Morte de senegalês evidencia criminalização de imigrantes 17/04/2025

Morte de senegalês evidencia criminalização de imigrantes – 17/04/2025 – Djamila Ribeiro

Celebridades Cultura

A mais recente morte de um jovem senegalês no meio de São Paulo confirma o que já sabíamos: não são casos isolados nem desvios individuais. É a engrenagem de um sistema que criminaliza a sobrevivência e transforma a pobreza em níveo.

Ngange Mbaye, que deixa sua esposa prenhe de sete meses, se soma a Talla Mbaye —também senegalês, ambulante, morto meses detrás em circunstâncias também violentas durante ação policial no mesmo território, o Brás. Escrevi a esta Folha quando da sua morte e das manifestações que se seguiram.

O Brás, cada vez mais ocupado por imigrantes africanos, tornou-se símbolo da luta cotidiana por subsistência —e, por isso mesmo, níveo preferencial do controle estatal. Um espaço onde o poder público escolhei ntervir com força mortífero, em vez de desenvolver políticas de empoderamento e buscar melhorar a vida das pessoas.

É nesse cenário que opera a chamada Operação Delegada, uma política de segurança pública implementada pela lei municipal número 14.977/09, que estabelece um convênio entre a prefeitura e o governo estadual que permite a atuação de policiais militares em seus dias de folga para “substanciar” a ordem pública.

O nome técnico esconde uma prática alarmante: a perseguição a imigrantes disfarçada de política urbana, pois, embora a Operação Delegada não tenha sido criada com esse propósito específico, a atenção ao controle do transacção informal atinge diretamente o meio de subsistência de muitos imigrantes africanos.

O que se vende porquê reforço de segurança é, na prática, um dispositivo de repressão contra quem já vive à margem: apreendem mercadorias, confiscam meios de trabalho, intimidam quem ousa reagir. Evidentemente, avançam sobre brasileiros no mercado informal —todos, ou quase todos, pessoas pobres.

Por isso, a força usada para destruir um carrinho com roupas ou apreender uma caixa de relógios não tem justificativa —tem ideologia. E ela se sustenta nas engrenagens que seguem, sistematicamente, aprofundando desigualdades e se escondem por medidas hipócritas que não trazem saídas satisfatórias, quiçá emancipatórias.

As violências e seguidas mortes não apresentam qualquer resultado para o governo estadual. A operação consome recursos públicos expressivos da segurança, mas não apresenta resultados reais —a não ser mais pânico e violência. Expor que a Operação Delegada coíbe o transacção informal chega a toar cínico para qualquer um que circule pelo meio da capital.

Nesse sentido, para muitos imigrantes africanos recém-chegados ao Brasil, a informalidade é o caminho verosímil de trabalho, e a união comunitária, a única forma de sobreviver. Porquê muito resumiu a Conectas: “O uso de armamento mortífero durante o inspecionamento de mercadorias de trabalhadores desarmados é desnecessário e unicamente estimula, em mais uma frente, o doesto de poder que alimenta o genocídio da população negra e periférica”.

Não basta somente responsabilizar os agentes envolvidos nessas mortes, embora isso seja fundamental. O problema não é somente de ordem pessoal, porquê policiais específicos e descontrolados que não contaminam a corporação. Essa é a saída covarde ao problema criado, que não trará melhoria alguma ao serviço público.

É preciso reconhecer o caráter sistêmico da violência, despovoar a política fracassada e se responsabilizar pelas famílias que foram devastadas. Tentar reparar minimamente o mal que está sendo feito e transformar a abordagem ao cidadão e cidadã imigrante.

Essa responsabilidade é compartilhada. A política migratória envolve os três níveis de governo —e todos têm falhado com os imigrantes africanos e haitianos, bolivianos etc. Ainda que os policiais envolvidos nas mortes estejam sob comando estadual, os outros governos não são inocentes e precisam agir com vistos de trabalho, centros decentes de convívio e desenvolvimento da população negra imigrante.

Diante desses argumentos apresentados, será que não está na hora de revogar a Operação Delegada e, em vez disso, infligir melhor o quantia investido? Precisamos repensar o que entendemos por segurança pública e exigir a implementação de políticas que lidem com o problema do transacção furtivo de forma mais digna.

Dito isso, não vamos olvidar o que aconteceu com Talla, nem o que aconteceu com Ngange. Nós, porquê população negra com espaços na prensa brasileira, temos o obrigação de fazer essas denúncias e exigir respostas dos governantes.

Toda solidariedade à comunidade senegalesa.


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Folha

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