Marçalizaram O Debate Eleitoral Na Cidade De São Paulo

Marçalizaram o debate eleitoral na cidade de São Paulo – 03/09/2024 – Wilson Gomes

Celebridades Cultura

Durante os anos em que os cidadãos recorriam majoritariamente à televisão para obter informações políticas essenciais às suas decisões eleitorais, três formatos principais foram desenvolvidos e explorados para que os candidatos pudessem se apresentar diretamente ao público: debates televisivos, horário de propaganda eleitoral gratuita e entrevistas diretas, sem edição.

Esses três formatos representam diferentes maneiras de mourejar com a tensão entre jornalismo e campanhas eleitorais. Na entrevista direta, o jornalismo tem o controle, propondo as perguntas, estabelecendo o tom da conversa e regulando o tempo das respostas. Na propaganda eleitoral, o controle é totalmente das campanhas, exceto pelos limites legais. Já os debates eleitorais são espaços de negociação entre os interesses em disputa, onde o estabilidade de forças entre jornalismo e campanha varia consideravelmente de pacto com o país, a era e a emissora.

Quando o jornalismo se impõe —com maior controle sobre os temas, regras rígidas de comportamento e sistemas de checagem em tempo real— as campanhas reclamam que os debates são “engessados”. Por outro lado, quando as campanhas conseguem impor maior liberdade e flexibilidade, é a vez de os jornalistas e a opinião pública reclamarem que os candidatos desvirtuaram os debates, usaram deliberadamente o espaço para performances e mentiras, “baixaram o nível” e não informaram o sufragista.

Embora a era da televisão tenha ficado para trás, a era do dedo não facilitou as coisas.

Primeiro, porque a maioria das pessoas não depende mais dos debates para saber os candidatos. Está tudo online, em vídeos, entrevistas, reportagens de jornais e posts. E tudo o que está online pode ser movimentado digitalmente para fins de propaganda. Quando as pessoas se expõem ao debate, já têm uma opinião formada sobre as candidaturas que lhes interessam para aderir ou odiar.

Segundo, porque é também uma era de extrema politização, sinônimo de radicalização e polarização. As pessoas sempre têm lado, sobre qualquer questão, determinado por antagonismo ao “outro lado”. Quem assiste a um debate eleitoral não chega franco a formar uma opinião novidade ou a mudar de preferência a partir do que vai ver, uma vez que crê a mitologia democrática; veio para confirmar que o outro lado realmente não presta e para ver seu candidato dar uma surra nele.

O último debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, promovido pela Jornal e pelo MyNews, ilustra muito essa veras. Embora o jornalismo tenha se virtuoso para estruturar a interação entre os candidatos e impor uma tarifa de questões substantivas, os jornais do dia seguinte destacaram que o debate havia se transformado em uma “luta na vasa” sem precedentes, porque os blocos em que os políticos interagiram foi um vergonhoso ringue de insultos, palavrões, provocações e trocas de acusações.

Marçal tem absoluta autoconsciência desse perfil de assistência aos debates. Disse-o com toda nitidez: “Eu sabor de baixaria, eu sabor do que vocês estão fazendo cá”. Para ele é evidente que “cá não é um jogo de quem tem as melhores propostas”, mas para ver quem mais aguenta porrada. “Isto cá é só teatro”.

Foi de veste nesse protótipo que o debate transcorreu. De uma secção, a mediadora, os jornalistas escalados para perguntar e, justiça seja feita, Tabata Amaral, que não quis jogar o jogo, tentando crer que do outro lado da tela tinha um sufragista que precisava ver um debate de ideias, propostas e personalidades para tomar uma decisão eleitoral.

Na outra frente, Marçal estava ali para gerar os tais cortes —das frases de efeito, dos apelidos ofensivos, das suas mímicas e da fúria provocada nos outros candidatos— para a campanha de verdade, a do dedo, pois entendeu que o público já escolheu um lado e ele precisa exclusivamente substanciar as deixas que as pessoas usam para aderir ou odiar.

Juntaram-se a ele Nunes, Datena e Boulos, que praticamente reduziram o debate a uma sucessão de acusações recíprocas, palavrões e apelidos depreciativos.

Se você crer no que esses debatedores disseram uns dos outros, decerto se terá convicto de que praticamente exclusivamente bandidos se candidataram neste ano. Suas opções são um “ladrãozinho de creche”, “um invasor sem-vergonha”, “um golpista do Pix e ladrão de velhinhas” e um “gagá comedor de açúcar”.

Enquanto isso, Tabata e quem ainda estava lúcido nessa cidade naquela noite imploravam em desespero pelo que Denise Toledo, a mediadora, verbalizou quase uma vez que súplica: “Por obséquio, respeitem um ao outro”.

Tarde demais. Marçalizaram o debate eleitoral.


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Folha

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