Maria Fernanda Cândido Encarna Clarice Lispector No Teatro 24/01/2025

Maria Fernanda Cândido encarna Clarice Lispector no teatro – 24/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Desde que chegou de Paris, onde mora há seis anos, Maria Fernanda Cândido passa horas em seu camarim, no porão do Teatro-D-Jaraguá. Sentada numa poltrona, a atriz mostra apreço por seus recentes achados literários, descobertos em livrarias da capital francesa.

Entre eles, uma selecta bilíngue de poetas russos, que ela folheia, deixando ver os seus grifos. “A venustidade é sempre positiva, é uma moeda mundial”, diz ela. “Ser formosa abre portas, mas não as mantém abertas. A trajetória de uma vida não será feita por pretexto da venustidade somente.”

Aos 50 anos, a atriz não se importa com a pressão estética da sociedade, sentença agora debatida na internet. “Eu não pego isso para mim”, diz, enquanto passa rímel, diante do espelho, minutos antes do experiência fotográfico.

Considerada uma das mulheres mais belas do século, segundo uma enquete feita pelo Fantástico, da Orbe, Cândido prefere se constatar à literatura. Neste sábado, a atriz inaugura a novidade sala de espetáculos, que fica na Consolação, região medial da capital paulista, estreando a peça “Balada Supra do Escuridão”.

Trata-se de uma colagem de textos de Clarice Lispector, autora que marcou a sua mocidade. O projeto se iniciou há quatro anos, na forma de um recital, realizado na Embaixada do Brasil, na França, em homenagem ao centenário da autora. Desde logo, cumpriu temporadas em Paris.

“Percebo um movimento de invenção da obra de Clarice na França, sobretudo entre jovens adultos, que ficam muito curiosos e querem saber de quem são esses textos”, afirma a atriz. Por ironia, só agora o espetáculo será apresentado ao público na língua em que Clarice escreveu seus livros.

“Quando muda a língua, tudo muda, e é evidente que o português é melhor. Nos textos dela a tradução nunca é exata. Os franceses tentam emendar as transgressões gramaticais dela, e a gente tem de barrar esse ímpeto, porque isso é a obra da Clarice”, diz.

A dramaturgia de Catarina Brandão se concentra nos contos “A Secretaria dos Pães”, “E Para Lá que Eu Vou” e “Sobras de Carnaval”, resgatando também entrevistas encontradas na prelo. “Balada Supra do Escuridão” combina as passagens determinantes da biografia de Clarice a uma investigação das obras selecionadas.

O nome do espetáculo tem origem num poema de Carlos Drummond de Andrade, publicado no Jornal do Brasil, em 1977, um dia depois da morte da escritora e do dia de seu natalício. No poema, Drummond ressaltava o misticismo, propriedade da literatura clariceana que ainda seduz novas gerações de leitores.

Em privativo, “Balada Supra do Escuridão” replica uma teoria de indeterminação, que perpassa todo o projeto literário de Clarice, em diferentes instâncias. De início, a obra da escritora é marcada por um hibridismo de gêneros. Alguns contos, por exemplo, podem ser entendidos uma vez que crônicas —e vice-versa.

Ao somar “Chuva Viva”, lançado no ano de 1973, uma vez que uma ficção, Clarice mais expunha seu paladar pela incerteza do que resolvia o impasse. Não é romance, história e muito menos experiência. Por isso, a chuva, imagem recorrente em sua obra, plasma em que se dispersa o universo da autora. De modo análogo, não é verosímil identificar, na costura dos textos de “Balada Supra do Escuridão”, onde começam e terminam os contos.

Sobretudo, não se sabe quem é a mulher em cena. É um “eu” em manente devir. Nas passagens biográficas, Cândido assume a primeira pessoa do único, uma vez que se fosse a escritora. Lendo os contos, encarna as personagens ou se distancia delas, sendo narradora.

A peça é um solilóquio, mas Cândido não está sozinha em cena. Ela divide o palco com a pianista Sonia Rubinsky, importante técnico da obra do compositor Heitor Villa-Lobos. A música que será interpretada tem estreita relação com a termo falada.

“Esses textos de Clarice têm uma pessoal fluidez, existe um respirar das frases e tudo o que um músico quer é isso”, afirma Rubinsky, que venceu, há 16 anos, o Grammy Latino. Além de obras de Villa-Lobos,

ela tocará peças de outro brasílico, Alberto Nepomuceno, e do russo Sergei Rachmaninov.

São modos de relembrar a atmosfera enigmática dos contos. Para Cândido, o mundo de Clarice parece menos estranho agora. Há dois anos, ela viveu o papel-título do filme “A Paixão Segundo G.H.”, adaptação do romance de 1964, dirigida por Luiz Fernando Roble.

A atriz afirma que a peça e o filme são muito diferentes entre si, mas se ligam nos temas que caracterizam o universo da autora, uma vez que a procura pelo sentido da vida. Cândido reconhece a valor que o cinema teve em sua vida, desde que trocou o mundo da tendência pela arte.

Protótipo das grifes Dior e Prada, ela teve aulas, ao longo de dois anos, no estúdio de Fátima Toledo, controversa preparadora de elenco, acusada de praticar afronta físico e psicológico em sua metodologia.

Segundo Denise Weinberg, atriz que diz ter sido torturada pela preparadora no set do filme “Traço de Passe”, os exercícios aplicados incluíam pé no pescoço, xingamentos e humilhações. Cândido ri da notabilidade de má de sua professora e diz que gostava das aulas. “Entendo o processo dela, sou grata a ela. É evidente que tem desconforto, porque é um jeito de trabalhar que vai mexer em muitas feridas nos exercícios”, conta a atriz.

De todo modo, se sente honrada ao inaugurar o Teatro D-Jaraguá, que fica no subsolo do hotel Jaraguá, construído em 1953. O projeto do galicismo Jacques Pilon abrigou até os anos 1970 o jornal O Estado de S.Paulo.

A sala de espetáculos continua o projeto do Teatro-D, que fechou as suas portas, no Itaim Bibi, há seis anos. O teatro tem capacidade para 260 pessoas e um palco italiano. Até o termo do ano pretérito, o espaço era usado para eventos corporativos.

A encenação de um espetáculo sobre Clarice vindo da Europa reacende o debate sobre a recepção da obra da escritora no exterior. A França é um caso pessoal. Nos anos 1970, a sátira literária feminista Hélène Cixous, entusiasmada com a leitura de “A Paixão Segundo G.H.”, passou a organizar seminários sobre a obra da ficcionista.

Naquela fundura, já existiam traduções de Clarice para o galicismo, mas os ensaios escritos por Cixous foram determinantes para que mais pessoas a lessem no país. Professor de teoria literária e literatura comparada da Universidade Federalista do Rio de Janeiro, João Camillo Penna esteve nos seminários de Cixous e pesquisa a obra da ensaísta.

“O feminismo galicismo é necessário para a leitura sátira sobre Clarice. Não existe uma apropriação feminista da obra de Clarice, porque ela não pode ser apropriada”, afirma Penna. “Não se trata de militância, é preciso entrar em contato com os livros sem preconceito com o feminismo.”

Diante dos estudos de Cixous, o pesquisador desfaz mitos difundidos até hoje. Penna afirma que a escrita de Clarice não é tão influenciada pelo existencialismo de matriz sartriana, estando mais ligado aos filósofos pós-estruturalistas. Ele conta também que Clarice não deve ser vista, conforme transmitido nas escolas, uma vez que a escritora das epifanias. “Existe um montão de leitores de Clarice na França, inclusive porque ela é também um fenômeno mercantil”, diz.

Folha

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