Jota Mombaça quer voltar. Depois de sete anos produzindo na Europa, a artista —com uma obra dedicada a questões de gênero, raça e colonialidade— conta que a exposição que abre em São Paulo na próxima quarta-feira (3) é segmento de um movimento de retorno da sua prática ao Brasil.
Isso não significa que ela vá largar Amsterdã e Lisboa, cidades onde vive e trabalha, para voltar a morar em seu país natal, mas sim que quer passar mais tempo entre os seus. Prova disso são as obras inéditas que preparou para a exposição, que inaugura a galeria Martins & Montero, todas feitas no Brasil.
Na ingressão, vamos um grande pintura pintado a carvão em preto e em tons de terreno, entre o marrom e o alaranjado. Está na tela, feita em São Paulo, a tradicional fúria de seu gesto pitoresco.
Em seguida, dez objetos de cerâmica em forma de vaso, realizados em uma residência no Sertão Preto, escola de artes do pintor Dalton Paula nos periferia de Goiânia, dão conta do interesse recente de Mombaça pela barro, material em subida no giro de arte e bastante demandado pelo mercado.
Fecha a exposição um vídeo no qual a artista se enterra num campo nos periferia de Natal, sua cidade de origem. Numa das cenas, uma pessoa acaricia a terreno e a derrama por cima do corpo de Mombaça. Em outra, uma penosa cisca perto do corpo, já todo resguardado pelo solo, só o rosto da performer à vista.
O conjunto de trabalhos “olha para porquê o imaginário ao volta dos retirantes foi construído, mas tentando estabelecer outros nexos, para que não se repita a maneira exótica porquê o Brasil olha para esse tema”, diz a artista, falando com ênfase enquanto segura um copo de moca e caminha pelo espaço expositivo.
Mombaça conta que pensou nas novas obras numa tempo em que ouvia muito o disco “20 Palavras ao Volta do Sol”, da cantora e compositora pernambucana Cátia de França, lançado em 1979. Em paralelo, seu libido de passar mais tempo no Brasil a levou a refletir sobre sua história de vida.
“Nunca tinha feito o nexo da posição de retirante com a minha imigração para a Europa. A história do movimento está muito inscrita na história das famílias nordestinas e está inscrita na minha família. Isso virou de alguma forma a história da minha existência”, ela afirma, com gestos largos que deixam ver a frase “a gente combinamos de não morrer” tatuada no braço. Segmento de seus familiares migrou para o Sudeste, e sua mãe se moveu dentro do Nordeste antes de se pousar em Natal.
Quem acompanha o trabalho da artista de 33 anos, que já expôs duas vezes na Bienal de São Paulo, vai notar que na novidade mostra não há nenhum trabalho com texto, uma marca da sua produção, oferecido que ela também escreve e já participou de uma mesa na Flip, a Sarau Literária Internacional de Paraty. Esta atitude foi deliberada, conta Mombaça, para dar ênfase à sua obra plástica.
A exposição é a primeira individual da artista no Brasil e vem num ótimo momento de sua curso, já consolidada no exterior —a partir do término de abril, ela exibirá um vídeo na Bienal de Veneza, a principal vitrine internacional da arte contemporânea.
Também estarão na mostra italiana dois outros artistas da galeria Martins & Montero, Dalton Paula e Manaura Clandestina, no que as sócias Maria Montero e Jaqueline Martins consideram um belo cartão de visitas de sua empresa recém-formada. O negócio surgiu da fusão das galerias paulistanas Sé e Jaqueline Martins, que deixam de viver individualmente.
A Martins & Montero já nasce grande, com duas unidades —uma em São Paulo e outra em Bruxelas. Ao todo, são 31 artistas representados, entre nomes jovens e outros já consagrados, porquê Hudinilson Jr., Maria Thereza Alves e Dalton Paula.
Martins conta que ela e Montero se conhecem há quase dez anos e que os interesses em geral de ambas criaram nelas o libido de unir forças e programas expositivos. Há investidores por trás, mas as galeristas preferem não falar em valores, dizendo exclusivamente que quando um negócio se expande é normal uma injeção de moeda.
A Martins & Montero em zero se parece com o macróbio prédio de ares industriais onde ficava a galeria Jaqueline Martins ou com a simpática vivenda de Flávio de Roble na qual estava a Sé. O novo espaço é uma mansão da dezena de 1950 de quase 900 metros quadrados que antes sediou um arqueólogo, localizada numa travessa da rua Estados Unidos.
Mas a mudança para um dos bairros mais caros de São Paulo não deve encarecer as obras. “O ticket só muda pelo desenvolvimento dos artistas”, afirma Martins.
A vivenda tem um espaço expositivo capaz de acoitar obras de grande porte, um jardim extrínseco para eventos, uma livraria, um showroom, e um incluso tipo apartamento que eventualmente poderá ser usado para receber artistas em residência. Montero é ambiciosa. “A estrutura permite que a gente crie um núcleo cultural”, ela diz.