O ex-goleiro Haílton Corrêa de Arruda, o Manga, morreu nesta terça-feira (8), aos 87 anos. Ídolo de Botafogo, Internacional, Pátrio-URU e Barcelona-EQU, o ex-jogador formado pelo Sport teve passagem marcante pela seleção brasileira, na Despensa de 1966, e não escondeu libido de voltar ao gol do Brasil.
Em entrevista à Folha em 1975, logo posteriormente ser vencedor brasiliano pelo clube gaúcho, o arqueiro, portanto com 38 anos –a reportagem indica que a idade não era tão certa àquela profundidade–, falou sem pudores sobre se considerar o melhor goleiro do país, avaliou os rivais da posição –com recta a uma canelada em Valdir Peres– e deixou evadir detalhes da vida pessoal.
Confira a entrevista na íntegra.
‘Sou o melhor goleiro do Brasil’ (Manga)
MARCO ANTONIO RODRIGUES,
enviado privativo
Um rosto deformado por cicatrizes, mulato, dentes pequenos, boca larga, 1,87 metros de profundidade, 87 quilos de peso, mãos grandes (os dedos menores são completamente tortos em razão de várias fraturas mal curadas), andejar saltitante, voz rouca e confusa, uma mistura de sotaques de gaúcho e uruguaio, esta é a figura do herói do Campeonato Brasílico: Haílton Correa de Arruda, 38 anos (dizem ter mais), Manga, o goleiro do Internacional, ou “Manguita”, uma vez que prefere ser chamado, sobrenome mais carinhoso que recebeu quando jogava no Pátrio, de Montevidéu.
Acabou herói pelo pavor. Ele receava transpor no pausa do jogo com o Cruzeiro. Se o Inter perdesse no segundo tempo (o primeiro foi 0 a 0), as críticas seriam ferozes, o culpado seria ele por não ter coragem de continuar em campo. Iriam chamá-lo de medroso, sem perdoar a equimose. Ele conhece bastante o mundo do futebol e já foi chamado de covarde. O fracasso na Despensa do Mundo de 1966, na Inglaterra, o caso do suborno quando era goleiro do Botafogo, antes de uma decisão com o Flamengo. No pausa da partida, anteontem, ele pensou em tudo isso e resolveu jogar.
“Continuei jogando, apesar dos médicos”
Aos 19 minutos do primeiro tempo ele saiu da pequena dimensão para interceptar um intercepção de Roberto Batata e sentiu uma antiga equimose: o músculo da virilha da perna esquerda tinha se distendido. Nos vestiários, no pausa do segundo tempo, ele teve que resistir aos médicos, discutir, atirar a camisa no soalho, ameaçar renhir para continuar em campo e conseguiu:
“O primeiro médico falou que eu não podia continuar, o músculo estava totalmente franco e eu não teria forças para suportar a dor. Respondi que não estava sentindo zero e que podia jogar. Depois, o segundo médico (o Internacional tem seis) também proibiu que continuasse, mas eu não podia deixar o time. Não que o suplente, o Schneider, não seja um bom goleiro. Mas ele estava insensível e isso ia motivar o Cruzeiro. Além de tudo, eu estava com pavor que acontecesse alguma coisa. Se perdêssemos, a culpa seria minha. Ameacei até renhir, conversei com Minelli e assumi toda a responsabilidade, indo até o termo.
“Eu até que queria tomar uma injeção”
Manga está estirado no sofá de seu apartamento perto do meio de Porto Jubiloso. São 24 horas do domingo e, apesar das dores que sente na coxa, ele insiste em rever, pela televisão, todos os lances do jogo. Lá fora, na ingresso do prédio, apesar da mediação de duas radiopatrulhas, a torcida não desiste e continua gritando, eufórica, o seu nome. Uma vez que aconteceu durante cinco minutos, quase no final do jogo, quando todos no Orla-Rio gritavam incentivando-o:
“Fazia força para não escutar. Tinha pavor. Não podia desviar o pensamento pois o Cruzeiro não parava de hostilizar. Não sentia mais dor nenhuma. Os médicos não sabem uma vez que consegui jogar até o termo, com uma distensão tão potente uma vez que a que tive na virilha. Um lugar bastante quebrável. E olha que não tomei nenhuma injeção. Eu até que estava querendo, mas mesmo com anestésico, só um doido jogaria naquela situação. Ainda me acho normal.”
“Vejo qualidades e não bons goleiros”
Manga, mesmo molestado, fez pelo menos quatro grandes defesas. Em uma delas, que provocou delírio entre os torcedores, subiu com Palhinha e segurou a esfera no ar, usando somente a mão esquerda:
“Não foi exibicionismo. É que eu não conseguia saltar com as duas pernas e trincafiar a esfera no eminente com as duas mãos. Não tinha impulso na perna esquerda e a única coisa que me restava era segurar com uma só. Sou um goleiro que aprendeu a jogar fora da pequena dimensão, o que quase nenhum goleiro faz hoje no Brasil. Na verdade, não temos bons goleiros. Vejo dois outros com qualidades, mesmo assim não conseguem manter regularidade, o que é fundamental para quem joga nesta posição. Também não paladar de rebater bolas com socos. Prefiro segurar.”
Ele se recusa a manifestar os nomes dos “outros dois goleiros com qualidades”. Extremamente vaidoso, Manga fala de suas qualidades, dos títulos que conseguiu, da sua curso de vencedor e ataca o melhor goleiro do Brasil em 76:
“O Valdir Peres, que ganhou todos os prêmios de melhor do ano, sofreu só no Campeonato Brasílico 33 gols. Goleiro que sofre 33 gols em 27 jogos não pode ser o melhor. [Na verdade, Valdir sofreu 21, o que Manga desconhece]. Eu só sofri 12 em 30 jogos, menos de um gol por partida, fui o goleiro menos vazado do país. Em todos os clubes que passei, só acumulei títulos. No Uruguai, o Pátrio, depois de perder muitos anos seguidos para o Peñarol, acabou ganhando 14 títulos em 4 anos, o tempo da minha permanência lá. No Botafogo, fui quatro vezes vencedor carioca e agora, em somente um ano e três meses de Internacional, consegui três títulos: dois gaúchos e o Campeonato Brasílico.”
“Formei meu físico carregando sacos”
Aos 17 anos, começou a jogar no Esporte de Recife, para ajudar o pai, um pobre barqueiro, sem recursos, que mal ganhava para vestir-se. Formou seu físico ajudando-o a carregar e descarregar sacos de provisões. Depois, um rápido sucesso no Esporte levou-o para o Botafogo, do Rio, onde teve bons momentos até que o Brasil perdeu a Despensa do Mundo de 1966 e seu decorrente desprestígio mudou a curso de Manga, que foi jogar no Pátrio de Montevidéu. Em junho do ano pretérito, depois da insistência do Corinthians em contratá-lo por reles preço [a moeda uruguaia ia-se desvalorizando-se], aceitou ser adquirido pelo Inter:
“Só não fui para o Corinthians porque os dois irmãos Mateus brigaram na hora de me contratar. Um queria dar o numerário que o Pátrio pedia e outro não. Fizeram outras reuniões mas acabaram desistindo, felizmente, vim para o Internacional, um clube magnífico!”
Casado há 15 anos, pai de dois filhos, Manga não conhece outra atividade que não seja o futebol, filmes na televisão à tarde (não consegue dormir de dia). Não bebe, nem fuma, e gosta de passeios a pé pelas ruas de Porto Jubiloso:
“Só consegui atingir esta forma física com dedicação. Paladar muito do futebol. Aquelas duas bolas que peguei nos chutes de Nelinho, não foram por contingência. É o resultado de treinamentos físicos. Treino até quando estou machucado. Dizem que estou velho, mas disputei os 81 jogos do time levante ano, o único que conseguiu isso, sendo o mais velho. Ainda jogarei por mais uns cinco anos, no mínimo. Sinto-me orgulhoso quando me consideram um bom goleiro e quero preservar isto por muito tempo.”
Entre todos os jogadores campeões do Brasil pelo Internacional, Manga tem uma predileção privativo pelo “gringo”, o beque medial Figueroa, líder dentro e fora do campo, o maior jogador que conheceu na sua vida ao qual só mesmo Nilton Santos poderia ser comparado.
“Uma vez que o Figueroa nunca vi igual. É o melhor jogador de resguardo que conheci. Ele não fala um palavrão em campo, não grita com ninguém. E uma vez que joga… O Nilton Santos também foi grande, podia-se compara-los, mas é gringo e é mais completo. É perfeito em tudo: chuta, marca, corre, cabeceia e tem grande domínio de esfera. O Nilton Santos, por exemplo, não cabeceava uma vez que faz o Figueroa.”
A vitória do Internacional apagou algumas mágoas da longa curso. Voltando ao Brasil, diz ter conseguido provar ser um grande goleiro:
“Em 66 fui sacrificado injustamente. Não joguei muito, é verdade. Falhei nos gols que o Brasil sofreu contra a Hungria. Reconheço tudo. Mas naquela seleção ninguém estava muito. Na hora da decisão por uma vaga, o Gérson teve dores, o Altair teve dores, o Gilmar também. Todo mundo sentiu dores. Me colocaram numa situação difícil, sem orientação e ficou fácil jogar toda a culpa em mim. Por isso, neste domingo, eu não podia transpor no pausa do jogo. Precisava desta vitória, nem que tivesse de ‘morrer no gol’.”
Seu contrato vencerá só em dezembro do ano que vem, ele não gosta de falar em numerário nem permite que a prensa divulgue seus salários.
“Minha mulher controla meus ganhos e gastos, ela é que precisa saber”.
No momento, o Internacional é o clube que melhor paga no país. Figueroa, Lula, fizeram um bom contrato. Manga já está pensando na participação do time na Taça Libertadores, ao contrário de paulistas e cariocas, que ficaram de fora. Ele tem bastante experiência nessa taça, já foi vencedor mundial interclubes pelo Pátrio:
“E talvez o Inter possa ser vencedor mundial. Temos condições. Na América Latina não existe um time tão muito armado uma vez que o nosso.”