“O Mal Não Existe” começa e termina na floresta, com a câmera mirando do solo o topo das árvores enquanto se desloca, sempre em risca reta. Uma cena simples, mas que cria um efeito hipnótico na fusão do vertical —do olhar— com o nivelado —do movimento.
A gente descobre no início que essa visão vem de uma rapariga, que procura naquela floresta pelo pai, um faz tudo. Mas ela não consegue evitar de olhar para cima, e o testemunha entende rápido o porquê. Da cadeira do cinema, parece que vemos um rio no firmamento, com curso formado nas brechas dos galhos e folhagens daquelas árvores.
A imagem implica o estabilidade originário das coisas, mas também vem acompanhada das notas soturnas da trilha sonora de Eiko Ishibashi. O filme está nos créditos iniciais e mal apresentou os seus personagens, mas já anuncia que alguma coisa à espreita. Só não se sabe o quê, nem o que quer.
O tema ecológico se manifesta porquê uma fábula. “O Mal Não Existe” acompanha as tensões de uma pequena comunidade nas montanhas japonesas com um empreendimento da metrópole. A simbiose entre varão e natureza do lugar está em risco pela construção de um acampamento de luxo.
Mas o culpado é mais soturno do que aparenta. Porquê o próprio título diz, o mal não existe na história, não pelos menos ao alcance do olhar.
Ryusuke Hamaguchi, o diretor do filme, é paciente com o mistério que propõe. Os primeiros 20 minutos servem porquê um prólogo estendido e acompanham a rotina daquela pequena família. O ritmo, cómodo e minucioso, lembra o trabalho anterior do cineasta, o premiado “Drive My Car”.
O longa cria a sua trova nas atividades do pai, que com paciência coleta chuva para moradores, corta lenha para vivenda e até identifica uma pena para a filha.
A elegância de Hamaguchi está nos detalhes. Em claro momento, ele estabelece a intervalo curta do vilarejo para a floresta em um único projecto. Com a câmera na traseira do coche do pai, mirando a rua deixada para trás, o filme mostra em segundos o trajectória quando ele procura a filha na escola.
Tudo no vilarejo lembra uma utopia bucólica, portanto a aproximação de um negócio de fora naturalmente gera um sonido ali. O estranhamento já começa na manhã seguinte, quando representantes do negócio fazem uma apresentação aos moradores.
A dupla, um varão e uma mulher, se esforçam para convencer a vila de que o acampamento, um “glamping”, traz benefícios comerciais a todos. Mas os argumentos caem por terreno quando eles abrem para perguntas do público, com muitos problemas apontados pelos habitantes.
A cena é sem incerteza a mais engraçada da curso de Hamaguchi, o que é surpreendente considerando os filmes melancólicos que já fez. Os questionamentos à apresentação viram um massacre de retórica, dilacerando os dois estranhos até em postura.
A situação lembra um incidente de “The Office” por uma lógica de “Bacurau”, com a posição da fossa séptica no acampamento servindo de gatilho.
Mas zero em “O Mal Não Existe” chega ao ponto da violência do filme de Kleber Mendonça Rebento. A reunião termina com as duas partes de combinação sobre as deficiências do projeto. O líder lugar defende que a comunidade quer ajudar o negócio, enquanto os representantes se comprometem a buscar uma solução.
Essa negociação das partes é o setentrião da narrativa, que aos poucos revela uma sátira franca à isenção dos maus atos. De volta à cidade, os dois representantes tentam negociar com os seus superiores, mas eles preferem a solução rápida e desonesta. Eles tem pressa porque o governo nipónico concede um subvenção ao negócio por estimular a economia no pós-pandemia, e o quantia está para ser suspenso.
A sátira ao capitalismo tardio fica evidente aí, e o filme se concentra nas más conciliações desdobradas dessa decisão —o que inclui a comunidade. Hamaguchi equilibra a trama entre o humor e o suspense, sempre para apequenar os estranhos dentro daquela região.
A intervalo física de cada núcleo para a floresta também dá o tom do sinistro em movimento. Se o pai e a filha do início moram na floresta, os dois subalternos da empresa demoram meio dia para chegar à região —os donos do negócio, portanto, nem veem a cor das árvores.
Daí em diante vale preservar as pequenas reviravoltas, mas tudo o que acontece é surpreendente para o cinema de Hamaguchi. O diretor vive uma curso meteórica nos festivais, inclusive neste filme que lhe rendeu um prêmio do júri no Festival de Veneza. Mas ele até portanto se concentrava em histórias urbanas e sobre fantasmas, privilegiando o lado individual e a relação com o pretérito.
Desta vez, porém, Hamaguchi olha para o porvir. Ele faz um filme rasgado na comédia, próximo da sátira, e dá um golpe no estômago do público no desfecho. As suas assombrações ainda estão lá, em um final que brinca com o mistério.
O que nos leva de volta ao topo das árvores. Em meio ao final impactante de “O Mal Não Existe”, a câmera volta a encarar o firmamento da floresta, no mesmo progresso vagaroso do início. Nesse momento, o testemunha pode pensar que o rio desenhado pela ramagem está contaminado, e o pior é que ele deve estar correto.