Morre Arthur Moreira Lima, Que Desbravou O País Com Piano

Morre Arthur Moreira Lima, que desbravou o país com piano – 30/10/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Morreu nesta quarta-feira (30) o pianista Arthur Moreira Lima, que desbravou o Brasil em seu piano, aos 84 anos. O artista, que tratava cancro no tripa desde o ano pretérito, estava na vivenda da sua família em Florianópolis. A informação foi confirmada pela sua enteada.

Corria o ano de 1975 quando estourou no mercado discográfico brasiliano o LP duplo de Arthur Moreira Lima interpretando peças para piano de Ernesto Nazareth. A soma dos dois nomes foi meio ocasional. O grande pianista que frequentava pouco os grandes circuitos internacionais se encontrava com o compositor morto em 1934 e que não era ainda uma unânime notoriedade músico. Não estava esquecido, mas tampouco era na idade tão lembrado assim.

O compositor erudito Ronaldo Miranda, na idade crítico músico do Jornal do Brasil, escreveu que o disco de Nazareth fora uma das poucas coisas diferentes e relevantes que haviam surgido no mercado da música do Brasil.

Moreira Lima foi no fundo um grande desencontro. Trazia no currículo dois prêmios de imenso prestígio no pianismo internacional: segundo lugar no Frédéric Chopin de 1965 e o terceiro lugar no Tchaikovsky de 1970.

Ele poderia ter sido solista em gravações com a Filarmônica de Viena ou com a Sinfônica de Boston, sob a direção de grandes regentes do final do século 20.

Mas optou por uma via muito mais brasileira.

Colocou um piano na carroçaria de um caminhão e saiu fazendo música Brasil afora. Misturava o repertório clássico e popular junto a plateias que certamente não tinham uma teoria muito técnica sobre o brilhantismo e a musicalidade de suas interpretações. Foi o projeto Piano pela Estrada, com impacto restrito aos locais pelos quais passou.

Mas era um pouco modesto. Vejamos. Moreira Lima, nascido no Rio, começou a estudar piano com Lúcia Branco, que era na cidade também a professora do mineiro Nelson Freire e do carioca Tom Jobim. Esse currículo se enriqueceria com dois outros professores de altíssimo prestígio na Europa. A saber, Margarite Long, em Paris, e Rudolf Kehrer, em Moscou.

Era uma formação suficiente para se tornar, uma vez que ele o fez, um grande tradutor de compositores românticos uma vez que Liszt e Chopin, ou já do século 20, uma vez que Serguei Prokofiev e Heitor Villa-Lobos.]

Em todo esse repertório o pianista brasiliano enfrentou um paradoxo. Respeitado ao extremo pelos bons conhecedores, não se tornou, no entanto, um tradutor de referência de seu repertório. Moreira Lima era um pianista seduzido pela música. Não gostava de se confrontar. E não ligava para as críticas de quem achava que ele não deveria ampliar indefinidamente seu pilha pessoal para ser comparado involuntariamente com intérpretes que lhes foram contemporâneos.

Moreira Lima, para retomar o estereótipo, foi o gênio solitário. Que brilhou com intensidade unicamente aos olhos dos que se esforçavam para vê-lo.

Há por termo a imodéstia uma vez que traço da personalidade do pianista que acaba de nos deixar. Ele nunca deu muita publicidade a seu trabalho por meio de entrevistas. Entre os grandes de seu instrumento ele foi com certeza o menos entrevistado. A mídia falava dele para não ser injusta, e não por opção promocional.

Uma das exceções a esse silêncio foi a série de 11 entrevistas que ele gravou a partir de 2020, durante a epidemia, com Alexandre Dias, diretor do Instituto Piano Brasílio.

O pianista discorre, por exemplo, sobre uma vez que a gravação dos LPs duplos de Nazareth, entre 1975 e 1976, foi entremeada por um LP com peças de Chopin, lançado pela Marcos Pereira, que era, a propósito, uma gravadora unicamente de música popular.

Outra graduação curiosa no trajeto do pianista está em sua passagem pelo Japão, onde gravou também Chopin e em seguida Villa-Lobos. Há um apego tradicional do público nipónico pelo pianismo brasiliano.

Outra vertente de Moreira Lima no teclado foi seu encontro com o chorinho, gênero que renasceu no final dos anos 1970 e que de perceptível modo se contrapunha à imensa popularidade do rock na esfera popular. O pianista entrou no chorinho pela dupla porta do tradutor e do jurado de concursos.

Sua presença dava àquela música sua chancela de qualidade. Nazareth –que Moreira Lima regravaria nos anos 1980 nos Estados Unidos— foi de perceptível modo um “chorão”, mas com composições sofisticadas que traziam embutida a anelo que ele tinha de também passear pelo repertório clássico.

A essas alturas de sua curso o pianista já havia decolado na direção muito mais ambiciosa que as gravações de peças de Mozart que fizera ainda menino no Theatro Municipal do Rio. Partia para a riqueza de experiências harmônicas que estavam presentes nas composições do sofisticadíssimo baiano Elomar, seu parceiro de duas gravações.

Nos anos 80 sua curso ingressa em campos cada vez mais informais. Define-se não uma vez que um concertista, mas uma vez que um “fazedor de. Shows”. Excursiona por 30 cidades brasileiras com um repertório popular. Torna-se apresentador de um programa de concertos na TV Manchete. Grava com o cantor Ney Matogrosso e incorpora mais três CDs de Villa-Lobos a seu pilha.

Moreira Lima se torna o músico eclético que sempre pretendeu ser. E foi em torno dessa imagem que ele trabalhou até o final de seu longo trajeto ao teclado.

Seu velório será realizado no Cemitério do Jardim da Tranquilidade, em Florianópolis, nesta quinta-feira entre meio-dia e 16h.

Folha

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