Tomar uma ração de caipirinha antes de consumir uma feijoada ao som de Cidade Negra é uma combinação quase irrecusável para a ex-jogadora de vôlei cubana Mireya Luis, 56.
Ela também aprecia e se identifica com o povo brasiliano. “Somos todos latinos, com um sentimento muito profundo pelo próximo, somos assim em Cuba também, temos isso em geral”, diz ela à Folha.
Seu carinho e saudação pelo Brasil, no entanto, despertam sentimentos contraditórios por cá. “É quase uma relação de paixão e ódio”, brinca a ex-atleta.
No auge de sua curso, ela foi uma das maiores algozes da seleção brasileira feminina de vôlei apesar de ter somente 1,75 cm, uma estatura considerada baixa para os padrões da modalidade. Uma particularidade que ela compensava com a impulsão de seu salto, com o qual alcançava até 3,36 m.
Se não fosse pela pequena voadora, o tão sonhado ouro olímpico poderia ter saído muito antes dos Jogos de Pequim, em 2008. Provavelmente, das mãos de Ana Moser, Fernanda Venturini, Marcia Fu e Fofão, que fizeram secção de uma das mais talentosas gerações de atletas brasileiras da modalidade.
O seleto grupo acabou impedido de chegar a duas finais olímpicas, nos Jogos de Atlanta (1996) e Sydney (2000). Em ambas, acabou eliminado por Cuba nas semifinais, em confrontos até hoje relembrados pelas atuações memoráveis de Mireya, além da tensão nas quadras.
O incidente mais marcante da rivalidade aconteceu na Olimpíada em solo norte-americano, quando a partida terminou com uma desavença generalizada. A confusão começou na saída da quadra, posteriormente um desentendimento entre as jogadoras, e continuou nos acessos aos vestiários.
O caso foi levado até a polícia, onde as brasileiras admitiram que foi Marcia Fu quem desferiu o primeiro golpe, mas que logo depois houve um empurra-empurra e uma série de tapas e chutes de todos os lados, conforme relatou reportagem da Folha na era.
Apesar do conflito, Mireya garante que havia um saudação reciprocamente entre as equipes. “Em quadra, a rivalidade existia. Mas também tinha um saudação muito grande. Na era, nós até éramos danadinhas. Se não fosse os ‘leões’ nos vigiando o tempo todo, poderíamos ter tomado umas cervejas em qualquer lugar.”
Mais do que “danadas”, as cubanas eram talentosas. Tanto que suas vitórias extrapolaram o universo do esporte e viraram referência de sucesso na sociedade cubana. Chamadas de “Morenas do Caribe”, Mireya e suas companheiras de equipe simbolizavam a força das mulheres do país.
A imagem foi construída com três medalhas de ouro em Olimpíadas: Barcelona (1992), Atlanta (1996) e Sydney (2000). As conquistas também foram intercaladas por títulos mundiais, conquistados em 1994 e 1998.
O histórico poderia ter sido ainda mais impressionante se Cuba não tivesse ficado fora das Olimpíadas de Los Angeles (1984) e Seul (1988) por razões políticas.
“Eu senti muito não poder ter ido aos Jogos Olímpicos”, reconhece Mireya. “Mas talvez minha juventude, minha vontade de jogar e minha força psicológica tenham me oferecido uma fortaleza para não desmoronar.”
Hoje, olhando para o pretérito, ela garante que não lhe fez falta. “Ganhei três ouros, o que mais eu posso querer?”
O tom de resignação também é uma forma de evitar uma sátira direta a Fidel Castro, que orquestrou os boicotes aos Jogos de Los Angeles e Seul.
Mireya fala com saudade quando se refere ao ditador cubano. “Eu tinha uma relação quase pessoal com ele. As pessoas me distinguiam por essa relação, por essa amizade que tínhamos. Ele gostava muito de esportes e valorizava nossas vitórias”, lembra.
“Mesmo quando a gente perdia um campeonato, ele nos recebia no palácio de braços abertos e dizia que sempre faria isso, ganhando ou perdendo”, conta. “Isso nos estimulava tanto porque era um compromisso que não era político, mas ao mesmo tempo era quase político.”
De política, aliás, ela diz não gostar até hoje. Atualmente, faz secção do COI (Comitê Olímpico Internacional) e trabalha no desenvolvimento do vôlei de praia em Cuba.
Desde o último dia 6, a cubana está no Brasil. Convidada pelo Sesc para fazer secção da programação de verão da entidade, ela tem participado de clínicas de voleibol e bate-papo com o público que frequenta as unidades da instituição.
As atividades contam, ainda, com a presença de antigas rivais, porquê Ana Moser, Fofão, Karin Rodrigues e Virna Rodrigues (veja a programação inferior).
“Eu sinto uma satisfação imensa de vir cá já que o Brasil é um país muito importante e que nutriz muito o vôlei”, diz Mireya.
A cubana só lamenta a imagem que uma secção dos brasileiros faz de seu país, principalmente por pessoas de orientação política à direita. Ela não conhecia, mas achou estranha a frase “vai para Cuba”, que se tornou geral em discussões políticas por cá, com uma conotação negativa.
Filha de um imigrante haitiano com uma cubana, Mireya gosta de expressar seu patriotismo a despeito de Cuba viver sob uma ditadura em que a liberdade de frase é cerceada, além das consequências da crise financeira que assola o país desde a subida do regime castrista, em 1959.
Ela mesma precisou mourejar com isso ao longo de sua curso quando recebeu o invitação para jogar no Brasil, mas foi impedida de deixar seu país.
“Na era, não lembro exatamente o ano, nem o clube, mas Cuba não estava ocasião para que os jogadores fossem jogar em outros países”, diz ela. “Mas minha paixão sempre foi jogar na equipe vernáculo cubana, ou seja, zero mais”, acrescenta.
Outrossim, ela também gosta de reportar uma frase que, segundo a ex-atleta, é bastante geral em seu país: “conheçam Cuba primeiro, vivam Cuba primeiro, depois o estrangeiro.”
Por isso ela fez um invitação aos brasileiros: “Que venham e conheçam Cuba.”
Programação do volta de voleibol do Sesc com Mireya Luis
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Dia 17/1 (quarta), das 19h30 às 21h30 – Mireya e Virna – Sesc São Carlos
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Dia 18/1 (quinta), das 19h às 21h – Mireya e Virna Rodrigues – Sesc Piracicaba
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Dia 20/1 (sábado), das 16h às 18h30 – Mireya e Spence Lee – Sesc Taubaté
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Dia 21/1 (domingo), das 15h30 às 18h – Mireya e Virna Rodrigues – Sesc São José dos Campos