Mostra Reúne Obras Da Carreira De Maria Lira Marques

Mostra reúne obras da carreira de Maria Lira Marques

Brasil

A exposição Roda dos Bichos, que reúne trabalhos de toda a curso da artista Maria Lira Marques, de 79 anos, estreia neste sábado (2), no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista. Entre pinturas e esculturas estão peças nas quais utilizou barro tirado das encostas mineiras para produzir cerâmicas e pigmentos naturais. A mostra vai até 26 de maio.

A mostra é dividida entre as três salas à esquerda do grande hall. Na primeira, redonda, estão as pinturas em seixos de rio e outros trabalhos em papel. A segunda traz diferentes grupos de obras e famílias de bichos, reunindo grande secção dos trabalhos apresentados na exposição.

Já a terceira sala, além de apresentar obras do início da curso de Maria Lira, é dedicada a contextualizar seu trabalho e relação com o Vale do Jequitinhonha, com documentos, objetos, cantos e fotografias. Há ainda a apresentação de um curta-metragem produzido principalmente para a exposição, exibindo seus cantos, trajetória e obra.

Os curadores Paulo Miyada e Sabrina Fontenele ressaltam que a produção é profundamente marcada pelo imaginário do semiárido mineiro e que a artista se destaca por desenvolver uma linguagem único, pintando em pedras ou sobre o papel seres que habitam seu universo. “Os bichos do sertão de Lira vivem na paisagem imaginante que se forma na sonância entre a artista e o território. Tomam assento na superfície arredondada de seixos de rio, delineiam-se entre manchas feitas de chuva, cola e pigmentos minerais”, afirmou Miyada.

“Reaparecem enquadrados em planos de tons de vermelho, ocre, branco e amarelo, sozinhos ou em grupo, muitas vezes junto a símbolos-runas que traduzem elementos mais-que-humanos. São bichos de terreno, marcam-se na terreno, e estão sempre grávidos de movimento”, disse o curador. 

Nascida no município de Araçuaí (MG), no Vale do Jequitinhonha, Maria Lira é ceramista, pintora e pesquisadora autodidata. O interesse por esculturas surgiu por volta dos cinco anos, observando a mãe gerar peças em barro para presentear vizinhos. Com cera de zangão, que o pai usava na sapataria, a artista moldou suas primeiras peças. Ainda na puerícia, na procura por desenvolver suas habilidades, aprendeu a mourejar com o barro junto a uma vizinha, uma artesã e ceramista da região conhecida por “Dona Joana”.

“Ela já era bastante velha, e com ela eu aprendi muita coisa. Ela me levou no lugar onde tirava o barro, foi me explicando porquê tirar a terreno, olhar a ocasião de lua para tirar a terreno, para não quebrar, não rachar, os tipos de madeiramento e os tipos de ramaria para queimar, para a peça obter um perceptível fulgor. Eu aprendi muita coisa para melhorar o meu trabalho em questão de técnicas perguntando às pessoas”, contou Maria Lira.

Na dez de 1970, conheceu Frei Chico, pregador holandês, camarada e parceiro profissional, com quem trabalhou para documentar a cultura popular do Vale do Jequitinhonha, gravando cantos e rezas tradicionais. Resultado dessa parceria, a cidade ganhou também um museu devotado à história e cultura popular da região.

Em seguida diagnóstico de uma tendinite, Maria Lira precisou trocar a produção de esculturas pela pintura, usando o barro em diferentes tonalidades porquê pigmento para traçar. Em viagens junto a Frei Chico, eles recolhiam porções de terreno para que a artista utilizasse em suas peças. A Filial Brasil entrevistou a artista, que contou passagens de sua trajetória.

Confira os principais trechos:

Filial Brasil: Porquê surgiu o interesse em esculturas a partir do barro?
Maria Lira Marques: Tudo começou vendo minha mãe trabalhar. Ela, todo ano, fazia os presépios de Natal e doava pros vizinhos lá da minha rua. Todo mundo ficava detrás dela para fazer os presepinhos. E eu, pequena, a via trabalhar e logo me interessei em querer aprender. Ficava ao lado dela, vendo-a manusear o barro. Só que as primeiras pecinhas que fiz foi com cera de zangão. Meu pai era sapateiro e tinha bastante cera de zangão em vivenda. E eu achava interessante pegar o bolo de cera e chegar na brasa, liquidificar a cera e manusear, fazer as pecinhas. Depois eu comecei a usar mesmo o próprio barro. Porque aquilo eu já gostava, de mourejar com barro. E, já com aquela intenção, eu pensava assim: eu quero ser o que minha mãe é.

Filial: Qual era sua inspiração para produzir as esculturas?
Maria Lira: Eu paladar muito de frase de rosto e de observar o rosto das pessoas. E minha mãe falava muito de tópico do preto, contava muito caso de escravidão, casos muito tristes. Eu tenho sucessão de preto e de índio na família, eu sou negra. Eu paladar de expressar rosto do preto. Quando não é do preto, é do índio. Mas não é só máscara que eu faço, faço também figuras.

Quando eu quero mostrar, por exemplo, um caso de exploração, de um problema social, eu posso mostrar isso no barro. Se eu soubesse fazer verso, se eu quisesse mostrar isso na música, pode mostrar no teatro, mas eu mostro essa leitura no barro. Eu tenho a peça do parto, e esse parto que eu fiz não é simplesmente uma mulher ter o fruto, mas é a luta de todas as mulheres, não só do Vale do Jequitinhonha, mas de todo o mundo. É uma pessoa que está lutando, que está pelejando para sobreviver.

Filial: Qual foi a preço do encontro com o Frei Chico?
Maria Lira: Uma vez, percebendo o meu trabalho porquê artesã, ele me ajudou muito a ir pra frente, a crescer, a dar valor, a falar comigo da preço daquilo que eu fazia, para a gente não ceder. O trabalho junto com ele foi maravilhoso, porque com ele também eu aprendi a valorizar a minha própria cultura, fazendo os trabalhos de pesquisa sobre a cultura popular no Vale, de gravar os cantos de roda, os cantos de trabalho, os cantos de canoeiro, de tropeiro, os acalantos, cantos para pedir esmola. 

Tudo isso nós gravamos. Depois, entramos na secção da religiosidade popular, os cantos de penitência, os benditos, os louvores de anjos. Você não acha em nenhum livro escrito essa cultura dos pobres. E a intenção dele era ter um coral, em Araçuaí, que cantasse todo esse tipo de música.

Gravamos 250 fitas cassete [com cantos da população local], depois pegamos, fita por fita, para fazer índices. Depois plagiar tudo que estava nessa fita sem mudar zero. Ele falava comigo “Lira, o que você não entender, no plagiar das fitas, você põe interrogação para depois a gente escutar direitinho ou perguntar à própria pessoa”.

Todo esse trabalho de pesquisa, nós dois fizemos. O Coral Trovadores do Vale, faz 50 anos, ele criou para a gente trovar tudo o que fosse do povo, justamente para valorizar essa cultura que não está escrita em livros, a tradição verbal dos pobres. Eu estou com 79 anos e ainda participo do coral. Cheguei logo mal ele fundou o coral.

Filial: Porquê foi o início do Museu de Araçuaí, junto ao Frei Chico?
Maria Lira: Depois do coral, ele falou pra mim “Lira, você me ajuda a gente fazer um museu?”. Eu falei “eu ajudo”. Quando ele falou, eu me entusiasmei. Quando ele falou para mim que ele queria um museu com as coisas de uso que as pessoas tinham em vivenda, e eu conhecia muito as pessoas onde tinha o material, logo, não foi difícil para a gente. Ele me ensinou a fazer o fichário, me ensinava tudo.

Logo, quando se ganha uma peça ou, se alguém não quiser doar, explicar a finalidade do museu, cá em Araçuaí, pras pessoas. Ele queria esse museu, onde tudo que tivesse no museu era de uso do pessoal mais simples. E eu consegui, quando eu falava, as pessoas doavam, raramente a gente comprava alguma coisa. Ele me ensinou a fazer o fichário, o nome da peça, porquê usava aquilo que tinha ganhado, a data, o nome da pessoa, em que lugar eu peguei aquela peça, se foi em Araçuaí ou se foi na zona rústico, na vivenda de outra pessoa.

Filial: Sobre as suas pinturas, me conta um pouco das coletas de terras coloridas que a senhora fazia em das viagens?
Maria Lira: Depois que Frei Chico mudou de Araçuaí para Belo Horizonte, todo ano ele ia lá no mês de outubro para fazer a sarau do Rosário. Na volta, eu ia junto com ele e ele falava, “Lira, no caminho, todas as terras que você ver, você fala comigo que eu paro o sege para a gente coletar essas terras pr’ocê”. E foi dessa maneira, com as idas dele, porque ele se interessava muito pelo meu trabalho, muito pelo meu prolongamento, pela minha arte. Ali em Diamantina nós coletamos muita terreno, tem muita terreno colorida ali na Chapada.

Esses pigmentos não é assim em qualquer terreno não, é terreno mesmo mineral. Em Belo Horizonte também nós coletávamos muita terreno, ali na [região da] Mannesmann [siderúrgica], em lugares que a gente via que tinha veia de terreno, mais é nesses lugares que a gente encontra, onde mexe com lavrado, que às vezes tem ouro, é que dá esse tipo de terreno, às vezes uma margem de rio. Eu tenho muita terreno colorida lá colocada em vidros, transparente, que você pode ver a cor dos barros, das terras. Tem terreno amarela de várias tonalidades, o branco, o roxo e outras cores. É um portento a terreno, viu? É saber olhar a terreno para você encontrar essa grandiosidade de cores.

Fonte EBC

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