Miguel Falabella tomou uma decisão. “Uma Coisa Engraçada Aconteceu a Caminho do Fórum”, que estreia no Teatro Simples Mais, em São Paulo, será o último músico em que vai participar porquê ator. “Não tenho mais saúde para enfrentar a rotina de ensaios nem o grande esforço físico exigido em cada sessão do espetáculo”, diz o ator.
“Nesse exato momento, enfrento uma distensão na panturrilha direita sofrida há 20 dias em um experiência, que limitou meus movimentos. Estou driblando a dificuldade e, por enquanto, algumas coreografias eu acompanho sentado. Quero agora só trabalhar fora de cena.”
Aos 68 anos, Falabella afirma à Folha que a decisão já tinha sido tomada há alguns meses e foi consolidada pela lesão muscular. “Escolhi montar essa peça pois queria me despedir do palco ao lado de atores experientes, amigos da minha vida”, diz, listando os nomes de Edgar Bustamante, Ivan Parente, Giovanna Zotti, Carlos Capeletti e Mauricio Xavier, com quem dividiu a cena por pelos menos 20 anos.
“São muitos anos atuando em diversos gêneros artísticos. Sou da comédia porque acredito que o riso é a gasolina do espírito. E a comédia músico é minha verdadeira expedição. Mas não consigo mais atender nem as exigências mais banais, porquê pintar o cabelo porque não pode ser branco, é muito velho. Aí peço o caju e erram o tom, um horror.”
Uma vez que ator de musicais, a trajetória começou com “O Ósculo da Mulher Aranha”, em 2000, quando subiu ao palco ao lado de Claudia Raia e Tuca Andrada. Desde logo, participou de clássicos antigos (“Alô, Dolly!”), fez participação em modernos (“Wicked”) e até raspou a cabeça (“Annie”).
Agora, exibe as canelas em “Uma Coisa Engraçada Aconteceu a Caminho do Fórum”, comédia que estreou na Broadway em 1962, com libreto de Burt Shevelove e Larry Gelbart e música e letra de Stephen Sondheim, um dos maiores autores do cancioneiro americano.
Fundamentado nas comédias farsescas de Plauto, dramaturgo romano cujos trabalhos inspiraram renomados escritores porquê Shakespeare, Molière e Feydeau, o músico se passa na Roma antiga e celebra o que os homens menosprezam, mas que não podem negar a si mesmos —luxúria, ganância, vaidade, sofreguidão.
“Hoje, o notório seria colocar no cenário aquela tarja: ‘esse espetáculo reproduz costumes e atitudes que já não são mais aceitos’. Era uma sociedade que se divertia vendo pessoas sendo assassinadas, devoradas por leões. Era corriqueiro fazer o invitação: ‘vamos ao Coliseu ver algumas mortes?'”, diz Falabella.
Ele vive o servo Pseudolus que, na ânsia de se tornar um varão livre, ajuda seu jovem rabino Hero (Lucas Colombo) a fugir com sua querida Philia (Luci Salutes), uma cortesã ainda virgem. Ela foi vendida, mas ainda não entregue, ao capitão do tropa Miles Glorius (Frederico Reuter).
O enredo exibe elementos clássicos da farsa, incluindo trocadilhos, duplo sentido, portas batendo, casos de identidade trocada (frequentemente envolvendo personagens se disfarçando uns dos outros) e comentários satíricos sobre classe social. O título é inspirado em uma fala frequentemente usada por comediantes de vaudeville para iniciar uma história: “Uma coisa engraçada aconteceu no caminho para o teatro”.
O roteiro traz situações insólitas, porquê a procura de Pseudolus pelo suor de uma guincha para completar uma poção do paixão. Ou frases irreverentes, porquê a proferida por Senex (Ivan Parente), pai do jovem Hero que, desiludido com o conúbio, aconselha o público a “nunca se enamorar durante um eclipse totalidade”.
A ação acontece em uma rua romana em frente a três casas por onde entradas e saídas são feitas com cronometragem de frações de segundo. O cenário, projetado por Zezinho e Turíbio Santos, visualiza a Roma antiga porquê uma história em quadrinhos —tudo é levemente distorcido, assim porquê as intenções das pessoas que habitam o espaço.
Já a trilha sonora de Sondheim serve à comédia e fornece uma espécie de glosa sobre ela. É o caso de “Comedy Tonight”, considerado um dos grandes números de brecha de qualquer músico porque, em vez de apresentar os personagens ou colocar o enredo em movimento, procura somente manifestar ao público que tipo de show ele está prestes a ver. “Sondheim já revelava elementos sofisticados que marcariam sua curso ulterior”, diz Bárbara Guerra, coreógrafa que estreia porquê diretora de músico.
Seu repto foi transformar em um oração palatável aos dias atuais as diversas menções que hoje soam incorretas —porquê o marido recomendar à esposa que, no mercado, compre, entre outras coisas, uma escrava jovem e fértil. “O espetáculo é uma sátira social, que brinca com preconceitos. Em nossa montagem, mostramos as cortesãs mais porquê mulheres empoderadas que porquê objetos sexuais a termo de evitar os estereótipos sobre o corpo feminino”, diz.
“Não se muda a história, o que aconteceu em Roma pertence ao pretérito, que não se apaga. A genialidade foi fazer uma comédia dessa situação”, diz Falabella, cônscio de que o humor inteligente não é ofensivo. “Nossa versão é moderna. Rafa L é uma atriz trans e vive Vibrata, uma das garotas do Lycus, o cafetão que mora com Philia e as outras cortesãs. O elenco traz ainda dois meninos em papéis femininos. É bacana ter essa rouparia novidade. É uma pegada moderna.”
Para ele, é preciso ser capaz de rir das próprias fraquezas. Não de assuntos que machucam, mas de coisas que podem envergonhar e que continuam verdadeiras mesmo assim.
Ao mesmo tempo em que prepara sua despedida porquê ator de músico, Falabella agiliza outros projetos. Uma vez que a finalização de seu filme “Querido Mundo” e a participação, ao lado de Marisa Orth, do programa próprio que a Orbe vai exibir ao vivo em abril para comemorar os 60 anos da emissora.