Montagem De 'hedda Gabler' Respeita Força Da Peça De Ibsen

Montagem de ‘Hedda Gabler’ respeita força da peça de Ibsen – 22/07/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Tornou-se uma espécie de lugar-comum na cultura brasileira expor que Chico Buarque capturou a espírito feminina em suas canções uma vez que nenhum outro compositor. Grosso modo, o mesmo se poderia de Henrik Ibsen quando o tema é teatro. Grande rabino do drama moderno, o responsável norueguês perscrutou o caráter feminino, criando grandes papéis de mulheres complexas e multifacetadas. Uma delas é “Hedda Gabler”, atualmente em edital no teatro do Masp.

Nessa peça publicada em 1890, Ibsen leva adiante sua investigação sobre a desigual relação entre os sexos. Naquela que talvez seja sua mais conhecida geração —”A Mansão de Bonecas”— uma mulher oprimida e infeliz no casório resolve ceder sua morada em procura de liberdade.

O enredo trivial para os dias atuais, causou escândalo ao questionar as normas de uma sociedade machista. Mas “Hedda Gabler” leva todos esses conflitos a um vértice sem saída. Nos apresenta uma personagem sofisticada, manipuladora, inteligente. Presa em um casório sem paixão e à monotonia da vida doméstica.

Quem traduz e dirige a montagem atual é Clara Roble. Porquê atriz, ela esteve em “Espectros” e “O Inimigo do Povo”, duas peças da maturidade de Ibsen. Em “Hedda”, a diretora vale-se não só de sua intimidade com o responsável, mas de seu grande conhecimento da linguagem e da estrutura do drama burguês. Constrói uma encenação segura, respeitando os tempos e a força dos diálogos.

É difícil racontar e sustentar uma histórica trágica em tempos de banalização do sofrimento. O sarcasmo da protagonista ajuda a manter o prumo e a atenção do testemunha. Muito à vontade na pele da controversa personagem, Karen Coelho entrega uma performance que é um dos pontos altos da geração.

A tradutor, que forjou sua trajetória em grandes textos da dramaturgia do século 20 uma vez que “Zoológico de Vidro”, de Tennessee Williams, e “A Profissão da Sra. Warren”, de Bernard Shaw, tem todo o instrumental para sustentar com cintilação a personagem-título de Ibsen.

Hedda é uma anti-heroína fascinante: suas ideias e seu egoísmo são incômodos. Não há uma vez que aderir a ela completamente, nem uma vez que deixar de reconhecer sua lucidez. Depois uma longa viagem de lua de mel, o par Gabler chega à sua novidade morada, uma luxuosa residência que o marido, horizonte professor universitário, endividou-se para comprar.

A teoria do paixão uma vez que solução para todas as questões existenciais do quidam, tão em voga no romantismo do século 19, não convence o dramaturgo. Finalmente, um enlace motivado pela paixão resolveria a injusta equação de poder entre os gêneros? Hedda não parece crer nisso.

Ela segue à risca o roteiro para ter uma vida confortável e venerando. Mas um pouco não funciona. Ela não é tola uma vez que o marido e sua tia, nem cínica uma vez que o juiz Brack, que vive a cortejá-la na expectativa de tornar-se seu amante.

Um vetusto paixão, o jornalista Lövborg, reaparece para bagunçar ainda mais o intentona capenga. Ele escreveu um livro que —tudo indica— é uma obra-prima. Cativou a respeito de uma mulher que parece amá-lo de verdade. Largou o álcool. Teria Lövsborg encontrado um propósito para a vida? O prazer da entendiada Hedda é provar que toda essa felicidade é muito mais frágil do que aparenta. O trágico invade a sala de estar da mediocracia e não há rota de fuga.

À idade de sua estreia, “Hedda Gabler” não agradou nem mesmo aos entusiastas do trabalho de Ibsen. Os grandes dilemas do “establishment” —tão muito enquadrados em seus textos anteriores— pareciam fora de foco. O jornalista conquista sofisticados jogos de poder, que não se estabelecem exclusivamente de cima para insignificante. “A história de um estado de espírito”, definiu Henry James.

Uma trama de tantas sutilezas perde um pouco do tônus com as interpretações sem nuances de Lövsborg (Carlos de Niggro) e Thea Elvsted (Mariana Leme) —o que contrasta com o bom desempenho do restante do elenco e talinga um pouco a proposta da direção.

Sem buscar uma atualização do enredo, Clara Roble descola um pouco a obra de seu contexto oitocentista ao usar a música ao vivo de Gregory Slivar e o quina de Nábia Villela. Sutilmente, deixa parar no ar a persistência da vexação da sociedade patriarcal e as perguntas para as quais ainda não encontramos solução.

Folha

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