Um dos capítulos mais importantes da história do rock termina com o lançamento de “Heavy Lifting”, quarto e último disco da filarmónica americana MC5. É o primeiro LP do grupo em 53 anos, desde “High Time”, de 1971. Mas o que deveria ser um disco de celebração de um nome histórico e que inspirou o heavy metal, o punk e o grunge, tornou-se um epitáfio, porque os três remanescentes da “família MC5” morreram num pausa de quatro meses.
Em fevereiro, foi-se o guitarrista Wayne Kramer, aos 75 anos, que mantinha a filarmónica viva. Em abril, aos 82, foi a vez do poeta e ativista John Sinclair, o mentor que criou a filosofia hedonista e confrontacional do grupo, foi recluso e mereceu até uma música de John Lennon e Yoko Ono. Em maio, por término, morreu o baterista original do MC5, Dennis Thompson, também aos 75.
Kramer estava trabalhando nesse disco há pelo menos três anos. Escreveu músicas em parceria com o cantor Brad Brooks e montou um verdadeiro “dream team” do rock para participar do LP, com os guitarristas Slash (Guns N’ Roses), Tom Morello (Rage Against the Machine) e Vernon Reid (Living Colour) e o cantor William DuVall (Alice in Chains). Dennis Thompson tocou bateria em duas faixas. A base foi formada por dois músicos extraordinários, o baixista e produtor Don Was e o baterista Abe Laboriel Jr. (que toca com Paul McCartney). Para produzir, Kramer chamou ninguém menos que Bob Ezrin, que tem no currículo álbuns icônicos do rock porquê “The Wall” (Pink Floyd), “Destroyer” (Kiss), “Billion Dollars Babies” (Alice Cooper) e o primeiro álbum solo de Peter Gabriel. Um timaço.
Os planos de Wayne Kramer para o reformado MC5 eram ambiciosos: ele queria lançar “Heavy Lifting” com uma turnê mundial e ter convidados especiais em cada show. E quem recusaria um invitação de Wayne Kramer? Porque a verdade é que o MC5 (o nome quer proferir “Motor City Five”, ou “Os Cinco da Cidade do Motor”, sobrenome de Detroit), mudou o rock e praticamente inventou o punk junto com os vizinhos The Stooges, liderados por James Osterberg, mais espargido por Iggy Pop.
O MC5 era um grupo de delinquentes politizados que faziam uma música de protesto de subida esbraseamento, com letras que confrontavam o governo e autoridades em universal. Formado por Rob Tyner (vocais), Fred “Sonic” Smith (guitarra, depois marido de Patti Smith), Michael Davis (insignificante), Dennis Thompson (bateria) e Wayne Kramer (guitarra), o MC5 lançou três discos entre 1968 e 1971, antes de finalizar por problemas com heroína, cocaína e a polícia, além de ter seu empresário, o poeta e ativista John Sinclair, recluso por vender duas pontas de maconha a uma policial à paisana e sentenciado a absurdos dez anos de prisão.
Durante quatro ou cinco anos, o MC5 foi a trilha sonora da contracultura radical. John Sinclair tinha um slogan: “Drogas, armas e sexo nas ruas”, e a filarmónica se tornou a porta-voz de todos os movimentos libertários do período, de protestos contra a Guerra do Vietnã ao sangrento confronto com a polícia de Chicago em 1968, durante a Convenção do Partido Democrata.
Depois da fragmentação da filarmónica, o guitarrista Wayne Kramer penou. “Mal o MC5 acabou, eu me tornei um criminoso”, admitiria depois. Viciado em cocaína, passou a vender a droga e, em 1975, foi recluso e sentenciado a quatro anos de prisão. Na prisão, conheceu Red Rodney, um trompetista de jazz que havia tocado no quinteto de Charlie Parker. Rodney se tornou um mentor músico para Kramer e o aplicou no free jazz.
Mal saiu da prisão, Kramer tratou de pôr a vida em ordem: lançou discos, produziu bandas e, no início dos anos 1990, reformou o MC5, agora sem o vocalista Rob Tyner, que morreu de um ataque do coração. Três anos depois, foi a vez do guitarrista Fred “Sonic” Smith morrer, também por problemas cardíacos. Mas Kramer perseverou. E “Heavy Lifting” seria a sua retomada.
Pena que o sorte não quis, porque o disco é formidável, uma coleção furiosa de riffs pesados e letras politizadas que falam do ataque ao Capitólio (“Barbarians at the Gate”), dos sem-teto que vagam pelas ruas dos Estados Unidos (“Change no Change”) e de amigos que se foram (“Boys Who Play With Matches”). Uma das melhores faixas do disco foi composta em parceria com Tom Morello e deu nome ao disco, “Heavy Lifting”, que parece saída de uma sessão do MC5 em 1968: pesada, com vocal furioso e Kramer e Morello dividindo os solos. Um epitáfio digno do MC5.