Mostra Em Sp Apresenta Afeto E Humor Da Fotógrafa Stefania

Mostra em SP apresenta afeto e humor da fotógrafa Stefania Bril

Brasil

Em uma passeio da capital paulista, um menino se encontra deitado, com a cabeça pousada sobre um carrinho de compras. Em suas mãos, uma revista em quadrinhos. A singela e irreverente imagem do cotidiano, ocorrida em 1973, não passou despercebida pelo olhar de Stefania Bril (1922-1992). O momento acabou sendo registrado e vinculado pelas lentes de sua câmera e acabou rendendo uma de suas fotografias mais conhecidas: Menino lê gibi em carrinho de supermercado.

Essa é uma das tapume de 160 fotografias, todas em preto e branco, que foram tiradas sobretudo na dez de 1970 e que, desde a noite dessa terça-feira (27), estão em exposição no Instituto Moreira Salles (IMS), na Avenida Paulista. Chamada de Stefania Bril: indisciplina pelo afeto, é a primeira mostra individual dedicada à obra da artista nos últimos 30 anos.

Nascida em Gdansk, na atual Polônia, Stefania Bril viveu a puerícia e mocidade em Varsóvia. Sobreviveu ao Sacrifício e, ao final da guerra, mudou-se para a Bélgica, onde se graduou em química. Em 1950, ela e o marido migraram para o Brasil, onde começou a trabalhar nas áreas de bioquímica e química nuclear. Foi somente aos 47 anos que começou a atuar com retrato, captando mormente cenas cotidianas nas cidades, com pessoas comuns retratadas em situações de encontro, afeto e humor. “Insisto em ter uma visão poética e levemente zombeteira de um mundo que às vezes se leva a sério demais”, dizia a artista.

Suas fotos registram não só os anônimos e o fluxo da vida, uma vez que também as sutilezas, ironias e contradições do dia a dia. Porquê aquela em que um rapaz está com o corpo estendido sobre a grama, com exceção de seus pés, que estão voltados para a passeio. Ao lado dele, há uma placa, onde se lê: Não pise na grama.

São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano
 - Autorretrato,  c. 1971, Stefania Bril
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação
São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano
 - Autorretrato,  c. 1971, Stefania Bril
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação

São Paulo – Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano – Autorretrato, c. 1971 – Foto Pilha Instituto Moreira Salles/Registo Stefania Bril/Divulgação

“Ela não era uma fotógrafa geral, mas uma fotógrafa do geral”, definiu a curadora Ileana Pradilla Ceron, durante bate-papo na noite dessa terça-feira (27) e que abriu a exposição ao público. “Ela não tinha um lugar específico dentro das convenções. Não era uma fotógrafa de jornalismo e nem de ensaios ou temas específicos. Muitas vezes, temos a sensação de que suas fotos são ingênuas porque não estão tratando dos grandes temas uma vez que os da esfera pública, política ou do poder. Ela não trata de questões de gênero nem de temas exóticos. Está retratando a vida, o cotidiano. Mostra exatamente o que não vemos”, disse a curadora.

“A Stefania tinha essa coisa que não é fácil de conseguir: estar ligada ao pretérito, mas com os olhos no horizonte. Ela deixou essa obra grande e importante, mas também os elos de onde a gente vem. Cada um de nós, se fizermos pequenas coisas, elas se tornarão grandes”, disse a fotógrafa Nair Benedicto que, em 1991, fundou o Nafoto – Núcleo dos Amigos da Retrato, junto com Stefania Bril.

O cotidiano

Os dois grandes temas mais explorados pela artista, disse o também curador Miguel Del Castillo, são as cidades e as pessoas que habitam essas cidades. “Ela vê as cidades com outro olhar. Nos anos 70, fotografando, vê onde a modernidade omissão, onde ela não é suficiente, onde essas cidades modernas não comportam diferenças e não deixam a vida florescer”.

São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação
São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação

São Paulo – Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano – Foto Pilha Instituto Moreira Salles/Registo Stefania Bril/Divulgação

Nessas fotos, traz sempre uma ração de humor e irreverência e também de indisciplina. “O cotidiano, considerado um tema sem valor, é afirmado por Stefania uma vez que espaço de resistência, inclusive em meio a um contexto totalitário uma vez que os anos de chumbo no Brasil, quando fotografava”, afirmaram os curadores.

“O cotidiano representa a saída provável para quem vivia uma estado histórica de repressão”, definiu Cremilda Medina, jornalista, pesquisadora, professora e que conviveu com a fotógrafa. “Essa retrato [do rapaz lendo o gibi deitado com a cabeça sob o carrinho de supermercado] é o símbolo da leitura cultural que Stefania fez nas ruas de São Paulo e no mundo contemporâneo”, destacou.

Sátira e apagamento

Para esta exposição, a seleção foca mormente na produção fotográfica de Stefania, mas também destaca sua atuação uma vez que sátira e agitadora cultural, lembrando que foi a primeira pessoa a assinar uma vez que sátira de retrato na prelo brasileira, tendo trabalhado por mais de uma dez no jornal O Estado de S. Paulo e na revista Iris Foto. Ela também foi responsável por organizar os primeiros festivais de retrato no Brasil e concebeu a Vivenda da Retrato Fuji, primeiro meio cultural em São Paulo voltado exclusivamente para o ensino e a divulgação da retrato, que coordenou de 1990 a 1992.

Apesar de ter produzido mais de 11 milénio fotogramas no período de 1969 a 1980 e de ter deixado mais de 400 textos críticos sobre o tema, sua obra ainda é pouco conhecida no país. Essa falta de reconhecimento nas discussões sobre retrato impediu, por exemplo, que ela se tornasse uma referência na cultura visual do Brasil.

Visitando a exposição pela primeira vez, a arquivista Clarice Ferreira, 26 anos, observou que, apesar de pouca reconhecida e estudada, Stefania era muito conhecida em seu meio. “É meio dicotômico quando a gente pensa sobre isso, porque quando vejo o registo dela de perto percebo que, na verdade, embora o trabalho não fosse exposto ou reconhecido, ela era super conhecida na extensão. Tinha contato com vários fotógrafos brilhantes, uma vez que Evandro Teixeira, Sebastião Salso, Maureen Bisilliat. Me pergunto uma vez que que o trabalho dessa mulher não era reconhecido se ela era tão conhecida por todas as pessoas da extensão naquela estação. Com certeza existe um apagamento e isso se reflete de várias maneiras, até pelo tempo que essa exposição levou para viver”, comentou em entrevista à Sucursal Brasil.

Para Clarice, o trabalho de Stefania traz sempre um olhar dissemelhante. “Sua retrato é muito sensível, um olhar que realmente os fotógrafos da estação não estavam interessados em passar. Aliás, a forma uma vez que lia a retrato também era muito interessante. E, não obstante, ela virou sátira e curadora. Tinha um jeito muito dissemelhante de conduzir o trabalho e basicamente não estava nem aí para o que as pessoas iam pensar. Fazendo o que queria, chegou muito longe”.

São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação
São Paulo (SP) 28/08/2024 - Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Stefania Bril/Divulgação

São Paulo (SP) – Mostra em SP apresenta o afeto e o humor de Stefania Bril em seus retratos do cotidiano – Foto Pilha Instituto Moreira Salles/Registo Stefania Bril/Divulgação

O assistente de retrato Humberto Felga, 24 anos, que não conhecia o trabalho de Stefania, destacou que sua obra deveria ser mais reconhecida. “É um nome que já devia vir à tona há muito tempo e que foi desvanecido. Portanto, estou feliz de estar conhecendo agora o trabalho dela. O que me labareda a atenção é esse registro de vida. Notei essa fardo cômica que ela tem. Tem uma foto de uma petiz, inclusive, que diz ‘eu sou corajosa’ e é uma petiz super posturada, com olhar. Não sei se é exatamente o que ela estava escutando ou o que estava vendo na hora, mas ela trouxe num título essa narrativa”.

A exposição, que é gratuita, fica em papeleta até o dia 26 de janeiro. Mais informações sobre a mostra podem ser obtidas no site do IMS.

Fonte EBC

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