Camisa de força e amarrações em uma maca para restrição de movimentos, excesso de medicamentos, agressão por outra paciente na enfermaria e pessoas nuas urinando por todos os cantos de um recinto. Essas não são cenas de um filme vetusto. Mas algumas das lembranças que Deysielen Fialho, 30 anos, tem da última internação em um hospital psiquiátrico do Região Federalista, em 2024.
“Foi uma coisa horroroso, muito complicado mesmo”, resgata a jovem sobre a internação de duas semanas.
Deysielen tem depressão, sofreguidão e transtorno de personalidade borderline (TPB), caracterizada por instabilidade emocional e dificuldades em se relacionar. A jovem somente deixou a unidade hospitalar depois da família pedir a subida médica e assumir a responsabilidade por possíveis implicações pelo tratamento em saúde mental não concluído.
A paciente, logo, começou a fazer terapia em grupo nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Taguatinga, depois, no de Samambaia e, atualmente, é atendida do Caps Paranoá, a 20 quilômetros de Brasília. O serviço comunitário e as aulas de teatro têm ajudado na reparação dela, avalia a própria Deysielen.
“Sempre que vou é muito interessante. Vejo as pessoas conseguindo se expressar. É libertador fazer aqueles exercícios, não só de movimentação, mas também de respiração. É muito permitido também fazer artesanato. A gente conversa e sempre escuta música, enquanto vai fazendo tudo proposto”, conta.
Neste término de semana, Deysielen participa uma vez que espectadora da 1ª Mostra de Cinema Antimanicomial do DF Raquel França, no Cine Brasília. O evento homenageia a paciente psiquiátrica Raquel França de Andrade, mulher negra de 24 anos, que morreu no dia do Natal de 2024, dentro do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), localizado em Taguatinga, região administrativa do Região Federalista.
Dia de luta
A mostra de cinema marca o Dia Pátrio da Luta Antimanicomial, lembrado neste domingo (18). A data tem o objetivo de conscientizar sobre a urgência de mudança do padrão de desvelo em saúde mental. No lugar de internações prolongadas, em locais chamados pela comunidade terapia de manicômios, a substituição por atenção humanizada, baseada no saudação à distinção, à liberdade e à inclusão social de pessoas com transtornos mentais.
Organizada pelo Fórum Revolucionário Antimanicomial do DF, a iniciativa conta com pedestal de diversos coletivos e instituições ligadas à saúde mental e à arte.
A presidente do Juízo Regional de Psicologia do Região Federalista (CRP/DF), Thessa Guimarães comemora a reforma psiquiátrica.
“É uma iniciativa revolucionária que em todo o país, em outros países também, que buscam colocar inferior os manicômios, as casas de violência e os campos de concentração que têm uma vez que resposta ao sofrimento psíquico o isolamento, a hipermedicalização, a tortura e até mesmo a morte”, condena Thessa.
Entre outras diretrizes, a reforma psiquiátrica prioriza que as emergências psiquiátricas sejam atendidas nas emergências de hospitais gerais.
A representante do Juízo Regional de Psicologia defende o fechamento do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), por contrariar as diretrizes da reforma psiquiátrica. “Em função de uma lógica assistencial que é a de lixo, uma espécie de repositório humano, uma gaiola de loucos”, classificou.
A Sucursal Brasil entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Região Federalista e aguarda o posicionamento sobre as declarações dadas pela paciente e pelo juízo de psicologia do DF.
Protecção e reparação
Outra paciente do Caps do Paranoá, Rita Luciane da Paixão Sousa, de 53 anos, moradora do Itapoã (DF), revela ter tentado suicídio oito vezes e, por isso, foi internada compulsoriamente em unidades psiquiátricas. Ela diz que já foi vítima de violência sexual e hoje toma medicamentos para controlar a sofreguidão e a “vontade de sumir no mundo”, uma vez que ela própria descreve o sentimento latente nos momentos de crise.
Atualmente, frequenta sessões de terapia grupo no núcleo, quando compartilha vivências, além de ter aulas de crochê e de tricô com retalhos de malha.
Para definir o que é guarida de verdade, Rita diferencia os tratamentos recebidos em um hospital psiquiátrico e em um Caps.
“É melhor do que o hospital, porque a gente tem mais possibilidade de chegar e conversar com eles [os profissionais de saúde] que nos atendem. É tipo uma família. Porque, quando eu dou minhas crises, venho cá e eles me acolhem”, reflete.
Serviço
1ª Mostra de Cinema Antimanicomial do Região Federalista (DF) Raquel França
18/05 – domingo
16h: De perto quem é Normal – Artheria
Ocupação Valente – Movimento Antimanicomial DF
Maluco Voante Além do Som – Lucas Moraes
Capsianos – Companha Atravessa a Porta
17h30: pausa + performances
18h: roda de conversa: saúde mental indígena
19h: Chuva é Cantoria na Localidade dos Mortos – Renée Messora e João Salaviza