O filme “Minha Mana e Eu”, estrelado por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, estreou no final do ano pretérito e atingiu a marca de 2 milhões de espectadores nesta semana. Trata-se de um marco do cinema brasílico pós-pandemia e também uma referência na forma porquê nosso cinema pode incorporar a música sertaneja.
“Minha Mana e Eu” é um filme de comédia muito ao estilo cinema vernáculo de 20 anos pra cá, uma mistura de chanchada, piadas eróticas e comportamentais. Consegue, no entanto, se sobresair supra dos concorrentes pelas boas situações criadas e pela conhecimento da diretora, Susana Garcia, e das protagonistas, que garantiram a melhor audiência de um filme brasílico nos cinemas desde “Minha Mãe É uma Peça 3”, de 2019.
Tatá Werneck e Ingrid Guimarães interpretam duas irmãs goianas que não se dão muito. De personalidades distintas, as personagens conseguem fisgar o testemunha pelas suas diferenças de visão de mundo e pelas metamorfoses ao longo da fita. É um filme que não tem grandes ambições além de divertir, mas o faz com conhecimento.
O filme, inicialmente pensado por Ingrid Guimarães, que é goiana, se passa em grande secção em seu estado natal. Os sotaques, apesar de simulados com esforço, às vezes pecam no excesso. A teoria de mourejar com as raízes goianas era um libido macróbio da atriz, que conseguiu outro feito inédito: incorporar a música sertaneja de forma criativa e muito costurada à trama.
Em “Minha Mana e Eu” tocam vários sertanejos: de Chitãozinho & Xororó, com a inoxidável “Evidências”, a atual Ana Castela, com a moderna “Pipoco”. Porquê não poderia deixar de ser em um filme sobre a relação feminina, a rainha do feminejo, Marília Mendonça, entrou na trilha sonora com a cantiga “Leão”, sucesso póstumo da cantora. Mas o filme passa longe de qualquer oração identitário óbvio, fugindo da militância mais tola.
As canções sertanejas estão lá porque fazem secção da vida dos personagens e do meio retratado. Aparentemente seria óbvio que o cinema vernáculo usasse as músicas sertanejas dessa forma, mas não é o que acontece.
O cinema vernáculo definitivamente descobriu a música sertaneja. A cada ano aparecem mais filmes em que a música sertaneja é usada nas trilhas sonoras. Mas também aparecem cada vez mais os cacoetes de nossos cineastas, que tratam a música sertaneja sempre da mesma forma. Há dois tipos de produção cinematográfica que incorporam a música sertaneja do mesmo jeito: 1) os documentários e filmes sobre sertanejos; 2) os filmes que tematizam artistas sertanejos fictícios.
Do primeiro grupo faz secção o documentário sobre a família de Zezé Di Camargo “É o Paixão” (Netflix, 2021). Outro réplica é o documentário “Paixão Sertanejo” (Apple TV, 2020), que mostra a curso de Luan Santana, Michel Teló, Fernando & Sorocaba e outros artistas do meio. A série “Marília Mendonça: Todos os Cantos” (Globoplay, 2019) acompanha a popular cantora sertaneja enquanto apresenta os bastidores da turnê de seu quarto álbum ao vivo. Há também “Nascemos pra Trovar” (2010) e “José e Durval” (Globoplay, 2023), sobre Chitãozinho e Xororó, e “Victor e Leo: a história” (2010), sobre a dupla mineira que vem tentando retomar a curso oriente ano. Tudo regado a muita música sertaneja, simples.
No outro grupo estão filmes sobre artistas sertanejos fictícios. Fazem secção deste grupo o filme “Coração de Cowboy” (2018) e as séries “Rensga Hits” (Globoplay, 2022) e “Só Se For por Paixão” (Netflix, 2023). Neste tipo de série tematiza-se de forma ingênua o fazer artístico e os dilemas empresariais do gênero.
No fritar dos ovos acontece sempre o mesmo. Fica a sensação de que a única forma de se usar a música sertaneja em uma produção cinematográfica é tematizando artistas do meio. E é aí que “Minha Mana e Eu” garante sua originalidade.
No longa de Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, a música está ligada à história das personagens, que não são cantoras em procura de sucesso ou empresárias do meio, porquê insistentemente vem abordando o cinema vernáculo. Ao não buscar a centralidade da música sertaneja através de personagens cantores, “Minha Mana e Eu” conseguiu dar honra ao gênero músico, tratando-o com saudação e mostrando-o porquê secção da vida cotidiana de brasileiros comuns.
A música sertaneja é, além de um resultado midiático, secção constitutiva da verdade de milhões de brasileiros e embala a vida de indivíduos comuns, ajudando-os a descrever para eles mesmos sua própria história. “Minha Mana e Eu”, talvez até involuntariamente, posiciona a música sertaneja em outro patamar na cinematografia vernáculo.
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