhos do poder público. O filme faz questão de listar todos aqueles que, na vida real, falharam com as “manas” retratadas no roteiro –o governo, a igreja, a família, a polícia, a escola e por aí vai.

“Quantas instâncias falharam com aquelas meninas? Quantos pedidos de ajuda foram ignorados?”, diz Brennand sobre as histórias reais que ouviu durante o longo ano de pesquisas para ortografar o roteiro.

Com o texto pronto, foram mais vários meses buscando locações para “Manas”, que tem cenas mata adentro e câmeras acopladas a barquinhos de madeira. Filmar no Marajó era logisticamente impossível e, por isso, a cineasta acabou montando seu set perto de Belém, onde havia mais infraestrutura.

Descobrir sua protagonista também foi tarefa árdua. Fátima Macedo e Rômulo Braga vivem os pais de Marcielle, e Dira Paes, a policial que a ajuda. Mas Brennand queria alguém sem muita experiência prévia para viver a protagonista. A diretora a encontrou em Jamilli Correa, estreante que vem colecionando elogios pelo trabalho, dramático e ao mesmo tempo contido, muito dependente do olhar.

As violências que as meninas retratadas no filme sofrem, por fim, se perpetuam nos silêncios, que Brennand espera, de alguma forma, ajudar a quebrar.

Folha

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