Mostra de Lélia Gonzalez vê negros como centro da cultura – 26/06/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

As escolas de samba do Rio, os blocos afro da Bahia, as congadas de Minas Gerais, as comemorações da Semana Santa e do Natal. O que todas essas celebrações têm em generalidade? Para a antropóloga e escritora Lélia Gonzalez, a presença de aspectos da cultura afro-brasileira e indígena.

No livro “Festas Populares no Brasil”, a autora faz uma radiografia da cultura brasileira que tem, no núcleo, a influência de povos de matriz africana e indígena.

Ao negar o mito da democracia racial, a intelectual que foi uma das fundadoras do Movimento Preto Unificado (MNU) evidencia porquê as festas populares são fruto da resistência de populações marginalizadas que encontraram na produção cultural uma maneira de resgatar tradições negadas em outros espaços da sociedade.

A dança, as roupas, a música, a organização dos cortejos aparecem no livro —publicado pela primeira vez em 1987— em uma narrativa fotográfica que completa o pensamento da antropóloga.

Agora, seu estudo ganha uma novidade materialidade na exposição “Lélia em Nós: Festas Populares e Amefricanidade”, que entra em edital nesta quinta-feira (27), no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. A mostra acontece em paralelo ao relançamento do livro pela editora Boitempo.

“Nosso legado cultural e intelectual de matriz africana não é um inferior, não é marginal, não foi unicamente uma influência, ele é meão e faz secção da estrutura cultural do país. É o que a sustenta e nutre”, afirma Glaucea Helena de Britto, organizadora da exposição.

“As festas populares não devem ser vistas com ingenuidade, elas são um espaço de celebração, mas também uma forma de organização social e política”, afirma Flavia Rios, professora de filosofia da Universidade Federalista Fluminense, a UFF. Para ela, evidenciar o processo produtivo destas celebrações e, ao mesmo tempo, exaltar a formosura gestual e da indumentária de cada revelação torna a obra de Lélia um.

“O esforço dela conquista a dimensão das comunidades negras rurais e urbanas, que têm uma forma de agenciamento comunitário. As festas, apesar de durarem um dia ou dois, levam meses para serem construídas”, acrescenta.

A autora também labareda atenção para a participação de diferentes gerações nesses festejos que se tornaram tradições regionais passadas adiante, na maior secção das vezes, de forma verbal.

O diálogo entre gerações também aparece na mostra “Lélia em Nós”. A exposição conta com 105 obras, divididas em cinco eixos temáticos que abordam a formação social dos festejos, a construção da identidade afro-brasileira, a musicalidade e corporeidade das comemorações.

Raquel Barreto, a outra organizadora da mostra, ressalta a diferença de um século entre os nascimentos do artista mais velho e do mais novo que compõem a exposição —o cantor, pintor e compositor Heitor dos Prazeres (1898 -1966), e o artista plástico Rafael Simba (1998). Entre os outros 50 nomes envolvidos, a maioria é de mulheres negras.

A escolha não seguiu o recorte de gênero e raça, afirmam as organizadoras, que conversaram com a reportagem por videochamada. “A gente escolheu os trabalhos pela temática e a maioria das pessoas que trabalham com esse tema são artistas negras”, diz Barreto.

O resultado foi indicado pela outra organizadora porquê um tanto que seria procedente, quando falamos da valorização do trabalho no mercado da arte, caso o racismo e o sexismo fossem tirados da equação. “Nós [negros] somos a maioria da população, logo o procedente seria a gente ser a maioria em tudo. E aí quando a gente faz um movimento que é o mais próximo do que seria o procedente, as pessoas estranham”, afirma Britto.

O estranhamento a que a curadora se refere está ligado ao apagamento sistemático do saber produzido por pessoas negras. E, neste cenário, exposições porquê “Lélia em Nós” desempenham um papel importante ao tornar alcançável um conhecimento que por muito tempo ficou restrito à liceu. As organizadoras citam ainda a mostra “Um Defeito de Cor”, em edital no Sesc Pinheiros, baseada no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves.

Para Britto, o aumento das iniciativas que apresentem o trabalho de personalidades negras “pode parecer uma tendência para as instituições, mas para nós, negros, é um tanto que sempre foi feito”. “Nossa produção intelectual sempre esteve aí.”

Para ela, a existência das festas populares comprova que o conhecimento artístico e cultural da população considerada periférica sempre foi ativo, mas agora reivindica a presença em espaços porquê museus e instituições culturais, “com pessoas negras contando sua própria história”.

A opinião é compartilhada pela professora da UFF, que vê porquê tardio o relançamento da obra de Lélia. Para ela, estudantes, professores, artistas e jornalistas já poderiam ter se beneficiado muito mais das análises da antropóloga, que colocam a legado africana no núcleo do debate sobre nacionalidade, cultura brasileira e história da arte.

A novidade edição do livro recupera o texto original da antropóloga, traz imagens de fotógrafos porquê Januário Garcia, Leila Jinkings e Walter Firmo, e inclui materiais inéditos feitos por convidadas porquê Zezé Motta, Sueli Carneiro e Leci Brandão.

Sambista e deputada estadual pelo PCdoB em São Paulo, Leci Brandão fala sobre a experiência de grafar o prefácio da novidade edição. “Lélia foi uma das minhas grandes incentivadoras e é uma referência importantíssima, todos deveriam conhecê-la.”

“Sou uma pessoa muito consciente do que é a representação da minha raça na história do Brasil. Mesmo nessa riqueza que o país tem, com todas as culturas diferentes em todas as regiões, posso declarar que o preto está sempre envolvido e é responsável por isso”, diz Leci.

Folha

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