Mostra De Mazzaropi Revê Fenômeno Da Comédia Brasileira 28/01/2025

Mostra de Mazzaropi revê fenômeno da comédia brasileira – 28/01/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Ver um filme de Mazzaropi no momento em que era lançado era um espetáculo às vezes mais apaixonante do que o próprio filme. Era um mundo dissemelhante do de agora, quando a Cinemateca Brasileira abre uma vasta retrospectiva do seu cinema, com 18 filmes, entre eles a estreia de seis novas cópias digitalizadas, entre esta quarta-feira (29) e 9 de fevereiro.

Para iniciar, a fileira —dobrava esquina e mais esquina no dia 25 de janeiro, data da instauração de São Paulo e data religiosa de estreia do filme anual de Mazzaropi. Depois, na plateia, a plateia era um show à segmento.

Enquanto mocinhos e bandidos, mocinhas e sogras se ocupavam de levar a intriga adiante, boa segmento do pessoal se entretinha com os doces e pipocas ou conversando com o vizinho. No momento em que Mazzaropi, o caipira, entrava em cena, de um momento para outro o silêncio era totalidade. Todos os olhos voltavam-se para a tela. Em seguida, todos riam. Mas riam do quê?

Mazzaropi vinha com seu caminhar desengonçado. Vendo assim, no filme, parecia que ele era assim mesmo no cotidiano. Depois, começava a falar com um jeito arrastado, caipira, com sua moral interiorana, que não entendia as espertezas dos espertalhões da capital e respondia a eles com sua esperteza de Jeca, e depois de muita luta punha os espertalhões na parede. Mas onde estava a perdão disso tudo, perguntavam-se os críticos.

O cinema de Mazzaropi era uma luta frequente, entre o caipira e o metropolitano. A vida turbulenta da cidade grande. Eventualmente ele já estava na cidade grande e era, por exemplo, chofer de terreiro (hoje dito taxista). Logo se tornava pródigo em dar lições de moral, em ensinar a quem estivesse por perto o que era visível ou inexacto.

Por uma vez foi um fanático corintiano, muito citadino, desses que não suporta palmeirense. Que fazer numa segunda-feira em que o seu time foi derrotado pelo rival? Transpor pelo bairro, de mesa em mesa, comprando todos os jornais do dia.

É uma vez que se a guião se tornasse menor, já que pelo jornal é que a guião se tornava sólida, gritando em letras garrafais que o seu time havia perdido. Não se devia deixar os palmeirenses —ou quaisquer outros— saber do ocorrido.

Nós da cidade custamos a entender que esses caipiras se deslocavam naqueles anos 1950 ou 1960 do campo para a cidade. Essa transmigração é que Mazzaropi captou. Perceptível, Genésio Arruda o precedera, disposto a comprar bondes ou queimar todo o seu moeda num cabaré —em “Acabaram-se os Otários”, de 1931. Mazzaropi era um caipira um pouco dissemelhante, em vez de se apropriar à vida urbana, fazia a vida urbana vir a ele.

Mas, atenção: a plateia não era composta por um monte de caipiras que vinham ao cinema para se vingar dos usos e costumes da metrópole. Era uma classe média endomingada que tinha ali um ponto basta de sua vida social, que introduzia seus filhos ao grande comediante.

Em pessoa, Mazzaropi tinha princípios muito claros. Produzia um filme por ano. O seu filme. Na vez que produziu para outros se deu mal. Ganhava moeda e sabia preservá-lo. Orgulhava-se de seu início na Vera Cruz, com Abílio Pereira de Almeida: em 1952, “Sai da Frente” estourou. Depois que a Vera Cruz faliu, continuou o trabalho, com colegas da antiga companhia na direção ou no roteiro.

Estabeleceu uma relação moral com os fãs. Oferecia ao menos 1h30 de diversão todo ano. Ao contrário de Renato Aragão e seus Trapalhões, que transferiam a popularidade na TV para o cinema, Mazzaropi entendia que brotar na TV desgastaria sua imagem. Nunca apareceu, desde o seriado “Rancho Fundo”, entre 1950 e 1954.

Em 1958, fundou a sua própria produtora, a Pam Filmes. Instalou numa quinta, em Taubaté, o seu estúdio. O equipamento vinha da Vera Cruz: tinha grandes câmeras Mitchell, montes de refletores e equipamento para som direto. Esse último equipamento era o mais importante —Mazzaropi não gostava de dublar seus personagens.

Ainda assim, o declínio veio com o tempo. Primeiro, apegou-se a paródias de filmes estrangeiros —”Uma Revólver para Djeca”, com Djeca no lugar de Django—, ou de novelas da TV —”Betão Ronca Ferro”, com referência a “Beto Rockfeller”, grande sucesso na TV Tupi—. Depois investiu em turismo, levando seu caipira a Bariloche ou Portugal. O público diminuiu. Mas mostrou sua fidelidade quando Mazzaropi voltou ao interno.

Com sua origem circense, Mazzaropi dava a sentimento de que era assim mesmo na vida pessoal. Em segmento, era mesmo. Tudo nele dizia saudação a uma moral do velho interno.

Por exemplo, não era de remunerar muito a atores e técnicos, mas não atrasava o pagamento nem um dia. Mas, quando tinha de brotar dançando mostrava que sabia fazer mais coisas do que se poderia imaginar.

Assim foi até “O Jeca e a Potra Milagrosa”, seu último filme, de 1980. Morreu em junho de 1981, para tristeza de muitos fãs, para consolação dos críticos de cinema que tanto batiam cabeça, tentando entender o que fazia desse Jeca um sucesso tão grande e tão manente.

Agora, esta retrospectiva nos coloca mais perto do primeiro fenômeno da comédia cinematográfica brasileira. Depois viriam Os Trapalhões, depois Paulo Gustavo, numa história de arte popular que talvez ainda tenha um pouco a proferir.

Folha

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