Polaroides em acrílico com negativos e positivos fotográficos desafiam o visitante a uma revelação instantânea. Qual peça de um jogo da memória corresponde à que segura nas mãos?
Nas imagens, operários da obra do Núcleo Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo, no Crato, sobre 600 km da capital do Ceará, posam para retratos feitos com a câmera de lambe-lambe do fotógrafo pernambucano Luiz Santos.
Em 2021, quando o artista visual chegou ao lugar em plena reforma junto do xilógrafo cearense Carlos Henrique Soares, a proposta dos dois era interagir com os trabalhadores, criando uma indeterminação provisória entre atividades da arte e da construção social.
O resultado desse diálogo está na exposição “Prenascimento”, que comemora os dois anos de inauguração do meio cultural, em abril de 2022.
O prédio, que ocupa um terreno de mais de 50 milénio metros quadrados na periferia do Crato, foi construído na dez de 1940 para sediar um seminário religioso e, a partir de 1973, abrigou um hospital, desativado em 2014.
O espaço, dirigido pela secretaria de cultura do Ceará em parceria com o Instituto Mirone, foi ajustado e agora conta com quatro galerias, um teatro com 500 lugares, anfiteatro, áreas técnicas, laboratórios de artes e ofícios, livraria, apartamentos para residências artísticas e um planetário.
A mostra, no átrio do prédio, pretende levar o público a uma mergulho gradual nas reflexões da arte, uma vez que afirma Rosely Nakagawa, diretora da instituição e fundadora da primeira galeria de retrato de São Paulo, a Fotoptica, com Thomaz Farkas, em 1979.
“Meu trabalho sempre foi muito voltado para a formação. Não acredito que exista um espaço que tenha o público só para fruição, acredito muito em uma interlocução mais próxima do artista com o público, do artista com o artista”, avalia Nakagawa.
“Nós queremos fazer uma conexão nivelado e vertical, não separar a cultura popular da cultura contemporânea, e as equipes foram montadas pensando da mesma maneira.”
Um dos nomes é Bitu Cassundé, gerente de patrimônio cultural e memória do meio cultural, nascido no Ceará e com experiência em curadorias por todo o país. Outro é Américo Córdula, gerente de teatro, que ocupou cargos no Ministério da Cultura durante as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira.
As xilogravuras de Soares demonstram essa atenção às manifestações locais. O artista produziu 45 ex-libris, xilogravados em madeiras da obra, representando elementos associados aos operários. Alguns deles, uma vez que o de Cícero, relaxando em um ofurô sem perceber uma serpente que ronda a banheira, leva a imaginação para um poema de cordel.
O xilógrafo apresenta ainda o carrinho “Xiloambulando”, inspirado no de vendedores de tapioca da região e equipado com uma prensa para imprimir imagens das matrizes.
O meio cultural, referência para os 29 municípios do Cariri cearense, é um parque com áreas verdes para fruição junto à natureza, quadras para esportes e pistas de skate. Nos finais de semana, recebe tapume de três milénio pessoas, por vezes, atraídos para outras atividades, mas que acabam explorando as exposições nas galerias do prédio.
“A gente vê lá no guarda-volumes que tem muchacho que entra com a chuteira, guarda lá para poder visitar e às vezes esquece, esquece a globo, e esse público normalmente não visitaria se fosse um museu”, diz Nakagawa.
A pasteleira Maria Elena Alves, 55, é uma das frequentadoras que vai às galerias quando está de passagem: “Cá sempre tem novidades”, afirma. Segundo um balanço da instituição, em 2023, o meio cultural recebeu 635 ações em diversas linguagens e alcançou um público de quase 400 milénio pessoas.
Entre as últimas exposições no lugar está “Encarnado”, do artista cearense Efrain Almeida, que combina elementos da cultura nordestina, uma vez que ex-votos e pássaros da fauna lugar, com aspectos autobiográficos. E a mostra “Terreno em Transe”, curada por Diógenes Moura, com tapume de 700 fotografias do contexto sociopolítico brasiliano.
Para os próximos meses, estão previstas exposições de Sérvulo Esmeraldo, pioneiro da arte cinética no Brasil; uma coletiva de artistas da região e uma mostra da fotógrafa mexicana, Graciela Iturbide, que vai explorar relações entre o México e o Ceará. “São conexões que a gente aproveita para expandir a nossa relação com o território”, diz Nakagawa.
O jornalista viajou a invitação do Núcleo Cultural do Cariri