Mostra Com Obras De Portinari Escancara Brasil Faminto 29/05/2024

Mostra com obras de Portinari escancara Brasil faminto – 29/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em “Quarto de Detrito”, a escritora Carolina Maria de Jesus escreve que a miséria deixa tudo amarelo. Pássaros, árvores e até mesmo o firmamento. Na exposição “Arte Subdesenvolvida”, em edital no Meio Cultural Banco do Brasil de São Paulo, a miséria ganha outros matizes. Na pintura “Enterro”, de Portinari, ela é azul, branca e preta.

Pelas mãos de Abelardo da Hora, é tridimensional e feita de ferro. Em “A Lazeira e o Brado”, o artista plástico esculpiu uma família de corpo esquálido, ossos protuberantes e frase consternada. Detrás dela, desponta uma mão com a palma estendida para o tá uma vez que se pedisse ajuda de Deus.

Anna Maria Maiolino, por outro lado, fez da miséria um monumento. Com um laço preto, a artista uniu um saco de feijoeiro a um saco de arroz – mantimentos que são a base da dieta do brasílico, mas que faltam na mesa de milhões de pessoas.

De convenção o IBGE, o Instituto Brasiliano de Geografia e Estatística, o Brasil tinha quase 64,2 milhões de pessoas vivendo em domicílios classificados com qualquer proporção de instabilidade fomentar em 2023, de ligeiro, moderada a grave.

“Invocar a obra de ‘Monumento à Lazeira” é uma forma de gritar, dar visibilidade a esse problema e de manifestar: ‘Olha, ela está cá”, diz Anna Maria, que foi laureada com um Leão de Ouro na última Bienal de Veneza pelo conjunto de sua obra.

A peça também pode ser vista sob outro ângulo. Estátuas e obeliscos são erguidos para perpetuar eventos e personalidades, mas acabam banalizados à medida que se misturam à paisagem urbana. A instabilidade fomentar está tão presente na rotina do Brasil que por vezes passa despercebida, tal uma vez que um monumento.

“A gente sabe sobre a miséria, mas faz de conta que não existe. Mas ela existe desde os tempos mais remotos. Por essa razão, vejo a arte uma vez que uma forma de exorcizar, por meio da poética, questões que afligem a humanidade.”

Em “Arte Subdesenvolvida”, essas questões dizem reverência à pobreza e à desigualdade econômica que marcam a história do país. Com muro de 130 peças produzidas por diferentes artistas entre 1930 e 1980, a mostra ocupa quatro andares do CCBB e dá ênfase a trabalhos de cunho social, num contraponto à arte concreta —mais preocupada com a abstração das formas do que com o engajamento da política.

“Diante da percepção do subdesenvolvimento, a gente cria uma arte que se pretendia desenvolvida, ou seja, uma releitura da arte construtiva europeia”, diz Moacir dos Anjos, curador da exposição, acrescentando que esse registro acabou se tornando hegemônico. “Trabalhos concretos e neoconcretos são incríveis, mas eles colocaram uma sombra sobre outras formas de reagir ao subdesenvolvimento.”

Esse noção ganhou força em seguida a Segunda Guerra Mundial, mas foi paulatinamente substituído nos livros de geografia e nas páginas dos jornais pela teoria de país em desenvolvimento ou emergente.

Moacir, porém, considera que essas classificações são eufemismos que escondem os entreves socioeconômicos de nações pobres. “Pensar o Brasil uma vez que subdesenvolvido, e não uma vez que um país em desenvolvimento ou emergente, talvez seja uma forma contraditória e paradoxal de resistir à exigência de carência.”

Quem anda pelos corredores da mostra nota que a arte se apropriou do termo subdesenvolvido para transformá-lo de uma só vez em denúncia e em projeto estético. Isso fica evidente na sala expositiva intitulada “Tem gente com miséria”, localizada no quarto marchar do CCBB.

Além de obras de Portinari e Abelardo da Hora, o lugar abriga as primeiras edições de livros uma vez que “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, e “Capitães da Areia”, de Jorge Querido.

São livros que fizeram um retrato do subdesenvolvimento antes mesmo de o noção se tornar amplamente espalhado. É o que o crítico literário Antonio Candido chamou de pré-consciência do subdesenvolvimento.

O público encontrará ainda fotografias das secas que castigaram o Ceará entre o século 19 e o primícias do século 20. Para fugir das estiagens, milhares de pessoas migraram para Fortaleza, onde eram vistas com repulsa e tratadas uma vez que um problema a ser evitado.

Por isso, o poder público construiu campos de concentração em seis cidades para esconder dos olhos da escol uma população que chegava à capital doente e faminta. De convenção com dados oficiais, 73.918 pessoas foram detidas, muitas das quais morriam nos campos e eram enterradas em valas comuns. Quem sobrevivia era submetido a trabalhos forçados.

Para o cineasta Glauber Rocha, a miséria era um elemento tão estruturante na sociedade brasileira que formava uma estética própria. É a chamada estética da miséria, noção que dá nome à outra sala expositiva. Nela, estão fixados em um varal de madeira parangolés de Hélio Oiticica. Nos tecidos, é verosímil ler: “Seja Marginal, Seja Herói”, “Estamos Famintos” e “Incorporo a Revolta”.

A mostra também coloca em evidência obras sobre o subdesenvolvimento produzidas a partir de 1968, período em que a violência da ditadura militar se exacerbou com a assinatura do AI-5. Esses trabalhos estão na sala intitulada “O Brasil é o meu decadência”, frase do cineasta pernambucano Jomard Muniz de Britto.

Nesse módulo, algumas das obras funcionam uma vez que uma resposta ao ufanismo ditatorial que escamoteava as contradições do Brasil.

É o caso da música “O Seu Paixão” na voz dos Doces Bárbaros, orquestra formada por Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Os versos da cantiga repetem quase uma vez que um mantra: “Ame-o e deixe-o livre para amar”. É uma contraposição à dicotomia do slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, propagandeado pela ditadura.

Na sala, também vemos obras que servem de metáfora para o desespero dos anos de chumbo. Exemplo disso é uma retrato da série “Fotopoemação”, de Anna Maria Maiolino, em que a artista aparece prestes a trinchar a própria língua.

Há ainda “Baba Antropofágica”, trabalho no qual Lygia Clark expele pela boca uma longa risca de costura que enreda não exclusivamente a artista, mas quem está em volta.

Moacir, o curador da mostra, diz que essas obras remetem à aviltamento, noção psicanalítico em que o corpo rejeita e expulsa elementos que o constituem. Nessa perspectiva, o próprio subdesenvolvimento pode ser visto uma vez que um fenômeno asqueroso. Se por um lado estrutura as dinâmicas sociais do Brasil, por outro provoca repulsa e ojeriza.

Não à toa, o nome da mostra gerou estranhamento. “Será que ‘Arte Subdesenvolvida’ não é uma coisa meio degradante?”, questionaram o curador, que se manteve firme na escolha. “É subdesenvolvida não por ser uma arte menor, mas sim porque é uma resposta a uma exigência de subdesenvolvimento.”

Uma dessas respostas está exposta no átrio do CCBB, onde há uma instalação do artista visual Randolpho Lamonier. Por meio de estandartes multicoloridos, a obra enuncia os sonhos de consumo de trabalhadores entrevistados pelo artista. Voltar para a terreno natal e comprar a mansão própria apareceram de forma recorrente.

“Alguns sonhos são muito duros por revelar um nível de carência brutal”, diz Lamonier. “Para a classe trabalhadora, parece que invadir o fundamental ainda é um sonho quase impossível.”

Folha

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