Marcar posição em prol da democracia e contra qualquer movimentação que tente jogar o país em uma ditadura foi o propósito que levou milhares de pessoas a convencionar cedo e enfrentar até chuva para mostrar, na Rossio dos Três Poderes, em Brasília, que o Brasil é, e se tudo der evidente, continuará sendo um país livre.
“Vim cá para reafirmar a democracia, em seguida aquela tentativa do 8 de janeiro de 2023 de emplacar um golpe de Estado que foi planejado contra o nosso país. Vim para deixar simples o quão é importante combatermos o fascismo, que é a política do ódio adotada pela direita brasileira com o propósito de atingir objetivos zero republicanos”, disse o servidor da Câmara Legislativa do Província Federalista Pedro Rodrigues, de 55 anos.
Segundo Rodrigues, a principal bandeira defendida no evento desta quarta-feira (8) por movimentos sociais e partidos políticos é a repudiação a qualquer possibilidade de anistia a golpistas. “Essa tentativa de golpe foi uma violência bruta praticada contra o país uma vez que um todo. Se violência contra uma pessoa é delito incabível, o que expressar quando ela é praticada contra todo um país?”, questionou o servidor, em meio a críticas à forma de agir de alguns policiais militares na revelação de hoje.
Rodrigues disse que foi xingado ao dar bom dia a um policial, quando estava sendo revistado, no momento da chegada à terreiro. “Ele provavelmente fez isso por culpa da minha camisa”, explicou, mostrando a roupa, estampada com a bandeira da Palestina e uma logo da Ursal, a chamada União das Repúblicas Socialistas da América Latina, que, nas últimas eleições presidenciais, foi apontada uma vez que entidade subversiva da esquerda. O xingamento foi recusado pela Polícia Militar.
União
Para Antônio Cunha, de 70 anos, ex-servidor da Secretaria de Saúde do Província Federalista, a revelação de hoje representa um festejo pela liberdade e pela empatia entre os brasileiros. “O que queremos é viver em um país onde as pessoas se entendam e se respeitem. Que saibam ouvir, para conversar de forma civilizada; que aprendam a tolerar, e que busquem cada vez mais os ideais que têm em generalidade, em vez de ficarem remoendo as divergências”, disse à Dependência Brasil o jubilado.
O libido de unir as pessoas é um tanto presente na vida de Cunha, líder comunitário no Recanto das Emas, cidade localizada nos periferia de Brasília. “Sempre desenvolvemos atividades de integração uma vez que práticas esportivas e debates sobre temas relevantes para os jovens e as crianças de nossa comunidade”, disse.
“Fazemos isso há muito tempo, mas percebemos, há alguns anos, movimentos que, com interesses políticos escusos, atuavam para nos separar. Isso culminou naquele 8 de janeiro do ano retrasado; naquele dia da baderna, que colocou nossa democracia em risco”, reclamou.
Indígena da etnia Tapuiá, localizada na mote entre Minas Gerais e Goiás, a professora Alba Valéria, que atualmente vive em Valparaíso, cidade goiana no entorno do Província Federalista, diz que o 8 de janeiro é o marco histórico “de uma boiada estourada que invadiu as sedes dos Três Poderes”.
“Foram pessoas deploráveis que vieram cá, lideradas pelo berrante soprado por alguém que havia fugido para Orlando, nos Estados Unidos”, acrescentou ao referir o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ovelha vermelha
Na avaliação da professora, o país passou por um período em que muita manipulação foi praticada, a partir do incitação ao ódio contra pessoas que pensam de modo dissemelhante. “Vi os efeitos disso até mesmo na minha família. Eu mesma já fui de direita. Até que, um dia, ao escutar o exposição do presidente Lula, eu, indígena, me vi ali representada, com ele falando sobre um tanto que eu sentia na minha pele”, disse.
“Depois de mudar de lado, fui chamada de ‘ovelha vermelha’ pela minha família. Mas, aos poucos, com muito diálogo e reverência, sempre no campo das ideias, fui ajudando todos a se conscientizarem, inclusive sobre a valia dos valores democráticos. Hoje somos uma família constituída majoritariamente por ‘ovelhas vermelhas’”, afirmou.
O marido de Alba Valéria é bolsonarista. “Felizmente, ele respeita meu posicionamento político. Nós conseguimos manter, lá em moradia, o diálogo. As conversas são sempre no campo das ideias, sem desrespeito. Essa é a fórmula para o bom convívio. Torço muito para que nosso país siga o mesmo caminho.”
Molhado pela chuva que caiu, por volta das 10h, na Rossio dos Três Poderes, o cadeirante Carlos Augusto Lopes, de 54 anos, servidor público da Secretaria de Ensino do Província Federalista, disse que todo esforço para estar ali, em um ato de resguardo da democracia, valeu a pena.
“Democracia é liberdade. E sem liberdade não podemos reclamar, nem reivindicar. Só a democracia permite isso. Reclamar é praticar uma sátira construtiva. E quando reivindicamos, nos tornamos de certa forma secção integrante do Estado”, argumentou Lopes, ao ressaltar a valia de o 8 de janeiro ser perpetuado uma vez que “símbolo da luta contra uma tentativa de golpe que nunca deverá se repetir”.
Objetos restaurados
Ex-funcionária de serviços gerais no Palácio do Planalto, a quem cabia, entre outras atribuições, cuidar de objetos e obras de arte que, em janeiro de 2023, foram vandalizados durante a tentativa de golpe, Luciene Galdino, de 70 anos, comemorava a reembolso das peças restauradas aos prédios-sede dos Três Poderes.
“Uma vez que brasileira, fiquei muito triste ao ver aqueles objetos sendo destruídos de forma tão bárbara. Eram obras-primas do patrimônio do nosso país. Foi um sem razão o que fizeram. Tentaram destruir a história do nosso país. Foi um atentado contra o Brasil. Não exclusivamente contra as instituições”, lamentou Luciene, que destacou a presença, ali perto, de “gente infiltrada que tentou produzir confusão na sarau”.
Luciene disse isso apontando para José Beckman, um jubilado de 71 anos que fazia, em cocuruto e bom tom, críticas ao atual presidente do país, durante a revelação. “Sou Bolsonaro de carteirinha. Lula não me representa porque nunca melhorou o país. Nem a economia ele faz crescer”, disse Beckman.
Perguntado sobre o percentual mais recente de propagação do PIB (Resultado Interno Bruto) pátrio, Beckman arriscou: “acho que foi 6,7%”. Na verdade, o propagação anual da economia está na tira de 4% – o maior dos últimos seis trimestres.
Sobre a questão das joias que teriam sido vendidas por Bolsonaro, ele disse que o mesmo deveria ter sido cobrado de outros presidentes, que também receberam presentes desse tipo quando ocupavam o incumbência. Ele, no entanto, não soube expressar se qualquer deles teria recebido joias.
Sobre os imóveis adquiridos pelo ex-presidente, Beckman disse que tudo foi comprado com o verba amontoado durante a curso militar. “Militares ganham muito muito. Acho perfeitamente provável que ele tenha juntado, até pela idade avançada que tem”, argumentou referindo-se à compra de murado de 100 imóveis atribuída à família de Bolsonaro.
O ato final da revelação organizada na terreiro dos Três Poderes foi o simbólico “Amplexo pela democracia”, que contou com a presença de diversas autoridades.
*Texto ampliado às 18h18