“minha Literatura Convoca Todo Mundo”, Afirma Conceição Evaristo

“Minha literatura convoca todo mundo”, afirma Conceição Evaristo

Brasil

Conceição Evaristo se emociona escrevendo. Chora, precisa levantar e retomar o fôlego ao término de uma cena particularmente dolorosa. Edifica os personagens uma vez que quem cria filhos. Também se lentidão em um texto. Às vezes mais de dez. É que toda vocábulo que sai de suas mãos tem que ser muito trabalhada. O texto flui, mas flui de maneira cuidadosa.

“Eu acho que esse isso também faz segmento do prazer da geração. Para mim, é prazeroso, é muito bom quando você acaba de ortografar um texto e sente que aquele texto é um texto feliz. Mesmo quando estamos falando de coisas duras”, afirma a escritora.

Conceição é um dos nomes mais queridos da segunda edição do Festival Literário Internacional de Paracatu. Ano pretérito foi a homenageada, junto com o repórter moçambicano Mia Couto. Nesta conversa, ela falou com a Escritório Brasil sobre seu processo criativo, preço do livro no Brasil, os autores que têm lido e as modas que ainda pretende inventar.

Rio de Janeiro (RJ), 28/07/2024 - A escritora, Conceição Evaristo, participa da 10ª Marcha das Mulheres Negras do RJ.  Mulheres negras marcham contra o racismo e pelo bem viver, na praia de  Copacabana, zona sul da cidade. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 28/07/2024 - A escritora, Conceição Evaristo, participa da 10ª Marcha das Mulheres Negras do RJ.  Mulheres negras marcham contra o racismo e pelo bem viver, na praia de  Copacabana, zona sul da cidade. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

 escritora, Conceição Evaristo, Foto: Tânia Rêgo/Escritório Brasil

Escritório Brasil: Porquê é a emoção de estar em uma feira? 
Conceição Evaristo: Pra mim, desmistifica essa fala, que é muito geral, que o brasílico não gosta de ler, que as pessoas não leem. Eu fico sempre pensando que não é oferecido às pessoas a oportunidade da leitura. Quem tem a oportunidade da leitura, de ir se formando uma vez que leitor, gosta de ler, sim. Falta incitação. E tem uma questão que eu acho mais séria ainda: livro no Brasil é custoso. Por exemplo, levante livro cá está a R$49. Eu comprei agora para de presente para moço. Um texto ilustrado, cromatizado, sai custoso. Logo, talvez se tivesse mais ou se tivesse políticas de publicação, políticas voltadas para a publicação. Eu acho que, talvez o que impede a leitura no Brasil, é que livro sempre foi muito custoso.

Escritório Brasil: Na mesa com Itamar Vieira Júnior, a senhora falou sobre afeto e que as mulheres negras têm falado muito sobre afeto. Porquê o afeto aparece na sua literatura?
Conceição Evaristo: Ontem quando o Itamar tava dizendo da construção das personagens dele, que as personagens acabam ecoando alguma experiência que ele tem, eu também acho que as minhas personagens acabam ecoando alguma experiência. Isso não significa que cada personagem sou eu, mas, na construção de determinadas personagens minhas, é uma vez que se eu tivesse, realmente, construindo ou edificado fruto. Tem um texto meu que eu primícias falando de parentes, para expor que cada personagem é um parente. E aí, quando você se cumplicia com o personagem vem do afeto. Quando eu tava escrevendo Ponciá Vicêncio, tem uma cena, depois do marido ter espancado ela diversas vezes, já tá naquela tempo de compreensão dela. Logo, ele vem com uma canequinha de moca e oferece moca para ela. Quando ele chega perto, ela se recua e abaixa o corpo esperando as pancadas. E ele portanto chega com a canequinha debaixo do nariz dela, quando ela sempre cheira, que ela percebe que é um ato de afeto que ele tá levando para ela. Eu escrevi aquela cena chorando. Várias vezes tive de levantar para tomar fôlego.

Escritório Brasil: Conceição nunca foi vítima de violência doméstica e acredita que os homens podem mudar.
Conceição Evaristo: Nesse romance, Ponciá Vicêncio, há um momento que o marido de Ponciá se transforma. Há um momento em que ele olha para essa mulher que ele batia, porque não tinha paciência nenhuma com ela, porque ela ficava vários momentos fora de si, e ele percebe a solidão dessa mulher. Aí ele percebe a própria solidão. Ele muda. Logo, eu acredito que possa ter uma mudança, sim. Pode vir com a própria consciência, o sujeito se desvendar. Porquê também eu acho que pode vir até de uma punição mesmo. Talvez esses homens que cometem violência contra mulher se eles recebessem uma punição, mas uma punição não é também… um processo educativo, de conscientização, talvez eles possam perceber.  Em um outro lugar, a gente não tá falando de mesma coisa, mas eu acredito que haja pessoas brancas que um dia vão perceber quão racistas elas são e podem ter esse processo de esforço, de aprendizagem, de compreensão e mudar. E ser, inclusive nossos aliados na luta contra o racismo, né? Eu acho que esse processo também pode intercorrer com o varão.

Escritório Brasil: Sobre as mudanças do mundo, Conceição acredita que há um esgotamento, um cansaço. E que não há espaço para brutalidade e guerras.
Conceição Evaristo: Eu acho que é um cansaço na humanidade. Há um esgotamento das pessoas. Por exemplo, a Europa perdeu o rumo. Hoje não é mais novidade. Hoje não, há muito tempo a Europa não é mais novidade hoje não, tá? Talvez por isso eles se voltem com tanto a ênfase ou se voltou com tanta ênfase com as populações tradicionais, com as populações africanas, as populações indígenas. E, individualmente, até mesmo em termos de grupos sociais, eu acho que há um esgotamento. Eu acho que isso também é muito por força do capitalismo. O que que as pessoas querem? O que as pessoas procuram? Em que nós depositamos a nossa vida? Outro dia me impressionou muito. Eu passei perto de dois jovens e eles estavam discutindo aposentadoria. Aí um dizia que vai se reformar com 65 anos. Ora, com 65 anos, se você não tiver é uma vida saudável, você vai estar muito doente. E aí você não tem mais nem uma vez que aproveitar a vida, né? Ao mesmo tempo que se olha muito para o horizonte, também tem uma ânsia muito grande nesse presente, né?

Escritório Brasil: A senhora já falou em outros lugares, que a literatura negra não é unicamente para lazer, mas também para incomodar, fazer pensar. A senhora acredita que a literatura ainda é levante lugar?
Conceição Evaristo: Acredito. E acho que cá cabe uma outra questão. Há uma tendência em expor que a arte é universal, né? Logo a literatura ela é universal, ela não guardaria determinadas especificidades, né? E quando essa literatura guarda agora determinadas especificidades ela é chamada de literatura militante, literatura panfletária. Mas o que que eu percebo? Tem várias obras da literatura brasileira, obras belíssimas que eu sabor imensamente, mas ela me incomoda, na medida que o sujeito preto não cabe ali naquela obra. E quando ele aparece, aparece estereotipado. Logo, ela é uma literatura é que eu sabor muito, mas que ela não me convoca. Pelo contrário, ela me expulsa, nesse processo de ficcionalização.

Ora, quando eu escrevo livro e, uma vez que eu sempre digo, toda a minha literatura é contaminada pela minha experiência de mulher negra na sociedade brasileira. Logo, quando eu escrevo um livro e esse livro convoca mulheres, homens, pretos, brancos, brasileiros, estrangeiros, e tem um público leitor fora do contexto pátrio, portanto, a gente faz uma literatura Universal. A partir de minha experiência uma vez que mulher negra, a partir da minha subjetividade, eu consigo gerar um texto que convoca todo mundo. Logo, esta sim, sem simplicidade nenhuma, esta sim, é literatura universal.

Escritório Brasil: O que a senhora tem lido ultimamente?
Conceição Evaristo: Eu tenho livro esses escritores de países africanos de língua portuguesa; tenho lido as obras de Carolina Maria de Jesus, para além do Quarto de Detrito. Paulina Chiziane, que é justamente essa escritora de Moçambique, né? Acabei de reler Eu , Tituba: feitiçeira negra de Salem, de Maryse Condé. Eu releio livros porque às vezes e minha primeira leitura é para trabalho. Logo, eu sabor de fazer uma leitura despretensiosa, que é mais gostosa.

Escritório Brasil: Conceição diz que está sem tempo para ler e que tem escritos parados há mais de dez anos. Agora, ela prepara um livro com poesias eróticas. E fala do zelo com esse texto.
Conceição Evaristo: É uma coletânea de poemas, que já deve nascer uma vez que uma tradução para o inglês. Devo fazer esse livro com muito zelo, com muito zelo. Por que? Porque eu sabor muito dessa linguagem que insinua, dessa linguagem que a pessoa que lê depois tem que ter um tempo de maturação: será que foi isso mesmo que eu li? Paladar muito disso. E também porque falar de sexo, falar de sexualidade, ou falar de paixão, de gozo, nessa relação passional, é muito difícil. E também para as mulheres negras talvez seja mais difícil ainda, né? Por motivo dessa objetificação do corpo preto. Tanto do corpo do varão, uma vez que do corpo da mulher. As pessoas negras são vistas uma vez que com potencial sexual. Eu não posso fazer um livro de poemas eróticos e trabalhar em cima dos mesmos estereótipos do corpo preto, né?

Escritório Brasil: Conceição está lendo Carolina Maria de Jesus para além do Quarto de detrito, obra pela qual a autora é mais conhecida. E fala sobre os olhares para as mulheres negras.
Conceição Evaristo: Hoje mesmo eu tava pensando, né? O olhar sobre nós, mulheres negras, é um olhar muito, muito cruel. Carolina Maria de Jesus tinha um comportamento que era, muitas vezes, considerada uma vez que louca, sem instrução, ainda mais que ela vinha de uma favela. Carolina é uma pessoa muito intensa. Tão intensa quanto Clarice Lispector. As pessoas se referem à intensidade de Clarice Lispector de uma outra forma, né? Tem uma tendência de compreensão com as atitudes de Clarice, com o modo de Clarice ser.

Eu nunca vi alguém falando que Clarice era sem instrução, que era louca. Carolina era pessoa extremamente também angustiada. Ela enfrentava esse processo de solidão que o ser humano enfrenta, com mais ou menos intensidade. Carolina era assim. Aurora, a mulher que tomava banho no rio (personagem do livro Cantiga para ninar menino grande), simboliza um libido e uma realização de liberdade que todos nós temos. Logo, esse é o manobra, de pegar a personagem naquilo que tem escondido na personagem e na gente e que as pessoas não veem nas pessoas negras. Todo mundo lê Carolina pensando que ela tá falando só da rafa física. A angústia de Carolina ultrapassava o vestuário dela não ter numerário para comprar o pão pros filhos.

*A repórter viajou a invitação da organização da Fliparacatu

Fonte EBC

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