Não é praxe associar a cultura caipira às reviravoltas da tecnologia. Vejam a pintura “Caipira Picando Fumo”, talvez a mais famosa entre as representações da vida pacata no campo. Parece possuir um barranco entre a tranquilidade daquele trabalhador rústico criado por Almeida Júnior (1850-1899) e o ritmo célere das transformações digitais.
O apresentador Marcelo Tas mostra que esses universos simbólicos, inconciliáveis à primeira vista, podem conversar muito muito. Esse é um dos principais aspectos do recém-lançado “Hackeando sua Curso – Porquê Ser Relevante num Mundo em Permanente Transformação”, livro em que ele reflete sobre novas ferramentas de notícia e seus efeitos sobre a vida profissional.
“Para encarar os desafios da revolução do dedo, fui beneficiado com um pormenor extra no meu currículo: a puerícia caipira na roça”, escreve Tas no início de um dos capítulos.
Aliás, não são exatamente capítulos. A publicação é dividida em introdução, 11 gomos e final. Gomos uma vez que os de uma mexerica, “que podem ser saboreados individualmente, na sequência que desejar”.
Marcelo Tristão Athayde de Souza —o Tas surgiu da junção das iniciais dos sobrenomes— nasceu em 1959 na pequena cidade de Ituverava, no interno paulista, a pouco mais de 100 km de Ribeirão Preto. Seus pais trabalhavam uma vez que professores, mas boa segmento da família era formada por agricultores àquela fundura.
Episódios curiosos e aprendizados extraídos da convívio com os avós e com amigos que sabem tudo sobre lavouras e pomares conduzem alguns trechos de “Hackeando sua Curso”.
Tas aborda, por exemplo, momentos da trajetória profissional em que enfrentamos situações desconhecidas. O caipira, diz ele, “finge não saber das coisas, inclusive das que sabe com profundeza. É uma estratégia sofisticada”.
Explora também o concepção de poda, uma prelecção aprendida com Antonio Galo, o Tóim, que produz pêssegos e outras frutas na Serra da Mantiqueira.
“A poda não é um ataque ao desenvolvimento da vegetal. Ao contrário, é uma retirada estratégica de galhos que sugam pujança sem produzir zero. É uma renovação do sistema. Podar não é manifestar ‘não’ para a vegetal; é manifestar ‘sim’”, escreve.
O concepção se aplica tanto aos pessegueiros quanto aos haters. E, nesse caso, podar não significa bloquear nem responder com raiva.
À Folha Tas volta ao tema: “Use muito muito uma teoria, tire dela o melhor provável, o melhor resultado, e depois a golpe. Namoro para que você possa crescer em outras dimensões”.
A base do livro é, sobretudo, a curso do apresentador, feita de cortes e renovações. Nos anos 1980, houve o sucesso de Ernesto Varela, o “repórter de ficção que entrevista pessoas de verdade”. Na dezena de 1990, o Professor Tibúrcio, do programa Rá-Tim-Bum, e Telekid, do Fortaleza Rá-Tim-Bum, ambos na TV Cultura. No término dos anos 2000, o CQC, telejornal humorístico da Band. Em seguida, Papo de Segunda, no GNT.
Essas se somam a outras tantas atrações apresentadas e roteirizadas por ele, além de trabalhos para outros meios, uma vez que a direção de uma ópera e a geração de games interativos para museus. Atualmente, Tas conduz o Provoca, também na Cultura.
Essa trajetória enxurrada de curvas encontra uma síntese na título, um glosa de Steve Jobs —as inspirações para o livro são as mais variadas, do caipira do interno paulista ao fundador da Apple, do diretor de teatro Antunes Fruto ao psicólogo e economista Daniel Kahneman.
“Muitas pessoas da nossa indústria não tiveram uma vida com experiências diversas. Logo elas não têm pontos a vincular. Acabam trazendo soluções lineares, sem uma perspectiva ampla do problema”, escreveu Jobs, citado por Tas.
No primícias da pesquisa para o livro, ele imaginava uma publicação voltada para um público jovem, em período de estudos ou início de curso. Mais adiante, porém, o responsável se deu conta de que poderia dialogar com outras faixas etárias. “Hoje em dia, temos a tarefa de atualizar a nossa curso o tempo todo.”
Outro objetivo dos primórdios do projeto, esse seguido à risca, era evitar um livro que enfileirasse conselhos. Tas prefere encadear histórias vividas por ele, episódios da evolução da tecnologia (principalmente nas telecomunicações), reflexões e, em muitos momentos, boas perguntas —uma vez que fazia Ernesto Varela.