Mulheres Superam Homens No Tiro Olímpico 20/07/2024 Esporte

Mulheres superam homens no tiro olímpico – 20/07/2024 – Esporte

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A desportista de tiro esportivo Georgia Furquim não teve muitas referências femininas para se espelhar na curso. Resgata da memória o nome de Andrea Bonato, que competia nas modalidades compak (uma das variações de tiro ao prato) e trajectória de caça, mas nunca chegou perto de uma Olimpíada.

Geórgia é a primeira brasileira da história a invadir uma vaga no skeet, modalidade de tiro ao prato com espingarda, por classificação direta. Em 2016, Daniela Carraro representou o Brasil na modalidade nos Jogos do Rio, em uma vaga destinada ao país-sede.

A desportista gaúcha, oriundo de Santa Maria, traça um caminho quase solitário no tiro esportivo feminino, já que só oito brasileiras representaram o país numa disputa olímpica. O esporte, entretanto, é um dos poucos em que elas competem em paridade com os homens, e muitas vezes os superam.

A Folha analisou a pontuação de mais 2.300 atletas de tiro olímpico desde 1968 e os dados indicam que as mulheres disputam em paridade com homens, em próprio no tiro com carabina. Outros estudos internacionais chegam a conclusões semelhantes.

Para confrontar as performances entre homens e mulheres, a reportagem precisou padronizar as pontuações, já que por alguns anos as regras foram diferentes entre os gêneros (eles atiravam 125 vezes; elas, 75). O número de disparos voltou a ser o mesmo para as duas categorias em 2018, e isso não alterou o desempenho das mulheres, uma vez que mostra um estudo de 2019 da Universidade de Madrid, que considerou 292 atiradores que competiram nos Campeonatos Europeus.

A Folha utilizou as pontuações da tempo classificatória das Olimpíadas, lanço na qual todos os atletas participaram.

O levantamento identificou que as mulheres representam mais de 50% das 10 melhores pontuações em 62% das classificatórias de Olimpíadas na modalidade carabina de ar 10m. Em 2008, ocuparam as quatro primeiras posições.

Já na carabina 3 posições, o desempenho não é superior, mas segue notável: de 14 Olimpíadas, elas respondem por ao menos 30% do top 10 em sete edições e 50% ou mais em quatro. Considerando todos os eventos desde 1964, foram top 1 em 42% das vezes nessa modalidade.

Nas pontuações de revólver, as mulheres são menos frequentes entre as melhores pontuações, mas nas vezes em que aparecem, estão em 1º lugar, uma vez que em 2008 e em 2020.

Ao considerar todos os segmentos de tiro olímpico, as mulheres respondem por 71% das melhores pontuações (em 10 de 14 Olimpíadas). Nos Jogos de Tóquio em 2021, quatro de cinco modalidades teriam liderança feminina na tempo classificatória se o esporte fosse disputado sem separação de gênero.

Os dados foram obtidos no site Olympedia, já que a página do COI (Comitê Olímpico Internacional) não possui detalhes de todos os eventos, e na página da ISSF (Federação Internacional de Esportes de Tiro), para o caso de Rio 2016.

A principal explicação para esse estabilidade entre gêneros é que a força física, determinante na maior secção das modalidades, não impacta tanto uma vez que concentração e controle.

Entusiastas do esporte dizem que a diferenciação de regras servia somente para não ser provável confrontar desempenho entre homens e mulheres. Procurada mais de uma vez, a ISSF não respondeu aos emails para explicar essa motivação.

A risca do tempo olímpica começou com disputas mistas. Em 1976, a americana Margaret Murdock empata em ouro na carabina 3 posições com o compatriota Lanny Bassham, que venceu o desempate e ficou com a medalha. Ele chamou Murdock para dividir o posto mais cimalha do pódio na celebração.

Em 1984, a federação internacional decide dividir os gêneros para as modalidades que não envolvem tiro ao prato: carabina 3 posições, carabina de ar e revólver de ar.

Em 1992, a chinesa Zhang Shan leva a primeira medalha de ouro de uma mulher no skeet, que ainda era misto. Depois, a federação estipula que todos os eventos só serão abertos a homens.

Em 2000, mulheres voltam a competir no skeet olímpico, mas sob regras diferentes, com menos tiros. Somente em 2018, as regras voltam a ser a mesma para todos, o que também permitiu a verificação de atletas em termos absolutos.

O estudo da Universidade de Madrid, elaborado por Daniel Mon-López, Carlos Tejero-González e Santiago Calero, sugere que esportes nos quais a força física é um fator menor devem revisar seus regulamentos para gerar maior paridade de gênero nos esportes.

Os acadêmicos concluíram que, nas provas com tiro de revólver, a performance entre homens e mulheres variou de 0,9% a 1,89%, percentual muito subalterno ao de esportes uma vez que a natação, que gira em torno de 10%.

“Em contraste com quase todos os esportes nos quais homens têm uma performance absoluta melhor do que as mulheres, o estudo apresenta evidências de que não há diferenças entre homens e mulheres no tiro de carabina”, dizem.

Além de a força física ser menos determinante, outras características impactam o tiro, uma vez que estabilidade, precisão e coordenação motriz.

Jodson Edington, presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo e bronze nos Pan-Americanos, diz que a separação de gêneros ajuda a fomentar a participação de mulheres no esporte. Segundo ele, o tiro esportivo no Brasil possui quase 100% de praticantes amadores e ainda com a quantidade de atletas homens próxima a 90%.

“A separação também faz com que muitos países que ainda possuem uma cultura muito machista tentem estimular e fomentar a prática do tiro esportivo pelas mulheres com o objetivo de terem mais possibilidades de invadir medalhas.”

Geórgia, por sua vez, optaria por competir com homens. “A gente precisa de mulheres no esporte e a ramificação de gêneros ajuda nisso, mas não significa que o resultado que busco deveria limitar a ser a primeira das mulheres, a gente quer ser a primeira universal”, afirma.

Em Paris, Geórgia estará ao lado de Geovana Meyer, que disputará a carabina de ar 10m e a carabina 3 posições 50m. Com elas, o Brasil chega à tímida marca de 10 mulheres na história olímpica.

Primeiro ouro do Brasil veio do tiro

O feito ocorre mais de um século depois de o país invadir seu primeiro ouro, que veio justamente do tiro. Nos Jogos da Antuérpia, na Bélgica, em 1920, Guilherme Paraense venceu a disputa da revólver de tiro rápido 25m.

Naquele mesmo ano, o time formado por Paraense, Afrânio da Costa, Sebastião Wolf, Dario Barbosa e Fernando Soledade conseguiu o bronze na prova de revólver 50m por equipes. Afrânio da Costa ainda levou a prata nos 50m de revólver livre 60 tiros.

Depois disso, o Brasil viveu um hiato no tiro esportivo até o Rio, quando Felipe Wu ganhou a prata na revólver de ar 10m.

As brasileiras se destacaram em Pan-Americanos com dois bronzes e em Campeonato das Américas, com três ouros.

“Sempre tive pânico de sonhar com a Olimpíada. Sempre fui uma pessoa muito tímida, sempre tive meus pés muito no soalho, mas é óbvio que meu objetivo era esse, eu só nunca verbalizei”, diz Georgia, que embarca para Paris na segunda-feira (22).

Se a história do tiro começou com homens, Georgia, suas colegas e as pontuações internacionais mostram que elas podem mirar tão longe quanto eles, ou ainda mais.

Folha

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