A situação dos hospitais na Filete de Gaza piora a cada dia. De combinação com a Organização Mundial da Saúde (OMS), unicamente 10 dos 36 hospitais da região seguem funcionando e, ainda assim, de forma parcial, com escassez de medicamentos, combustível e pessoal.
O ataque de Israel, nos últimos dias, ao hospital Al Shifa, no Setentrião do enclave, reduziu ainda mais a capacidade de atendimento às centenas de milhares de feridos. A OMS exige o fim dos ataques aos hospitais em Gaza e apela pela proteção do pessoal da saúde.
O médico francesismo Pascoal André, de 60 anos, trabalhou uma vez que voluntário por quatro semanas no Hospital Europeu, em Khan Yunis, no sul de Gaza, e relatou, em entrevista para Filial Brasil e TV Brasil, os horrores de se trabalhar em um hospital da região.
“É sempre a mesma coisa. Cinco horas da manhã, bum, ban, bum (fragor de bombardeios) e, meia hora depois, os primeiros carros chegando, carros particulares, com pacientes moribundos, com pacientes muito graves e com casos não muito importantes, mas muitos pacientes chegando nas emergências sem qualquer triagem”, contou Pascoal, que foi para Gaza uma vez que voluntário do PalMed France, ONG de médicos palestinos em países europeus.
O infectologista relatou que é preciso escolher qual paciente atender diante da demanda, que é difícil dormir por culpa do fragor dos drones, que a rafa tem tirado a vida de muitas crianças, principalmente as recém-nascidas, que não há material nem mesmo para higiene, e que as equipes médicas estão exaustas.
“Você tem que escolher um paciente. Se ele não estiver muito bom, ele morrerá. Ou não é muito urgente, ele tem que esperar”, relatou o profissional, que gravou dezenas de depoimentos, trouxe imagens perturbadoras dos atendimentos e da fome para denunciar na Europa.
“Voltamos com muitos depoimentos dos médicos deste hospital e não fomos ouvidos de verdade nos países europeus. Passamos no Parlamento Europeu, mas unicamente três deputados nos receberam. É uma vergonha”, lamentou o profissional, que estava de passagem por Brasília para visitar o fruto que vive na capital brasileira.
Confira a entrevista completa:
Filial Brasil: Por que você decidiu trabalhar em Gaza?
Pascoal André: Para mim, ser médico é ser estar a serviço do paciente e estar com os outros médicos solidários. Há alguns anos eu queria saber médicos palestinos. Fui em abril [de 2023] para a Cisjordânia. Vi o que significa o apartheid, trabalhei com o Crescente Vermelho (organização humanitária que atua na Palestina) e com o governo Palestino para tentar melhorar o atendimento pré-hospitalar.
Quando chegou o 7 de outubro, decidi reservar um tempo para ir a Gaza. Foi muito difícil encontrar pessoas e ONGs com permissão para cruzar a fronteira. Temos um combinação com a ONG Instauração Rahma e, desde 25 de janeiro, temos um rodízio de 20 médicos indo pra lá. Talvez uma centena de médicos já estiveram no Hospital Europeu de Gaza, localizado em Khan Younes. Alguns deles trabalham no Hospital Emirates, em Rafah.
Filial Brasil: O que você viu no hospital? Pode descrever um pouco uma vez que era a situação?
Pascoal André: No hospital, tem muitos profissionais de saúde locais e de equipes de todos os outros hospitais de Gaza. Eles me explicaram que Gaza era uma vez que Paris, com 2,5 milhões de pessoa e 36 hospitais de muito bom nível. Semelhante às práticas brasileiras para a medicina, semelhante às europeias.
Agora, no Sul de Gaza, você tem um hospital, o maior deles, em Khan Yunis, com unicamente cinco salas de cirurgia e está superlotado. E as equipes médicas e as paramédicas estão muito exaustas, muito cansadas.
Eles não são muito remunerados, talvez US$ 100 a US$ 500 em cinco meses, mas o dispêndio de vida é muito cume. Se precisar de farinha, é muito dispendioso. Se você precisar de um pouco de açúcar, um quilo de açúcar custa US$ 10. Alguns deles estão realmente exaustos e muito mal, mentalmente.
Por exemplo, em um dos hospitais você, em tempos normais, tinha 40 leitos para pacientes cirúrgicos e agora está com 120 leitos. Pessoas morando dentro de salas cirúrgicas. É muito difícil trabalhar assim.
Eu, uma vez que infectologista, sem antisséptico na sala de cirurgia, sem sabão, sem chuva para limpar o paciente antes da operação. Portanto, temos visto muitas infecções com muitas complicações, com morte e amputações. É uma pena porque você tem todos os medicamentos, todos os aparelhos, a seis ou oito quilômetros, não muito longe do hospital, mas bloqueados na fronteira do Egito.
Filial Brasil: Uma vez que é a triagem dos pacientes diante da subida demanda e baixa capacidade de atendimento?
Pascoal André: A triagem é muito difícil. Você tem que escolher um paciente. Se ele não estiver muito bom, ele morrerá. Ou não é muito urgente, ele tem que esperar. É o caminho normal. É realmente uma pena o que acontece.
É sempre a mesma coisa. Cinco horas da manhã, bum, ban, bum (fragor de bombardeios) e, meia hora depois, os primeiros carros chegando, carros particulares, com pacientes moribundos, com pacientes muito graves e com casos não muito importantes, mas muitos pacientes chegando nas emergências sem qualquer triagem.
Trabalhei com muitos cirurgiões. Gravei muitos relatos sobre o que aconteceu. Temos muitos vídeos e fotos do tipo de lesões que eles sofreram. E realmente, os atiradores escolhem matar crianças, matar mulheres grávidas ou feri-las para o resto da vida. É realmente um sinistro humano.
Por outro lado, se quiserem viver neste tipo de situação dramática, têm que viver em solidariedade. E foi muito impressionante ver que a vida ainda funciona. Eles têm uma hospitalidade muito importante, apesar da situação terrível. E eles têm uma fé muito profunda.
Filial Brasil: Israel acusa o Hamas de usar os hospitais para atividades militares. Você viu um tanto desse tipo?
Pascoal André: Não, nenhum de nós viu isso. Século médicos estiveram lá desde 25 de janeiro. Foi no Hospital Europeu, não foi no Setentrião porque não temos muita informação do que acontece no Setentrião. Em Rafah, nenhum de nós viu isso. Não vimos nenhum combatente do Hamas. Não vimos nenhum túnel sob o hospital.
Você ouve, o que talvez sejam lutadores, lá fora. Às vezes ouvíamos alguns pa pa pa (sons de tiros). Talvez dois minutos depois, os drones estavam lá, os tanques estavam lá, e se não bastasse, os F-16 (aviões de guerra) estavam lá.
Mas, considerando os centena médicos que passaram por lá, não vimos nenhum soldado israelense e nenhum soldado ou combatente do Hamas.
Filial Brasil: Uma vez que é viver toda essa situação, emocionalmente falando?
Pascoal André: No meu trabalho uma vez que médico de emergência, vivencio situações muito difíceis. Embora tenha experiência, posso conviver com isso porque estou muito de vida, com meus filhos e minha esposa. Está tudo muito para mim.
Durante as quatro semanas, não dormimos muito porque na nossa cabeça estavam sempre os sons dos drones, mesmo tapando os ouvidos com um bloqueador. Vimos muita devastação, muitos civis com crianças, com mulheres, sem nenhuma atuação política, só civis que foram mortos, que foram feridos e é realmente uma pena.
Mas o que é muito, muito difícil para mim e para os meus amigos é voltar aos Estados Unidos ou à Europa e falar sobre a situação e ver o silêncio da mídia, da política, e da maioria dos cidadãos à sua frente. Essa experiência para mim, e para a maioria de nós que esteve lá, é um sofrimento real maior do que a experiência pessoal que vivi lá
Voltamos com muitos depoimentos dos médicos deste hospital e não fomos ouvidos de verdade nos países europeus. Passamos no Parlamento Europeu, mas unicamente três deputados nos receberam. É uma vergonha. A maior secção dos cidadãos, dos políticos e dos meios de informação não falam sobre o tema com liberdade porque temem a delação de anti-semitismo e de apologia do terrorismo e, por isso, calam-se.
Existe um sofrimento enorme. É desesperador. Mas há uma enorme humanidade no povo palestino na forma uma vez que acreditam na justiça. Eles têm certeza de que vencerão porque a justiça está com eles.
Filial Brasil: Uma vez que está a situação da rafa em Khan Yunis?
Pascoal André: A maioria dos médicos palestinos que conheci perderam entre 10 e 15 quilos. Todos eles nos explicam que é muito difícil encontrar comida. Mas o mais difícil está realmente no Setentrião. Mas mesmo no Sul, por exemplo, você pode ver algumas fotos que são muito impressionantes de pessoas passando rafa.
Você tem uma taxa enorme de infecção porque quando você não come o suficiente, seu corpo não consegue reagir contra a infecção. Muitos bebês têm que transpor do hospital com a mãe seis horas em seguida o parto ou 16 horas em seguida a cesariana.
Mas eles não vão para uma lar tranquila. Eles vão para uma barraca e está muito indiferente. E alguns deles estão morrendo por culpa da fome e da hipotermia. É realmente desumano e não é razoável que os países europeus e os países norte-americanos apoiem isto.
Filial Brasil: Você pretende voltar para Gaza?
Pascoal André: Sim, eu espero voltar em junho, mas tenho que tomar desvelo porque é muito difícil ser um repórter. Eu quero ser médico, mas quando o paciente sofre bombardeios e tiros, sinto que tenho que registrar o que ocorre.
Eu tenho alguns registros de vozes palestinas, porque o mais importante é que as vozes palestinas sejam ouvidas no mundo. Por isso, tenho que tomar desvelo porque você sabe o que aconteceu com os repórteres em Gaza.