Modo Não Indígena De Pensar Futuro é Alienante, Diz Daniel

Modo não indígena de pensar futuro é alienante, diz Daniel Munduruku

Brasil

Daniel Munduruku não se ilude. Seja percorrendo o mundo para falar sobre literatura e propalar os mais de 60 livros que escreveu, seja atuando em uma romance da emissora de maior audiência do país, está consciente de que o livre chegada a espaços até há pouco inacessíveis para indígenas uma vez que ele pode ser usado contra a luta secular de seus parentes.

“O vestuário de estarmos na literatura, na ateneu, na política, em vários lugares, pode gerar a autoilusão de acharmos que estamos fazendo uma grande coisa quando, na verdade, só estamos ajudando a, de certa forma, cevar o sistema econômico que rejeitamos”, pondera Daniel.

Convidado a imaginar o porvir dos povos originários para uma série de entrevistas com intelectuais, lideranças e ativistas indígenas que a Filial Brasil publica esta semana, por ocasião do Dia dos Povos Indígenas, na sexta-feira (19), Daniel critica a fixação da sociedade não indígena com o porvir.

“Esse olhar para o porvir aliena as pessoas para a urgência mais imediata de construirmos nossa existência no presente. É uma visão que educa as pessoas para o egoísmo”, argumenta, afirmando que, tradicionalmente, os povos indígenas concebem o tempo de forma dissemelhante, com foco no pretérito e no presente, onde buscam respostas para seguir resistindo à ruína de seus territórios e de seus modos de ser.

“O tempo é rodear, uma vez que a natureza. Ele alimenta a si mesmo, desdobrando-se e se projetando adiante. A história se repete. Neste momento, está se reproduzindo de forma muito dura, muito cruel, e não só para os povos indígenas”, acrescenta.

Nascido em Belém (PA), em 1964, Daniel é formado em Filosofia e doutor em Ensino, pela Universidade de São Paulo (USP). É considerado um dos grandes divulgadores da cultura indígena. A maior secção de sua extensa obra é destinada a crianças e adolescentes. Em 2017, ganhou um Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do país, na categoria Juvenil, por seu livro Vozes Ancestrais – em 2004, já tinha recebido menção honrosa na mesma premiação, por Coisas de Índio – Versão Infantil. “Minha literatura é uma espécie de pranto para sensibilizar adultos”.

Leia, a seguir, trechos da entrevista que Daniel Munduruku concedeu um dia em seguida retornar de viagem à Itália.

Filial Brasil: Em suas palestras, entrevistas e livros, o senhor destaca o vestuário de que os munduruku e outras etnias indígenas concebem o tempo de outra maneira, pensando o porvir de forma diversa daquela com a qual o pensamento ocidental não indígena está habituado. O senhor pode comentar um pouco mais sobre isso?
Daniel Munduruku: Acho que posso generalizar sem temor de ser injusto. Em universal, os povos indígenas têm uma concepção de que o tempo é rodear, uma vez que os ciclos da natureza. Eles não veem o tempo uma vez que um tanto linear, mas sim uma vez que um tanto que alimenta a si mesmo, desdobrando-se e se projetando adiante. O pretérito diz saudação a quem somos, de onde viemos, e o presente é onde vivenciamos o resultado disso tudo. Com isto, esses povos construíram uma visão de mundo que, originalmente, não é baseada no tempo do relógio, da produção, do acúmulo de riquezas materiais. Essa é a visão resultante da concepção linear de tempo, que tem a ver com a certeza de que existe um tanto além do presente, ou seja, o porvir. Por essa ótica linear, no porvir, as pessoas serão mais felizes. Assim nascem as grandes histórias ocidentais sobre uma procura por um tanto muito importante: do santo graal a uma vida em seguida esta vida. Esse olhar para o porvir aliena as pessoas para a urgência mais imediata de construirmos nossa própria existência no presente. É uma visão que educa as pessoas para o egoísmo, para a disputa, para a conquista e a colonização do outro. Toda a pedagogia ocidental está fundamentada na célebre pergunta “o que você vai ser quando crescer?’. Nas comunidades indígenas tradicionais, não se pergunta a uma moçoilo o que ela vai ser quando crescer. Existe a compreensão de que ela já é aquilo que só lhe é verosímil ser no agora. Cabe à comunidade e aos adultos oferecerem as condições para que ela seja plenamente moçoilo, cresça, se torne um jovem equilibrado e, por termo, um velho consciente do seu papel no mundo. Isso é vincular seu ser presente ao porvir, estabelecendo uma relação de circularidade e educando para o coletivo.

Filial Brasil: Mas, hoje, os próprios indígenas demandam que pensemos no porvir, reivindicando políticas públicas que, necessariamente, precisam ter metas e avaliação de resultados. Não é importante pensar o porvir uma vez que forma de responder aos problemas presentes?
Daniel Munduruku: O que os indígenas querem é viver uma vida longa. Para isso, precisamos das condições adequadas. E uma quesito é não viver em permanente disputa uns com os outros. Ao disputarmos, a gente destrói, domina, escraviza, mata. E nem todos conseguem ser felizes desta maneira. Daí a sátira a esse modo de ver o porvir, que resulta, uma vez que disse, em um olhar que aliena e educa para o egoísmo. Para resolver os problemas presentes dos povos indígenas – problemas que se desdobram a partir do pretérito –, teriam que demarcar todos os territórios e dar aos indígenas autonomia para resolver o que fazer com as terras homologadas. Caberia aos indígenas resolver o melhor caminho a seguir. Repito: não se trata exclusivamente de modos de vida. Trata-se de uma vez que a economia governa o mundo. Embora exista o concepção de economia rodear, a economia que efetivamente governa o mundo é linear. Seria necessário e urgente dar aos indígenas a oportunidade de decidirem uma vez que fazer a junção entre a economia rodear indígena e a economia linear.

Filial Brasil: Feitas essas considerações, uma vez que o senhor imagina o porvir dos povos indígenas? O senhor concorda com a tese de que o porvir é avito ou não haverá porvir?
Daniel Munduruku: Paladar da teoria de o porvir ser avito. Seria a comprovação de que o que está por intercorrer já aconteceu e de que o tempo é rodear. De que a história se repete e que, neste momento, ela está reproduzindo um momento muito duro, muito cruel, não só para os povos indígenas.

Filial Brasil: Duro e contraditório, não? Ao mesmo tempo em que os territórios indígenas são cândido da cobiça de garimpeiros, madeireiros e da expansão das fronteiras agrícolas e que testemunhamos crises humanitárias uma vez que as que atingem os yanomami, na Amazônia, e os guarani e kaiowá, em Mato Grosso do Sul, a população indígena segue crescendo e há cada vez mais indígenas ocupando espaços até há pouco inacessíveis.
Daniel Munduruku: Mas a incongruência não é nossa. É do sistema que olha e sempre olhou para os povos indígenas uma vez que um problema. Há milhares de anos, nós, indígenas, temos construído respostas para secção dos graves problemas que a humanidade está enfrentando. Existem, no Brasil, 300 povos indígenas lutando bravamente para se manterem vivos. O que envolve também a luta pela demarcação de territórios. Óbvio que não há soluções fáceis.

Filial Brasil: O senhor acaba de retornar da Itália, onde participou da Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, acaba de retornar dos Estados Unidos, onde, entre outras coisas, participou de um evento em Harvard. O Ailton Krenak tornou-se, na semana passada, o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Ateneu Brasileira de Letras. Pela primeira vez, a Funai é comandada por uma indígena, a advogada Joênia Wapichana. Há cada vez mais escritores indígenas, alguns com relativo sucesso mercantil. A sociedade está ansiosa por saber o que o senhor acaba de invocar de “respostas indígenas para secção dos graves problemas que a humanidade enfrenta”?
Daniel Munduruku: Eu diria que estão tentando impingir na gente a obrigação de dar respostas, de dar solução à crise que o próprio varão branco gerou. Simples que os indígenas estão buscando se fazer cada vez mais presentes, pois não há outro caminho. Ou a gente se apresenta uma vez que secção dessa sociedade à ourela da ruína e da loucura, ou a gente é engolido por ela sem ter nem sequer recta a falar. A questão é que, às vezes, o que pode parecer uma grande coisa pode ser um engodo. O vestuário de estarmos na literatura, na ateneu, na política, em vários lugares pode gerar a autoilusão de acharmos que estamos fazendo uma grande coisa quando, na verdade, só estamos ajudando a, de certa forma, cevar o sistema econômico que rejeitamos.

Filial Brasil: O senhor acabou não completando a resposta sobre quais são, a seu ver, as possibilidades de porvir para os povos indígenas?
Daniel Munduruku: Porquê eu disse, as soluções para os problemas não são fáceis. Existe porvir para os povos indígenas neste sistema em que vivemos? Um porvir em que possamos manter secção de nossas tradições, incluindo a opção de seguir vivendo na floresta se assim quisermos? Não sei. Temo que isso acabe logo. Porque o sistema, guloso uma vez que só ele, vai querer engolir tudo, uma vez que vem acontecendo há séculos. Há 524 anos os indígenas travam uma guerra contra esse sistema, preservando seus territórios. Não sou um bom vidente, mas acho que o que se desenha para nós é, pouco a pouco, irmos cada vez mais para os centros urbanos sob risco de morrermos em confrontos.

Filial Brasil: O senhor, portanto, é pessimista quanto ao porvir dos povos indígenas?
Daniel Munduruku: Não digo pessimista. É que a esperança é uma ficção. E uma ficção é uma forma de embarcarmos na teoria de porvir sobre a qual já falamos. De buscar, no porvir, respostas para os problemas presentes, quando a verdade é muito mais cruel e o inimigo, muito mais possante do que a gente imagina. Às vezes, o inimigo vai transformando nossa esperança em um resultado com o qual acaba nos iludindo. Se permitir isso é ser pessimista, que seja, tudo muito.

Filial Brasil: Por outro lado, boa secção de sua obra literária é destinada a crianças e adolescentes, o que comporta boa ração de otimismo.
Daniel Munduruku: Sim, há um tanto de utopia nisso. Uso minha escrita para crianças uma vez que forma de atingir os adultos. Imagino que um adulto vai ler um livro antes de oferecê-lo a um rebento e procuro atingir o adulto por meio de temas universais. Às vezes, a gente precisa usar o pranto das crianças para sensibilizar os adultos, que são, de vestuário, quem precisa de remendo. Minha literatura é isso: uma espécie de pranto para sensibilizar adultos.

*A primeira entrevistada para esta série peculiar que a Filial Brasil produziu para o Dia dos Povos Indígenas foi a demógrafa Rosa Colman, primeira e, possivelmente, única técnico em estudos populacionais a se autodeclarar indígena no país. Nos próximos dias serão publicadas as entrevistas com a escritora Eliane Potiguara e com a ministra Sonia Guajajara.

Fonte EBC

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