Gregory Maqoma balança uma corda no ar. O som do vento invade o silêncio do palco escuro. O gesto do bailarino e coreógrafo sul-africano anuncia a liberdade e mostra que nenhuma mordaça pode reprimir a frase do povo preto.
Pouco a pouco, Maqoma se vê rodeado por quatro conterrâneos seus, os artistas Luvo Rasemeni, Tshegofatso Khunwane, Xolisile Bongwana e Nokuthula Magubane. Eles cantam e dançam, todos vestidos com estampas coloridas, que remetem às tradições pictóricas de África.
Criado por Maqoma há seis anos, “Broken Chord” —ou Acorde Rompido em português— abre a nona Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp, nesta quinta-feira, dia 29, em uma sessão para convidados. É a volta de um dos mais importantes festivais dedicados às artes cênicas no país. Em 2023, a MITsp não aconteceu por falta de verba.
Outras duas apresentações do espetáculo estão incluídas na programação, que vai ocupar diferentes espaços da capital paulista nos dez primeiros dias de março. Ao todo, serão 19 produções apresentadas, nove estrangeiras e dez brasileiras. A escolha de “Broken Chord” para a noite de brecha não é por possibilidade. A MITsp sempre se interessou pelo pensamento contemporâneo, que se distingue pelo hibridismo das linguagens artísticas.
É uma maneira de questionar o que chamamos de teatro hoje, em sua linguagem mais tradicional. Em “Broken Chord”, o corpo do artista, nascente primária da geração, não está unicamente a serviço da coreografia. Do corpo surgem as falas, muito ao modo do teatro, e os cantos tradicionais, criados por Thuthuka Sibisi, que são toda a música da obra.
Em turnê mundial, Maqoma elegeu “Broken Chord” para fechar a sua curso uma vez que bailarino. “Meus trabalhos me exigem muito fisicamente. Sinto que já não consigo depreender meu vértice uma vez que antes”, diz ele, numa entrevista por videoconferência.
Maqoma é um artista publicado. Em 1999, ele fundou a Vuyani Dance Theatre, sendo lembrado por suas trilogias, entre elas “Rhythm Trilogy” e “Beauty Trilogy”. Em 2010, ele se tornou uma notoriedade por guiar a cerimônia de brecha da Despensa do Mundo.
A primeira partida ocorreu em Soweto, sua cidade natal. “A Despensa só fez uma maquiagem para a frente do meu país”, ele afirma. “Os problemas históricos persistem, sobretudo para as pessoas que vivem nas áreas rurais.” A desigualdade racial, lesão oportunidade na sociedade sul-africana, é o principal tema da obra.
Entre 1948 e 1994, o país viveu o regime político do apartheid, com uma legislação que segregava brancos e negros. Na coreografia, o racismo se materializa num embate cênico entre dois grupos —os cinco artistas sul-africanos e um coro, formado por artistas locais brancos. Maqoma valoriza a cultura negra, batendo os pés repetidas vezes contra o solo. Ele conta que o gesto desperta os seus ancestrais, familiares mortos ou espíritos nunca conhecidos.
“Vivemos o legado do apartheid, mas atualmente também experimentamos a vexação de líderes políticos negros”, diz Maqoma. Em 2023, Cyril Ramaphosa, atual presidente da África do Sul, foi culpado de esconder em sua lar US$ 580 milénio, muro de R$ 2,9 milhões. Posteriormente um ano de interrogatório judicial, Ramaphosa acabou absolvido.
Diretor artístico da MITsp, Antonio Araújo afirma que a curadoria se norteou pela teoria decolonial, iluminando a produção de países anteriormente pouco representados nos festivais de artes cênicas.
O continente africano tem o maior número de peças. Entre elas, estão “O Círculo Preto da República Bantu”, de Albert Ibokwe Khoza, também da África do Sul, e “Profético (Nós Já Nascemos)”, de Nadia Beugré, da Costa do Marfim.
A escolha das peças é, desse modo, uma mediação do debate político do mundo, agora assolado por regimes autoritários e suas guerras. A peça “Narrado pela Minha Mãe”, do libanês Ali Charour, tematiza os conflitos no Oriente Médio. Na trama, uma mãe se nega a concordar a morte do rebento e cria uma série de poemas e canções para ele ouvir quando voltar da guerra.
Neste ano, o teatro prateado também foi contemplado na programação. “É uma tragédia o que está acontecendo. A nossa resposta é na forma de um pedestal aos artistas argentinos”, afirma Araújo ao mencionar o ultraliberal Javier Milei, que venceu as eleições presidenciais.
São duas as peças do país sul-americano selecionadas para a MITsp: “Perros — Diálogos Caninos”, com a atriz Monina Bonelli”, e “Wayqeycuna [Meus Irmãos]”, de Tiziano Ferro, que promove um reencontro com suas origens, tendo uma vez que símbolo os quipus, colares feitos de algodão, produzidos pelas mulheres andinas.
Ferro investiga uma vez que os povos originários sobrevivem no sistema numulário. Em paralelo, Araújo conseguiu trazer, depois três anos de negociação, o sul-coreano Jaha Koo para a mostra. Ele é o artista em foco da edição, apresentando uma trilogia formada pelas peças “Lolling and Rolling”, “Cuckoo” e “A História do Teatro Ocidental Coreano”.
Em sua obra, Koo critica a excessiva presença da cultura do Oeste na Coreia do Sul, que tanto fascina pela sua exuberância cultural, no cinema, na cena K-pop, na culinária e agora no teatro.
Por término, a MITbr, eixo da programação dedicada a peças brasileiras, elege a cearense Wilemara Barros uma vez que artista em foco. Aos 60 anos, ele repassa, no solo “Preta Rainha”, as memórias de sua puerícia.
Na MITbr também se destacam a estreia do novo trabalho do diretor Felipe Hirsch, “Agora Era Tudo Tão Velho — Fantasmagoria IV”, e “Deeper”, uma instalação concebida pela atriz Janaina Leite, que explora o uso da verdade virtual no teatro.
“A nossa proposta é tirar o próprio teatro do núcleo, abordando novas perspectivas para essa arte”, diz Araújo. “São Paulo é hoje uma das capitais do teatro no mundo.”