Milton Nascimento Vai Lançar álbum Com Esperanza Spalding 02/08/2024

Milton Nascimento vai lançar álbum com Esperanza Spalding – 02/08/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em 1955, Milton Promanação tinha 13 anos, estava aprendendo a trovar e, para sua tristeza, chegando à puberdade.

“Quando eu comecei a ver que a minha voz estava engrossando, eu falei, ‘eu não quero trovar mais, não’”, lembrou Promanação, uma das figuras musicais mais importantes do Brasil, em entrevista na semana passada. “Porque os homens não têm coração”.

Ele disse que chorava quando um esquina suave e significativo entoou na rádio. Era Ray Charles, cantando “Stella by Starlight”. “Depois que eu ouvi isso, eu falei, agora dá para trovar’”.

Nas seis décadas seguintes, floresceu uma das grandes vozes da música, uma força etérea que percorria oitavas com emoção e pujança, deslizando perfeitamente entre um barítono aveludado e um falsete celestial.

A voz único de Promanação e sua subida às notas mais altas ajudaram a influenciar uma geração de artistas. Em entrevista, Paul Simon descreveu sua voz uma vez que uma “mágica sedosa”. Philip Bailey, cantor da Earth, Wind & Fire, comparou-a com “uma bela praia brasileira”. Sting disse que havia “verdade na venustidade” dela.

No Brasil, onde a voz de Promanação conduziu desde músicas introspectivas àquelas icônicas, a pátria cunhou uma metáfora ainda mais grandiosa: “a voz de Deus”.

Agora, essa voz mudou mais uma vez. Na próxima semana, Promanação lança o que ele diz provavelmente ser seu último álbum, “Milton + Esperanza”, uma colaboração terna, quase onírica, com a jazzista americana Esperanza Spalding, posteriormente 15 anos de amizade entre os dois. Spalding arranjou e produziu o álbum, tocando reles em todas as faixas, e a dupla canta junto em quase todas elas. Isso inclui um melancólico dueto em português entre Promanação e Simon —a primeira música que Promanação compôs e lançou posteriormente anos de hiato.

Não é nenhuma surpresa que, aos 81 anos, a voz de Promanação não seja mais a mesma de outrora. Está mais baixa, mais instável e, às vezes, requer mais esforço para conseguir as notas que antes até ultrapassava. No entanto, ela mantém um inegável aconchego. Ela está amadurecida, amaciada. E isso garante uma presença reconfortante em todo o álbum, uma vez que a de segurar a mão de um avô.

“Ele tem uma núcleo peculiar, e isso transparece na música”, disse Spalding, 39 anos, envolta por um xale em uma panificação do Rio de Janeiro em um dia de vento no inverno. “Mas é um pouco que ele irradia o tempo todo. Quando ele está assistindo a novelas, eu digo: ‘Ah, sim, foi você quem escreveu essa música’”.

“É misterioso”, acrescentou ela, “e é lindo”.

Ela tinha razão. Poucos dias depois, Promanação irradiava uma aura serena e inconfundível, sentado em seu sofá no Rio, de moletom e Crocs, em frente à televisão, de onde assiste a horas de romance todos os dias. Ele sorria levemente, elogiando todas as pessoas que mencionava e, por duas horas, passou de uma história a outra.

Ele contou de suas colaborações com os grandes nomes do jazz Wayne Shorter, Herbie Hancock e Pat Metheny; falou de seu primeiro encontro com Paul McCartney no ano pretérito (uma foto emoldurada do incidente foi pendurada a seu lado); colocou para tocar uma música que escreveu sobre sua mãe (“ela me ensinou o que é amar”); e descreveu vários encontros possivelmente extraterrestres (em um deles, ele viu o que acredita ser um OVNI entrar em um túnel do Rio).

A conversa seguiu seu fluxo de consciência. Sua voz era suave, suas respostas curtas e sua memória frequentemente falhava. À sua frente, havia um porta-comprimidos; detrás dele, cinco Grammys. Do lado de fora, operários construíam um novo recinto. Ele e seu fruto tinham feito de se mudar. Promanação não tem mais facilidade para caminhar, e seu endereço anterior tinha cinco lances de escada.

“Eu vejo as imagens dele antes da pandemia, e a sensação que dá é que se passaram 20 anos”, disse o fruto adotivo de Promanação, Augusto, 31 anos, que administra os negócios do pai. “Minha agonia não é a questão profissional de ver que é o último trabalho dele; minha agonia é saber que eu não sei mais quantos anos eu tenho com ele cá”.

Seu pai, no entanto, não queria falar sobre envelhecer. “Eu não penso muito nisso, não”, disse ele, encerrando o matéria. “Não, realmente, não penso”.

Promanação comentou certa vez que, a menos que um artista consiga encontrar um público, “você pode ser o maior gênio do planeta, mas vai finalizar cantando no chuveiro”. Por décadas, Promanação encontrou um público que o venerava, mas admitiu que, posteriormente a gravação deste álbum, parou de trovar, até mesmo no chuveiro.

‘Uma grande síntese da melhor música brasileira’

Nascido no Rio em 1942, Promanação ficou órfão aos 2 anos quando sua mãe, empregada doméstica, morreu de tuberculose. A filha do patrão de sua mãe o adotou, e eles se mudaram para Minas Gerais.

Promanação —espargido uma vez que “Bituca”, sobrenome que ganhou quando rapaz por “fazer ponta” ao ser obrigado— cresceu em uma moradia repleta de música. Sua mãe estudou música, e seu pai trabalhou em uma estação de rádio. Ele rapidamente aprendeu a tocar gaita, harmónica e violão.

Aos 20 anos, ele se tornava espargido nos círculos musicais e, quando cantou três músicas originais no Festival da Melodia de 1967, o público —e os outros competidores— ficaram impressionados.

“Era uma coisa místico. Eu me sinto da mesma forma até hoje, 57 anos depois”, disse o violonista Guinga, que também se apresentou na competição. “Ele ficou famoso da noite para o dia”.

Promanação rapidamente se tornou um dos maiores e mais influentes artistas do Brasil. Ele era prolífico e lançou mais de 50 álbuns, incluindo “Clube da Esquina”, um emotivo disco de 1972, gravado com um grupo de amigos músicos e considerado por críticos uma obra-prima.

Seu som era único, misturando vários gêneros brasileiros, além de jazz, música clássica, rock e folk, criando uma música que é, por vezes, tanto deleitável quanto inquietante. “Ele é uma grande síntese da melhor música brasileira”, disse o produtor músico e responsável Nelson Motta. “Foi um ídolo para os músicos mais sofisticados, para os músicos mais ambiciosos”.

Promanação colaborou com Elis Regina, Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque no Brasil, e com James Taylor, Cat Stevens e Duran Duran no exterior, entre muitos outros. Bailey disse em uma entrevista que ele e Maurice White —outro vocalista da Earth, Wind & Fire— viajaram ao Brasil na dez de 1970 para estudar sua música. White se encontrou com Promanação e “voltou delirando com a experiência”, disse Bailey. “No disco que gravamos na sequência, estávamos todos imersos na experiência Milton Promanação”.

Spalding ouviu Promanação pela primeira vez quando era estudante da Berklee College of Music e um camarada colocou o álbum “Native Dancer”, lançado por Wayne Shorter em 1974, que começa com o falsete de Promanação. “Uma vez que é verosímil que isso exista na Terreno e eu não sabia?”, ela se lembra de ter pensado. Hoje ela admite permanecer incrédula quando alguém diz não ter ouvido falar de Promanação. “É uma vez que se dissesse: ‘Você conhece Bach?’”, disse ela.

Spalding, que ganhou cinco Grammys, descreveu Promanação uma vez que uma de suas principais referências. “Mesmo tendo belas progressões e melodias inesperadas no samba e em muitas músicas brasileiras, as dele são diferentes; foram absorvidas até a medula pelos brasileiros, e tenho certeza que isso afetou sua consciência uma vez que povo”, disse ela. “E ele está lá, sabe, em sua moradia, relaxando, assistindo a novelas. Ele é marcante, mas não tenta ser”.

‘Uma vez que um rabi da pintura’

Em 2022, Promanação fez uma turnê de despedida pelos Estados Unidos, Europa e Brasil, cantando sentado com uma toga colorida enquanto a filarmónica tocava ao seu volta. Spalding se juntou a ele nos palcos de Novidade York e Boston.

Certa noite em um jantar, o fruto de Promanação sugeriu de forma espontânea: Spalding e Promanação deveriam fazer um álbum juntos. Mas teria que ser rápido, para aproveitar que, com a turnê, a voz de Promanação estava em forma.

Spalding, embora sobrecarregada de compromissos, disse imediatamente que sim. “É para isso que podemos cancelá-los”, disse ela. (Ela havia colaborado há pouco tempo em um projeto de outro herói pessoal seu: a ópera “Iphigenia”, de Shorter.)

Depois se preparar em sua moradia, em Portland, ela viajou para o Rio seis vezes no ano pretérito para as gravações. Ela logo percebeu que não seria um álbum “de estúdio”. Promanação se sentia mais confortável em moradia, principalmente na sala onde está sua televisão, entre as transmissões das novelas. Eles encostaram colchões nas paredes para melhorar o som.

“Ele estava assistindo à romance, daí simplesmente virava a cadeira e começava a gravar”, disse ela.

Isso não significa, no entanto, que ele estivesse pacato.

“A percepção sofisticada que ele tem é incrível”, disse Spalding. Ela se lembra de ter tocado a elaboração de nove minutos de Shorter que encerra o álbum e perguntar a Promanação o que ele achava. “Ele disse: ‘Toque do primórdio’”, disse ela. Em seguida, ele improvisou os vocais. “Ele entendeu a textura e a elaboração, sabendo exatamente onde encaixar seu som”, disse ela. “Uma vez que um rabi da pintura”.

Ela disse que, embora a idade de Promanação tenha restringido sua voz, isso acrescentou um pouco.

“Fisicamente, os corpos idosos não conseguem fazer as mesmas coisas que faziam há 30 ou 40 anos. Mas o siso músico e a consciência da elaboração, da estrutura, do som e do timbre parecem ainda mais sofisticados e refinados”, disse ela, “mesmo que eles não falem nem gesticulem tão rápido quanto se costumava”.

“Isso também foi muito animador. Tipo, ‘meu Deus, podemos continuar fazendo isso até os 80 anos?”, acrescentou. “Continuar refinando e condensando o que sabemos, o que ouvimos?”

Simon, um ano mais velho que Promanação e ainda compondo e gravando, disse que a idade afeta mais o esquina do que o toque de um instrumento. E lembrou que “Tony Bennett produziu coisas com quase 95 anos”. O paisagem mental é afetado de uma maneira dissemelhante. “O pensamento fica mais simples”, disse ele, “mas é mais lento”. (Simon disse que também está trabalhando em um novo projeto: “Enquanto esse impulso subsistir, eu o sigo”.)

“Milton + Esperanza” ressignifica faixas originais de Promanação; canta músicas de Shorter, dos Beatles e de Michael Jackson; e inclui músicas novas que Spalding disse ter escrito pensando em Promanação. O álbum apresenta Simon, Guinga, a cantora de jazz Dianne Reeves, os compositores Lianne La Havas, Maria Gadú e Tim Bernardes, além do saxofonista de jazz que se tornou flautista Shabaka Hutchings, entre outros.

O carinho entre Promanação e Spalding é palpável no álbum, com eles conversando e rindo nos intervalos. Em alguns momentos, a voz dela parece pegar a dele pela mão, guiando-o pelas melodias. O resultado é um álbum que parece um tributo ao varão que canta em todas as faixas.

No mês pretérito, Spalding voltou ao Rio para apresentar segmento do álbum à série Tiny Desk, da rádio pública americana NPR, da moradia de Promanação. Sua sala de estar foi transformada em cenário, com flores, tapetes estampados e vários discos de ouro e platina na parede. Spalding sentou-se supra dos outros músicos com seu contrabaixo, e Promanação estava à sua frente, com uma capelo e óculos escuros.

Na primeira filete, “Outubro”, a dupla canta em uníssono um verso que sobe gradualmente para notas mais altas. Na primeira tentativa, enquanto Spalding subia o tom, ela acenou para que Promanação a acompanhasse. Mas ele não conseguiu. Ele ergueu uma mão, desistindo.

Ela sorriu gentilmente e assentiu. A filarmónica começou outra vez.

Alguns minutos depois, quando o crescendo recomeçou, suas vozes se projetaram, e eles mantiveram a nota subida. Quando a melodia terminou, e os instrumentos assumiram, Spalding olhou Promanação e sorriu com orgulho, uma vez que se dissesse: “Eu sabia que você conseguiria”.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *