As linhas que se seguem constituem uma entrevista sobre outra entrevista. Quer manifestar, é melhor descrever a história com perspicuidade jornalística. Logo, lá vai. Blecaute na cena. Marília Gabriela, de 75 anos, e Theodoro Cochrane, seu segundo rebento, de 45 anos, se posicionam nas extremidades de uma mesa, num tête-à-tête. Ao modo dos programas ao vivo que marcaram a curso da jornalista, Cochrane emenda uma pergunta na outra, encurralando a própria mãe.
“A Última Entrevista de Marília Gabriela”, que estreia nesta quarta, no Teatro Unimed, em uma sessão para convidados, alicerça sua dramaturgia numa gaudério com a linguagem do telejornalismo.
“A semelhança entre uma peça e uma entrevista está na identificação que você estabelece com as pessoas. Ainda acredito que todo mundo é parecido”, diz Gabriela, descendo do palco ao lado do rebento para, na primeira fileira, permanecer de frente com o repórter.
“Tanto na entrevista quanto no teatro a gente procura um sentimento de pertencer a qualquer grupo”, afirma Cochrane. Escrito por Michelle Ferreira e dirigido por Bruno Guida, o espetáculo se realiza numa dinâmica de perguntas e respostas, que repassa, com picardia, a vida da entrevistadora, entre êxitos e desastres da curso. O mais famoso deles ocorreu, há 25 anos, com Madonna, agora prestes a fazer o maior show de sua vida, no Rio de Janeiro.
No programa De Frente Com Gabi, à quadra transmitido pelo SBT, Madonna foi monossilábica na maioria das suas respostas, deixando a conversa desabar numa constrangedora sequência de silêncios. Durante a peça, Cochrane não alivia o tom em nenhum momento, expondo o modo sincero uma vez que se relaciona com a sua mãe.
Ele lembra que o vídeo da entrevista acumula mais de 1 milhão de visualizações no YouTube, sendo, volta e meia, reavivado pelas redes sociais. “Continuo achando a Madonna um ícone da nossa geração. Passei por aquele perrengue na quadra, fiquei triste, mais do que aborrecida, e o tempo se incumbiu em diluir a minha presente daquele tropeção”, ela diz.
O início da “Última Entrevista” parece ter sido escrito para dirimir a curiosidade da plateia e ironizar a prelo, que adora tocar nos mesmos assuntos. No palco, Gabriela comenta, de chofre, o boato de que Cochrane namorava o ator Reynaldo Gianecchini, com quem ela permaneceu casada de 1999 a 2006.
Segundo Gabriela, o parelha não se preocupava com as fofocas, porque faziam muito sexo. Em declarações recentes, o ator e padrão tem se liquefacto pelo velho conúbio, afirmando que a relação era de uma conexão profunda.
“Ele virou realmente o galã, com todo aquele assédio brutal, que foi tornando a nossa relação cada vez mais distante”, afirma Gabriela, feliz pelo momento do ex-marido na cena artística —Gianecchini vai, daqui a um mês, encenar o músico “Priscilla, a Rainha do Deserto”.
Porquê logo se percebe, a peça pode ser considerada uma boa entrevista, dada a variedade e a velocidade com que diferentes assuntos são abordados no palco, uma réplica de um estúdio, com câmeras e monitores antigos, transmitindo cenas de décadas passadas.
A peça assinala a função comunicativa da linguagem e tensiona as fronteiras de seu uso na arte, que se distingue por valorizar a sentença humana. Também é irônico que uma peça teatral de natureza metalinguística não tenha nascido no domínio do real, que pressupõe a presença, mas do virtual, espaço atualmente explorada por mãe e rebento.
Posteriormente 40 anos de curso, tendo atuado em diferentes emissoras, Gabriela se afastou, em 2015, da televisão. Inquieta, criou, há dois anos, um ducto no YouTube, onde apresentou o programa Gabi de Frente de Novo —um dos convidados recentes foi o seu rebento, motivando a sua volta ao tablado. Acostumada a trocar ideias com pensadores, a jornalista usou o seu ducto para permanecer diante de Juliette, Boca Rosa, Hugo Gloss e outros vultos da baixa cultura.
“Eu comecei a ver pelo celular esses novos milionários. O que explicaria esse número de seguidores? Tem gente muito inteligente e carismática, dentro do que se exige hoje para as novas gerações. Gente de sucesso e com muito verba é muito feliz sempre”, afirma.
Nesse momento, Cochrane delata a mãe, dando risada, dizendo que ela nunca viu um incidente de De Frente com Blogueirinha, programa do influenciador Bruno Matos, inspirado no estilo da jornalista. De todo modo, Blogueirinha, ela diz, vai ao teatro para ver a peça, que inclui um momento de “bate-bola jogo rápido”, tão característico da jornalista, feito, a cada noite, com uma pessoa escolhida na plateia.
“Parece que ela supre a urgência do que se procura hoje em dia. Pelo que leio a saudação dela, ela entrevistou todas as pessoas que quis e tem audiência. Sinal dos tempos, ela é um ícone moderno”, diz ela. “Fui convidada a dar entrevista para a Blogueirinha, mas disse ‘não, querida, não estou dando entrevista, vai lá me ver no teatro, parabéns pelo sucesso.’”
Em paralelo, Cochrane passa a maior tempo na internet. Ele, que sofre de depressão, tem um podcast, o Theorapia, sobre saúde mental e um programa de entrevistas no YouTube.
O ator não teme estar imitando a mãe e tampouco se incomoda com as críticas aos chamados “nepo babies”, filhos de famosos que supostamente seriam favorecidos no mercado de trabalho. “Sou um ‘nepo baby’ seguro de mim mesmo. Minha mãe já me imitava antes, porque ela foi ser atriz quando eu já estava atuando”, ele diz, mencionando a estreia de Marília Gabriela nos palcos, em 2000, na peça “Esperando Beckett”, de Gerald Thomas.
“A Última Entrevista” é uma oportunidade para se entender quem é, finalmente, Theodoro Cochrane. Ele se diz plural, trabalhando uma vez que figurinista e DJ. “As coisas na noite de São Paulo começam mais cedo, mas as pessoas não estão menos loucas, elas só começam a se drogar mais cedo”, diz. Já a sua formação uma vez que ator se deu no Núcleo de Pesquisa Teatral, o CPT, de Antunes Fruto, uma experiência que o fez dar um tempo dos palcos e das telas.
“Foi um traumatismo. Eu saía de lá todo dia me achando a pior pessoa do mundo. Eu me sentia horroroso, era um desprazer fazer teatro, nunca consegui atingir o ideal dele”, lembra Cochrane, que andava na rua usando um aparelho para emendar a postura.
“A internet me arreganhou e me fez ser mais eu. Falei ‘foda-se, não devo zero para ninguém’. Não preciso que Ricardo Waddington precise de mim. Se precisarem, queridos, terá de ser uma vez que eu sou”, afirma. “Vão para a puta que pariu todo mundo.”
O mundo da televisão, tematizado na peça, parece ser menos ofensivo do que os sites de fofoca e as redes sociais. Ao menos, Marília Gabriela contornou a sátira do Pânico na TV, exibido na RedeTV!, em que aparecia uma vez que Gabi Herpes, na versão do humorista Ceará.
“No início, não era deleitável. É muito estranho alguém imitar você, é desconfortável, mas depois foi ‘laissez-faire, laissez-passer’. Ainda mais agora, que estou velhota, eu estou me divertindo com tudo”, ela diz. Seu rebento não teve a mesma sorte com a internet.
Há nove anos, o site Ego publicou uma foto de Cochrane beijando outro varão, tornando pública a sua orientação sexual. “Sou uma bicha anterior a Pabllo Vittar, nem Paulo Gustavo tinha saído do armário. Não dava a mão para o meu namorado, porque achava que a Orbe não ia me invocar para ser galã”, diz o ator, que fez uma dúzia de novelas, entre elas “Caras e Bocas”, de Walcyr Carrasco, e “O Sétimo Guardião”, escrita por Aguinaldo Silva.
Nesse contexto, o teatro sempre surge uma vez que uma forma rudimentar de sentença, ao passo que as novas tecnologias diluem as fronteiras entre o público e o privado. Mesmo com tantas invasões, quando perguntados se é provável ter uma relação saudável entre mãe e rebento, os dois silenciam e se olham ternamente, tornando desnecessária a resposta.
“Eu sou da era da Kim Kardashian, minha mãe é do tempo da Marilyn Monroe, que tinha drama e glamour. A Kardashian, não, ela surgiu mostrando o cu, mostrando a xoxota”, diz Cochrane.