O mundo perdeu um de seus maiores. Podemos escolher substantivos para esse superlativo. Fotógrafo —Sebastião Salso certamente foi uma das grandes estrelas dessa arte. Redactor —dizia que não, mas seus livros, entre os mais vendidos do planeta, contêm textos brilhantes que ele escreveu. Político —talvez você não saiba, mas ele pensou e atuou na política não partidária por toda a vida, tanto que se exilou na França para evadir da ditadura militar antes que o pegassem por sua militância. Economista —com ótimos trabalhos antes da retrato e depois porquê gestor de empresas, próprias ou cooperativas. Marido, pai, colega, esteta, ativista, influenciador. Tantas coisas que a retrato genial até obscurecia.
Tão logo a notícia foi divulgada, líderes indígenas brasileiros me ligaram emocionados ou chorando —Afukaká Kuikuro, do Xingu, Beto Marubo, do Vale do Javari, Francisco Piyanko Ashaninka, Davi Kopenawa, Biraci Brasil Yawanawá. De todos os cantos indígenas, há uma sensação de que perdemos um irmão mais velho.
Quando Sebastião Salso resolveu abraçar a questão indígena de forma mais intensa, diante da percepção de que o resto do Brasil assiste inerte à devastação das condições de vida dos povos originários, ele mobilizou prensa, políticos, ministros do Supremo Tribunal Federalista e seus amigos do mundo inteiro. A lista de signatários de seu movimento contra o descaso do governo de Jair Bolsonaro durante a pandemia é repleta de gente de imensa influência política e cultural no mundo todo. A mobilização foi tal que inúmeros respiradores, remédios e recursos foram levados a áreas indígenas, contra a vontade do governo federa, com a decisão da Suprema Namoro.
Minha farra para Tião era a de que Aimorés —sua cidade natal, em Minas Gerais— e o mundo perderam um cantor e ganharam um fotógrafo. Ele dizia que Aimorés era pequena demais para dois grandes cantores —no caso, Altemar Dutra já tinha ocupado o espaço. Foi uma boa troca. Mesmo assim, Tião cantava o tempo todo —trabalhando, em lar ou caminhando pela rua.
Cascatinha e Inhana faziam a trilha sonora ideal para o momento de fotografar indígenas. Ele imitava a voz, cantando “índia, seus cabelos”. A música servia para distrair os retratados no estúdio. No tempo da retrato em filmes, a troca dos rolos levava uns minutos, e as pessoas tendiam a perder a concentração. Ele cantava para espantar a dissipação. O hábito permaneceu posteriormente a digitalização.
Era para ter sido economista. O jovem par Lélia e Tião, vindo do Espírito Santo, se juntou para morar em São Paulo para ele estudar economia, enquanto ela fazia arquitetura. Em seguida, fez um mestrado e ia muito na secretaria estadual da Quinta. O par dedicava segmento de seu salário para concordar militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura.
Um companheiro de militância foi recluso em 1969, e eles perceberam que o cerco estava chegando. Com a ajuda do empresário José Mindlin e da filha Bety, antropóloga e amiga de longa data, conseguiram uma passagem em um navio do Loyd Brasílico para a França e se foram para o exílio. O economista ia muito e arrumou um bom ocupação na Organização Internacional do Moca, em Londres, para onde se mudaram.
A retrato, porquê tantas outras coisas que se tornaram fundamentais na vida de Tião, veio de Lélia, que, além da arquitetura, tinha aulas de artes plásticas. Para isso, sua mulher precisava de uma máquina fotográfica e o par usou suas economias para comprar uma câmera Asahi Pentax.
Tião adorava saber sobre as pinturas renascentistas que Lélia estudava e observava nos museus —perspectiva, claro-escuro, as formas clássicas. Eles aprendiam juntos. Mas um dia ele pegou a câmera dela, passou a viajar com a Pentax e se apaixonou. Voltava das viagens a países da África com mais paixão pelas fotos do que pelos relatórios de desenvolvimento de produção de moca.
Resolvido a mudar, Tião logo indicou para o missão o colega Henri Philippe Reichstul, e voltou para Paris com Lélia. A troca foi boa —Reichstul provou ser um bom economista, e Sebastião Salso, de volta a Paris, virou um dos maiores fotógrafos do mundo.
Ele fazia o projeto da Amazônia, fotografando florestas e povos originários desde o termo dos anos 2010, durante a produção do livro “Gênesis”. Um dia, teve oportunidade de visitar os korubos, os “índios caceteiros”, pela violência com que usavam a borduna —e não roda e flecha— em ataques a inimigos. Tião achava que os ataques de garimpeiros à região do Vale do Javari estavam perigosos para seus povos e quis levar em sua expedição um repórter.
Eu voltava de uma pesquisa de doutorado em Londres e faltava pouco para proteger minha tese sobre retrato de guerra, no final de 2017. O telefone tocou. “Leão, cá é o Sebastião Salso.” Não sei porquê você acha que pode confrontar, mas se você é religioso, pense no arcanjo Gabriel. Se é comunista, pense que Fidel Castro está na risca. Ou Einstein. Era a terceira vez que o antropólogo Beto Ricardo, nosso colega em generalidade, respondia com meu nome quando Tião perguntava quem era o repórter que o deveria seguir em uma expedição a terras indígenas. Nas duas vezes anteriores, ele optou por Miriam Leitão e Arnaldo Bloch e juntos fizeram bonitos trabalhos para o jornal O Orbe.
Na terceira vez, ele aceitou a sugestão e me ligou. Contei que tinha uma poste neste jornal e ele fez a sugestão. “Uma foto com uma chamada de capote e dez páginas em um caderno peculiar.” Ele já tinha feito outros projetos desse porte com o jornal, porquê em “Trabalhadores” e “Êxodos” —e adorava expressar que “trabalhou” na Folha.
Na estação, falei com Sergio Dávila, que conversou com Otavio Frias Rebento. Os dois toparam e lá fui eu encontrar Tião na terreno dos korubos. O jornal gostou, e Tião decuplicou a aposta —dez cadernos especiais sobre povos indígenas na Amazônia. O jornal topou e lá vieram —ashaninkas, marubos, suruwahás, zoés, yanomamis, yawanawás, Xingu, Serra Pelada e paisagens amazônicas. Foram dez cadernos sobre etnias indígenas da floresta Amazônica, publicados de 2017 a 2021, o maior conjunto editorial já publicado sobre indígenas no Brasil em toda a história da prensa do país, porquê sempre gostou de ressaltar Beto Ricardo, fundador do Instituto Socioambiental
Tião tinha razão em seus temores sobre o Vale do Javari. Uma das pessoas que nos ajudou a chegar aos korubos foi o patrão da Funai, a Instalação Vernáculo dos Povos Indígenas, na região, Bruno Pereira. Pouco depois, Pereira pediu destituição diante da transformação da Funai em um órgão contra os indígenas, sob o governo Bolsonaro. Em seguida, foi morto ao lado do repórter Dom Phillips, do jornal The Guardian
Sebastião Salso morreu um dia antes de um de seus sonhos se realizar —a exposição de seu fruto mais novo, Rodrigo, que tem síndrome de Down, em uma catedral dessacralizada da cidade de Reims, no interno da França. “Rodrigo, Une Vie d’Artiste”, ou Rodrigo, uma vida de artista.
Doze obras de Digo, seu sobrenome, foram transformadas em vitrais ao estilo renascentista. A sinceridade da mostra está mantida para leste sábado. Num desses episódios misteriosos da vida, a data se tornará um marco de reconhecimento à arte do fruto e homenagem ao pai, na firme presença de seu grande paixão, Lélia, e do fruto mais velho, Juliano, cineasta indicado ao Oscar com o documentário “O Sal da Terreno”, que ele dirigiu com Wim Wenders.
Depois de outras homenagens na França, Salso deve ser cremado e suas cinzas enterradas no Instituto Terreno, que Lélia idealizou na rancho onde Tião foi criado, em Aimorés. Hoje, o cineasta Juliano cuida da ampliação do instituto para que ele recupere nascentes na bacia do rio Gula, para resgatar o perfil do rio porquê era quando Sebastião Salso era pequeno. É mais uma das muitas facetas de Tião, o ambientalista que apostava que quem vegetal florestas colhe chuva.
Que suas águas abençoem o Vale do Rio Gula. Porquê suas imagens emocionam o mundo.