Marisa Orth não está nem aí para os seus 60 anos. “É depois dos 59 que começa”, diz ela, bem-humorada, estirada num sofá na sala de estar de sua morada, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. A atriz afirma nunca ter trabalhado tanto em sua curso. Ela está prestes a enfrentar o repto inédito de estar em papeleta com duas peças ao mesmo tempo.
Há três anos, Orth se apresenta no solilóquio “Bárbara”, drama em que tematiza os efeitos do alcoolismo na vida da jornalista Barbara Gancia. Já na próxima semana ela estreia “Radojka — Uma Comédia Friamente Calculada” no Teatro Faap.
Assim, a atriz estará nos palcos da capital paulista de terça a domingo, um luxo que remonta aos anos de ouro da dramaturgia brasileira. “Achava ridículo aqueles professores falando ‘o teatro’ com grandiloquência, mas agora estou nessa, porque o teatro é foda”, afirma. “Sempre recebo textos de comédia e não acho perdão, mas leio essa peça e rio sem parar.”
Montada em 12 países, a obra dos uruguaios Fernando Schmidt e Christian Ibarzabal conta a história de duas cuidadoras de idosos —Glória, vivida por Orth, e Lúcia, interpretada por Bondezan. A dupla trabalha em diferentes turnos para cuidar de Radojka, uma senhora sérvia que vive longe dos familiares. Certa manhã, as cuidadoras descobrem que Radojka morreu num acidente doméstico, o que provoca situações absurdas.
Glória e Lúcia fazem planos mirabolantes para que ninguém descubra o corpo da morta. Finalmente, elas sentem temor de perder o serviço, porque estão numa idade avançada. Nesse sentido, a peça espelha a situação das atrizes no mercado, sobretudo na indústria do audiovisual, onde encontram menos oportunidades. Orth e Bondezan reconhecem o etarismo da atualidade, outro motivo para estarem sempre envolvidas em novos projetos.
“Se manter não é fácil. Se você não tiver esse espírito, você é expelido, porque existe muito preconceito”, diz Orth. Em cena, a dupla mostra intimidade. As atrizes, no entanto, só se conheceram mesmo durante a preparação para “Radojka”. Há anos elas se encontram em coquetéis e nas estreias dos amigos. Nas rodinhas de conversa, ouviam que uma se parecia com a outra. Sob a direção de Odilon Wagner, a dupla enfim se uniu.
Ele atesta a semelhança entre as atrizes. “Tomo Frontal todos os dias, porque as duas são muito elétricas, o que é genial para a comédia”, afirma o diretor. No palco, elas se postarão na vanguarda de um imenso cenário, que reproduz todos os detalhes de um asilo. Em contraste, a indefinição do envolvente facilita a montagem em tantos países estrangeiros.
O teatro é uma estável na vida das atrizes, mas elas são mais conhecidas pelos trabalhos em séries e novelas. Orth protagonizou fenômenos uma vez que a sitcom “Sai de Ordinário”, exibida pela Orbe entre 1996 e 2002. Ao falar sobre o sucesso da série, ela imita Magda, personagem pela qual sempre é lembrada, e afirma ter usado seus conhecimentos da faculdade de psicologia para encarnar a mulher de Caco Antibes, papel de Miguel Falabella.
“Intelectualidade abaixada, sexualidade aumentada. Magda é muito paulistinha, né? Uma paulistinha daquelas débeis mentais que falam assim ‘ai, não sei o que aconteceu. De repente, apareceram duas BMW na garagem do meu marido. Ele tem amigos tão legais’”, diz.
Orth faria outro par romântico com Falabella em “Toma Lá, Dá Cá”, transmitida pela mesma emissora, entre 2007 e 2009. Na série, eles viveram o par Rita e Mário Sérgio. Em geral, as duas produções, afirma a atriz, eram alicerçadas em personagens muito construídos.
Atualmente, as duas produções são transmitidas pelo ducto Viva e pelo Globoplay, precedidas por uma tarja de mensagem com o expor “esta obra reproduz comportamentos e costumes da era em que foram realizadas”.
Para Orth, a tarja é um atestado de moralismo. “O mundo encaretou. Esse questionamento nasceu uma vez que uma coisa libertária. Os oprimidos encheram o saco de serem mal falados. Se está machucando, tudo muito. Mas virou uma prisão. O histrião da incisão não pode mais falar. Matam o histrião, mas não matam o rei”, diz.
Em “Sai de Ordinário”, Magda era uma mulher submissa ao marido, e Caco Antibes se orgulhava em odiar os pobres. “O pobre não gosta de ser pobre. A gente andava na rua e as pessoas gritavam ‘eu sou pobre’. A pessoa não é pobre, ela está pobre. Se você botar numerário nela, ela fica rica, é impressionante.” No papel de Magda, Orth se tornou cobertura da Playboy.
“Sempre quis posar nua, tinha essa vontade por pura vaidade, mas não adiantou zero. Continuo insegura. Olhava para a minha revista e queria ter o corpo daquela mulher”, afirma.
No auge da popularidade, a atriz chegou a apresentar a primeira edição do Big Brother Brasil, com o jornalista Pedro Bial. A experiência não deu evidente por justificação da falta de entrosamento entre eles. “Fui a primeira apresentadora do BBB mundial eliminada antes dos participantes”, diz ela, que deixou de seguir o reality show. “A exposição dessas pessoas não se paga. Aquilo lá é muito patogênico. Gera muitas doenças mentais.”
Já Bondezan encontrou sucesso na televisão de um modo privado. Antes de os artistas se dividirem em plataformas de streaming, ela já circulava por diferentes emissoras. Em seguida estrear na Band, esteve em 2000 em “Terreno Nostra”, da Orbe, e quatro anos depois em “Chocolate com Pimenta”, do mesmo ducto. Seus maiores sucessos, no entanto, são as novelas do SBT, onde teve oportunidades de encarnar várias vilãs.
Ela reconhece que a Orbe tem a melhor estrutura de produção, mas afirma que o envolvente familiar do SBT é bom para se trabalhar. De consonância com a atriz, as pessoas subestimam o sucesso, sobretudo nas camadas populares, das versões feitas de folhetins estrangeiros. É o caso da venezuelana “Esmeralda”, em que ela viveu Fátima Álvares, ou da mexicana “Cúmplices de um Resgate”, de sua personagem Marina.
“Quando eu viajo com as minhas peças para o Nordeste, as pessoas me cumprimentam pelo sucesso de ‘Esmeralda’, não pelas novelas da Orbe”, diz ela, que fez sucesso nos palcos com “A Golondrina”. Com “Radojka”, Orth e Bondezan querem espantar qualquer preconceito contra a comédia no cenário teatral.
Orth, por exemplo, diz que o termo “besteirol”, inicialmente usado para denominar uma combativa escola de humor dos anos 1970, tem sido usado de um modo inadequado. “Os mais inteligentes riem primeiro. Os burros riem depois. Dá um delay, um detença. O humor é o prazer da perceptibilidade”, diz.