Termo “voga modesta” passou a ser buscado com frequência a partir de 2018 e desde logo o interesse no tema só cresceu. Roupa de Melania na posse de Trump virou ponto nesta semana
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Quem procura “voga modesta” em qualquer rede social — Instagram, Tik Tok, Facebook, Pinterest — encontra uma infinidade de influenciadoras de voga com um estilo marcado por vestidos e saias de comprimento midi (aquém dos joelhos), cores discretas, pouco decote, pouca pele exposta — mas tudo muito tradicionalmente feminino.
A tendência em universal está ligada a uma forma de se vestir mais discreta para mulheres regulada pela religião, explica a consultora de voga Thais Farage. No Brasil, são influenciadoras evangélicas, mas nos EUA e na Europa também há mulheres muçulmanas ou judias ortodoxas alavancando o estilo.
E a tendência não é novidade: o termo “voga modesta” passou a ser buscado com frequência a partir de 2018, segundo o Google Trends, e desde logo o interesse no tema só cresceu.
Mas nos últimos tempos há um novo fenômeno em curso: essa estética tem pretérito para outros ambientes que não são necessariamente ligados à religião.
O estilo aparece no mundo fashion, com cada vez mais grifes abraçando a estética em campanhas publicitárias e cada vez mais marcas de fast fashion disponibilizando roupas que agradam às adeptas da “voga modesta”.
A forma de se vestir de Melania Trump na posse de Donald Trump uma vez que presidente dos EUA, na segunda (20), é uma ótima representação do estilo.
“Tradicional, comportada, mas com cintura marcada, muito feminina. Repare que ela não usou calça, estava com as pernas de fora mesmo no insensível de -13º em Washington”, diz a consultora.
Melania não é conhecida por ser mormente religiosa, mas, uma vez que primeira-dama de Trump, está em uma posição perfeita para simbolizar essa estética.
“Até agora, Kate Middleton era o exemplo perfeito do estilo no mundo. Mas Melania Trump também pode se tornar um símbolo disso”, afirma Thais Farage.
Revérbero do conservadorismo
A ‘modest fashion week’ apresentou modelos dessa estética em Istambul, em 2024
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O sucesso da “voga modesta” está intimamente ligado ao conservadorismo que tem marcado a política no Brasil e o mundo — e do qual Trump é um dos principais expoentes.
“O mundo da voga gosta de crer que dita as tendências, mas, na verdade é o contrário. A voga está sendo afetada por esse comportamento que está mudando, que está se voltando para o conservadorismo”, afirma Farage. “A voga é segmento da cultura, ela é um revérbero do que está acontecendo na sociedade.”
Um exemplo é que o estilo de se vestir das chamadas tradwives, “esposas tradicionais”, que defendem que o papel da mulher é cuidar do marido, da morada e dos filhos, também se encaixa na “voga modesta”.
No Brasil, o estilo reflete uma mudança no próprio meio evangélico. “Se antes as igrejas viam o mundo da voga uma vez que uma tentação, uma vez que um pouco negativo e perigoso, agora elas perceberam que esse lugar da influenciadora de voga é muito poderoso”, afirma Farage.
“A ‘voga modesta’ não é ‘anti-fashion’”, explica a consultora. “Ela não é contra o consumo, contra tendências, ela não está desconectada do resto do que está acontecendo no mundo. O estereótipo de roupas religiosas uma vez que feias, cafonas, sem perdão, há muito tempo está ultrapassado.”
O estilo – e os valores que estão ligados a ele – também afetam outras tendências de voga que as pessoas não costumam associar a religião.
“Estamos falando de uma cultura que valoriza muito o tradicional, que fala muito sobre elegância, há uma preocupação, mormente no Brasil, com parecer elegante”, diz Farage. “Hashtags que não são ligadas a religião, uma vez que clean beauty, old money, clássico, minimalismo, também tem muito a ver com esse estilo.”
“É um estilo no qual tudo o que é sexy não é elegante. Também rejeita tudo o que é muito matizado, muito chamativo. O sofisticado é o modesto”, afirma a consultora.
“Isso não é necessariamente ruim — por um lado é uma repudiação à teoria de mulher uma vez que objeto sexual. O transe é que, ao opor o sensual ao elegante, é muito fácil desabar em um moralismo.”
No campo progressista, também há quem adote um estilo que rejeita a sexualização da mulher. Um exemplo é a cantora Billie Eilish, que no início da curso se vestia somente com roupas largas, confortáveis, com camisetas compridas que não marcavam o corpo.
“A diferença é que, na ‘voga modesta’, não pode possuir uma neutralidade de gênero ou uso de roupas consideradas masculinas. Tudo tem que ser muito feminino”, afirma Thais Farage.
‘Mulher modesta não sente calor’
Kate Middleton é considerada um símbolo da ‘voga modesta’
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Mas uma vez que um estilo que preza por não mostrar o corpo funciona em um país quente uma vez que o Brasil?
“Existe uma frase que vi muito entre influenciadoras de voga modesta que é ‘se piriguete não sente insensível, a mulher modesta não sente calor'”, diz Farage.
Ou seja, diz a consultora, não é um estilo onde o conforto ou o bem-estar são a prioridade. “Estamos falando de uma voga que, se não é regulada pela religião, é regulada pelos valores conservadores. O conforto não é prioritário.”
Mostrar a pele não é o único hábito cultural brasílio que não parece se encaixar na estética da “voga modesta”.
Maximalismo, estampas chamativas ou muito coloridas, unhas cumpridas também não fazem segmento do estilo.
“É um estilo muito marcado pelas influências europeias. De certa forma, é uma repudiação do tropical, do que se considera — aí com muitas aspas — uma ‘selvageria sensual latina’.”
Adaptada ou não aos trópicos, a ‘voga modesta’ está cada vez mais presente e influente no Brasil. “Não é uma voga passageira”, diz Farage. “É revérbero de uma mudança cultural, e mudanças culturais não acontecem de uma hora para a outra.”
Fonte G1
