Com unicamente 8 anos de idade, a filha de Lorhane Abraão Sampaio teve de comparecer diante de uma juíza para denunciar a própria professora. Ela e outra colega da Escola Municipal Estados Unidos, na região medial do Rio de Janeiro, dizem ser vítimas de ataques racistas da professora Cristiani Sacerdote Valeriano. Os episódios teriam ocorrido em mais de uma oportunidade, mas somente na última sexta-feira (7), a professora foi presa em flagrante.
A audiência de custódia foi neste domingo (9), e a prisão foi convertida em preventiva. A juíza Ariadne Villela Lopes justificou a decisão pelo trajo de a acusada ocupar “posição de comando” em relação às vítimas e por oferecer “risco concreto à ordem pública”. A professora deve se apresentar à Justiça mal tiver subida do Hospital Municipal Souza Aguiar, onde está internada.
A filha de Lorhane tentou retomar a rotina na escola, mas não se sentiu confortável e disse que não quer voltar nunca mais. “Ela foi hoje, mas falou que as crianças ficam o tempo todo perguntando o que está acontecendo. E ela não está conseguindo permanecer lá. Eu preciso transferir ela, para que possa focar nos estudos e tentar olvidar o que passou. Sei que não vai ser fácil, a gente vai tentar um séquito médico, um psicólogo fora da escola, porque ela não quer mais estar ali”, disse a mãe da rapariga.
Colega da mesma escola, a filha de Gabrielly da Conceição Bazilio também relatou ter sofrido ofensas racistas. Na ata da audiência de custódia, consta o relato das meninas de que a professora estabelecia uma regra em sala de lição, em que só era verosímil usar o banheiro uma vez por vez. Conforme o relato, uma delas perguntou se o nome estava na lista de quem já havia ido ao banheiro e disse que isso motivou a professora a agredi-la verbalmente com a frase: “Preta! Você mora embaixo da ponte!”.
Em seguida, a professora jogou bolinhas de papel nas meninas e as chamou de “lixo”. Também consta na denúncia que a mulher furou outra aluna com uma caneta. Segundo Lohrane, a professora também disse que a filha fumava crack e que tinha cabelo duro.
“Na primeira reunião da escola, as crianças já tinham reclamado com a gente. Essa professora tinha uma madeira dentro da bolsa, que ficava batendo na mesa das crianças, assustando-as. A gente conseguiu fazer uma reunião com a diretora adjunta, que passou a reclamação para a diretora principal. Só que não resolveram zero. Ela continuou lá. Até que começou a ofender e a machucar algumas crianças. Tem garoto que foi arranhada por ela, que ela pegou poderoso pelo braço”, relata Lorhane.
A Polícia Militar informou, em nota, que foi acionada na manhã de sexta-feira para atender uma ocorrência de injúria racial na Escola Estados Unidos e que os agentes foram atendidos pela mãe de uma das estudantes, que acusou a professora de racismo. Na ocasião, Cristiani Sacerdote alegou que estava passando mal, foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros e levada para o Hospital Municipal Souza Aguiar. A ocorrência foi registrada na 19ª DP da capital. A Polícia Social disse que ouviu a professora e a autuou em flagrante pelo delito de injúria racial, tendo guiado o caso à Justiça.
Em nota, a Secretaria Municipal de Instrução diz que afastou a professora de suas funções e instaurou sindicância para apurar o caso. “Os alunos e seus responsáveis foram acolhidos e receberam escora da equipe gestora da escola. A Secretaria reforça que qualquer forma de discriminação contra alunos é inadmissível, rigorosamente combatida e punida.” O expedido acrescenta que a professora está sujeita a ser demitida do serviço público ao término da apuração e destaca que a secretaria foi uma das primeiras no Brasil ao instituir a Gerência de Relações Étnico-Raciais, para “implementar políticas e práticas educativas que combatam o racismo e valorizem a história e a cultura afro-brasileira e indígena, formando alunos e professores comprometidos com a paridade racial”.
A resguardo de a Cristiani Sacerdote Valeriano alegou que professora não pode ser responsabilizada criminalmente pelos seus atos por que é “portadora de esquizofrenia e estava em surto psicótico quando proferiu os supostos xingamentos”. Ela não estaria em “pleno gozo de suas faculdades mentais”, o que teria afetado a “capacidade de compreender a ilicitude de suas ações”. Segundo a resguardo, Cristiani faz uso de medicamentos controlados, já apresentou outros surtos psicóticos e precisou ser internada compulsoriamente. No momento, a professora recebe tratamento médico para sua restauração”.
Racismo na escola
O caso reforçou, mais uma vez, a urgência de reflexão e de ação contra o racismo no envolvente escolar, afirma a educadora Laura Tolentino, doutoranda pela Universidade Federalista de Minas Gerais (UFMG) e perito nos temas do antirracismo e inclusão em sala de lição, que defende a responsabilização individual dos autores de agressões. Laura destaca, porém, que os casos de racismo expressam um problema coletivo e histórico da sociedade.
“No caso dessa professora, todos os níveis do sem razão, do inadmissível e da desumanização foram ultrapassados. Esse xingamento desqualificou a pertença da garoto enquanto sujeito preto. Alvos foram a cor da pele e o cabelo, que são símbolos da identidade negra. A agressão revela o quanto o racismo está no DNA da nossa sociedade, porque ela verbalizou um pensamento que é fluente na sociedade, de que os negros são seres inferiores, que têm traços não possuidores de venustidade”, diz a educadora.
Laura Tolentino alerta que práticas racistas em sala de lição têm impacto na formação intelectual e emocional de crianças e jovens. “Em razão do racismo, a população negra tem sido cometida desde a puerícia de problemas de autoestima, instabilidade, dificuldades de ingressar e de permanecer no espaço escolar e também de ter uma trajetória escolar exitosa.”
A educadora reforça o argumento com uma experiência pessoal que teve na puerícia. “Até os 9 anos, eu era magnífico em matemática. Em razão de uma atitude completamente equivocada da professora, eu simplesmente não consegui aprender mais. Hoje eu tenho 40 anos e fazer conta simples ainda é uma coisa muito difícil, por motivo desse ato racista na sala de lição. Precisamos pensar nos impactos do racismo na puerícia uma vez que um tanto que também castra talentos e fecha portas. É um tanto extremamente grave.”
A reportagem da Filial Brasil tentou entrar em contato com Gabrielly da Conceição Bazilio, a outra mãe que denunciou a professora por injúria racial, mas ainda não teve resposta.
Procurada para atualizar o estado de saúde de Cristiani Sacerdote, internada no Hospital Municipal Souza Aguiar, a Secretaria Municipal de Saúde disse não ter informações a saudação.