A teoria da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é interessante. Aproveitar o centenário de um dos maiores atores de cinema que o mundo já viu, o italiano Marcello Mastroianni, para trazer um punhado de filmes menos óbvios de sua curso, junto de uma novidade homenagem.
O novo é “Marcello Mio”, do gálico Christophe Honoré. Em seu enredo, Chiara Mastroianni, filha de Marcello com Catherine Deneuve, entra em crise artística e passa a se vestir porquê o pai, imitando seus trejeitos. Sua performance convence e começam a chamá-la de Marcello, numa curiosa relação entre a homenagem e a vida real.
O trabalho de Honoré é geralmente medíocre, incapaz de extrair o melhor das possibilidades do material. Mas Chiara, adiante de um ótimo elenco que inclui Deneuve, salva um pouco o filme de seu diretor. É por justificação dela que a cena na RAI surge porquê o momento inspirado do filme.
O mais macróbio do ciclo é o mais bizarro —”Um Varão em Estado… Interessante”, de 1973. No longa de Jacques Demy, os maiores problemas de um instrutor de autoescola casado com a personagem de Catherine Deneuve começam quando ele descobre estar grávido de quatro meses.
Mastroianni e Demy antecipam em duas décadas o que o ator Arnold Schwarzenegger e o diretor Ivan Reitman fariam em “Junior”, de 1994. No filme de Reitman, é um experimento científico que provoca a gravidez do grandalhão. No de Demy, o caso é um mistério, torna-se epidêmico e remete à intensificação dos movimentos feministas da idade.
Apesar do paisagem político e da curiosidade de ver Mastroianni em papel tão insólito, é um dos filmes menos memoráveis de Jacques Demy, embora tenha ideias visuais muito boas, porquê a da tela dividida por um espelho meio triangular, que remete à pioneira Lois Weber e seu “Suspense”, de 1913.
“O Apicultor”, de 1986, é o primeiro dos dois filmes que Mastroianni fez com o realizador helênico Theo Angelopoulos. O ator interpreta o apicultor helênico que viaja para o sul do país à procura de um tanto que nem ele sabe definir. No trajectória, envolve-se com uma pequena tão perdida quanto ele.
Diz-se que Mastroianni pegou o helênico rapidamente, de ouvido, impressionando o diretor, que esperava encontrar mais dificuldade na barreira das línguas. A presença de Tonino Guerra no roteiro pode ter ajudado nesse sentido.
O cinema de Angelopoulos está num meio-termo estético entre Andrei Tarkovski e Ermanno Olmi. Mas levante filme meio que antecipa a novidade vaga do cinema helênico, com a procura pelo choque.
Em 1987 é lançado “Olhos Negros”, do soviético Nikita Mikhalkov. Grande sucesso recíproco daqueles tempos, hoje está meio esquecido, e é exibido na Mostra numa imitação restaurada e estendida. Tem a verso calculada que parece vestir o uniforme dos festivais europeus. O personagem de Mastroianni viaja de navio no primórdio do século e conta sua antiga história de paixão a um viajante russo.
Mikhalkov não é um grande diretor, mas tem bons filmes na filmografia, porquê “Peça Inacabada para Piano Mecânico”, de 1977, e saberia driblar essa verso uniformizada em “Urga”, de 1991, “O Sol Equivocador”, de 1994, e no seu melhor momento no cinema, “Anna dos 6 aos 18”, de 1993.
A teoria de programar trabalhos menos óbvios tem seu preço. Além de filmes menos celebrados de Demy, e Angelopoulos, temos um problemático de um diretor bom, Mikhalkov, mas claramente subalterno aos outros da secção histórica do ciclo, e um filme menor do grande Raoul Ruiz: o onírico “Três Vidas e Só Uma Morte”, de 1996.
O chileno Ruiz se tornou mormente prolífico quando passou a filmar na França, mas se tornou também um diretor irregular. Nos anos 1980, a maior secção dos filmes que realizou preza pela superioridade. Nos anos 1990, há uma maior variação de qualidade, do mediano ao sublime.
No exclusivamente bom “Três Vidas e Só uma Morte”, vemos as histórias estranhas de três homens interpretados por Mastroianni. Se vale ver o filme é menos por sua qualidade, que existe, embora com palor, do que pela relevância desses dois nomes para o cinema. Convenhamos, é pouco. Mas é sempre prudente rever Ruiz. Suas imagens costumam esconder segredos.
O mais recente do ciclo é também o melhor. “Viagem ao Princípio do Mundo”, de 1997, é dirigido pelo português Manoel de Oliveira, um dos maiores cineastas de todos os tempos.
Neste “road movie” inusitado, Mastroianni interpreta Manoel, realizador que acompanha seu ator gálico em uma viagem em procura de suas origens e, por tábua, das origens de Portugal.
Há uma adorável confusão linguística, que origina uma das cenas mais emblemáticas do cinema de Oliveira, o “por que não fala a nossa fala?”. Um dos momentos em que a verso ultrapassa qualquer conta verosímil, uma raridade que só os grandes conseguem entender.