O novo Museu do Futebol quer provar, em sua reabertura, que o futebol é segmento inseparável da cultura brasileira e que pode também ser espaço importante para discussões sobre o racismo e o protagonismo das mulheres. “O conhecimento do Brasil passa pelo futebol”, escreveu o romancista José Lins do Rego.
Depois um período fechado para reformas, o Museu do Futebol reabre ao público nesta sexta-feira (12) renovado. O museu se tornou mais diverso, inclusivo e recreativo, ganhando novas salas, mais recursos de acessibilidade e dedicando espaço próprio ao ex-jogador Edson Arantes do Promanação, Pelé, que morreu em 2022.
O Rei Pelé, inclusive, continua dando as boas-vindas ao público, logo na ingresso do museu. A Rainha Marta, jogadora brasileira considerada seis vezes a melhor do mundo, recepciona o público na última sala. Projetada em tela de tamanho procedente, Marta se despede do público ao termo do trajectória de visitação falando em português, inglês, espanhol e em libras, convidando o visitante a retornar ao museu.
“Não queríamos perder todo o concepção que já existia. Ele é um museu que foi inaugurado há 15 anos, mas continua muito moderno até hoje. Só que, naquele tempo, ninguém dava a devida influência ao futebol feminino. A gente não falava sobre – embora já existisse – o racismo no futebol. Era um museu muito voltado ao futebol masculino e que tinha pouca representatividade. A teoria era mudar tudo isso e trazer o futebol para um mundo mais moderno”, disse Marcelo Duarte, um dos curadores do museu.
Além do futebol feminino, o Museu do Futebol pretende também perfurar novas discussões que passaram a se tornar cruciais no futebol.
“O novo museu traz temas contemporâneos, temas difíceis. Falar de racismo no futebol é super importante. Falar sobre xenofobia, que os jogadores brasileiros vivem no exterior, também. O museu não terá uma sala específica para isso, mas vai construindo esse diálogo porque nossa teoria é que, na próxima renovação, a gente possa trazer os resultados dessas lutas”, disse Marília Bonas, diretora técnica e uma das curadoras da instituição.
Para ela, um dos papéis desse novo museu será o de permear o diálogo entre a sociedade e esses temas. “[Queremos estabelecer] um diálogo educativo, de construção, de letramento, de percepção e de empatia sobre todos esses assuntos. O futebol é caminho para abordar todas essas questões difíceis da própria sociedade”.
Localizado no Mercado Livre Redondel Pacaembu, vetusto Estádio do Pacaembu que ainda está em obras, o museu é um dos mais visitados da capital paulista. Entre os anos de 2022 e 2023, por exemplo, passaram por ele mais de 675 milénio pessoas.
As obras do novo Museu do Futebol tiveram início em novembro de 2023, mas a concepção do projeto começou há mais de dois anos e envolveu o licenciamento de mais de 1,5 milénio imagens, a produção de mais de 60 vídeos e a geração, revisão e tradução de 136 novos textos. O projeto, que recebeu investimento totalidade de R$ 15,8 milhões da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo de São Paulo, foi coordenado pelos curadores Leonel Kaz, Marcelo Duarte e Marília Bonas. A direção artística ficou a função da cineasta Daniela Thomas e Felipe Tassara, com notícia visual de Jair de Souza.
“O museu agora se aprofunda. Ele traz temáticas mais contemporâneas, uma vez que as identitárias e as temáticas da presença do povo brasiliano anônimo dentro da construção do desenvolvimento cultural e econômico do país. Traz também a presença do futebol feminino com intensidade. E eleva a Sala Pelé a um grande facto dentro do conjunto”, disse Leonel Kaz, em entrevista à Filial Brasil.
Homenagem e destaque
Pelé recebeu homenagem próprio no museu: a Sala Pelé, totalmente dedicada à sua história. Considerado o desportista do século 20 pelo Comitê Olímpico Internacional, a trajetória do ex-jogador é apresentada em fotografias e vídeos. No cimalha da parede, uma “grinalda” apresenta a majestade do futebol: é é nela que surge o texto “Pelé, o rei do futebol” escrito em inglês, espanhol e português.
“O Pelé é um fenômeno único. Onde ele passava, tudo parava. Tinha um carisma incrível. Foi um garoto que, com 17 anos, ganhou a Despensa do Mundo, passando a simbolizar alguma coisa que era uma esperança, um companheirismo dentro do jogo. Ele nunca foi um jogador de individualidade. Ele sempre jogou com o todo da equipe. Representa o gesto comunitário brasiliano, que é muito vasqueiro. Representa um tanto que o brasiliano sonha. Alguém que, pelo esporte, pela lucidez e capacidade de mourejar com o outro, foi capaz de provar que o brasiliano era alguma coisa. O Pelé surge em um momento histórico, depois a guião da Despensa de 50, junto com um time inacreditável, mas acaba se transformando em mito”, descreveu Kaz.
Nessa seção também se encontra a camisa vestida por Pelé na final da Despensa de 70, na qual o Brasil se sagrou vencedor.
Já as mulheres começaram a ter mais destaque dentro do museu, ocupando vários espaços. Na Sala das Origens, por exemplo, há imagens raras que mostram mulheres brasileiras jogando futebol a partir de 1920 – por enquanto, os registros mais antigos de que se tem notícia. A frontaria do museu também foi decorada, uma vez que preparação para a Despensa do Mundo de Futebol Feminino que vai ser realizada no Brasil em 2027.
“O museu começou, em 2015, a colecionar e recolher informações sobre a história do futebol de mulheres”, disse Marília Bonas, diretora técnica e uma das curadoras do Museu do Futebol. “Em 2019, houve a primeira grande exposição temporária [sobre futebol feminino] que foi a Contra-ataque. Em 2023, o museu já tinha encontrado esse lugar de protagonismo nessa história, com a exposição Rainhas de Copas. E agora, finalmente, conseguimos trazer esses nove anos de pesquisa do museu na exposição principal. Contamos essa história de resistência do futebol feminino nessa sala próprio, que está dentro da Sala das Copas”, afirmou.
Novidades
Entre as novidades do Museu está a Sala Raízes, que reúne mais de 100 fotografias e um filme produzido pelo cineasta Carlos Nader. “O futebol cá é reconhecido uma vez que elemento definitivo da cultura brasileira. O futebol é disposto no mesmo patamar que as artes, a literatura, o teatro e o cinema. E essa é a função do museu: mostrar o futebol que habita cada um de nós, que é segmento do nosso dia a dia”, disse Kaz.
A Sala das Origens, que conta a trajetória do esporte desde o século 19 até os anos 1930, passou por reformulação, dando mais ênfase ao futebol feminino. Entre os grandes marcos dessa história está o decreto assinado por Getúlio Vargas, em 1941, que vetou a prática da modalidade por mulheres. A justificativa era de que o esporte seria “incompatível com as condições de sua natureza”. O veto durou quatro décadas. “A Sala das Origens, que traz informações sobre uma vez que começa o futebol no Brasil, é aprofundada por um vídeo que fala dos primórdios do futebol feminino”, acrescentou Kaz.
Na antiga Sala das Copas, o futebol feminino também vira protagonista, ocupando quatro módulos – Resguardo, Drible, Contra-Ataque e Gol. Cá também o futebol feminino brasiliano é apresentado uma vez que sinônimo de resistência, já que entre os anos de 1941 e de 1988 ele era proibido de ser praticado no país. Ou por outra, a sala passou a apresentar todas as copas femininas que foram realizadas desde 1991. “O futebol feminino já vinha sendo disposto aos poucos. Na Sala das Copas, por exemplo, uma das mais queridas do pessoal, tínhamos os totens com as copas masculinas. Agora, essas estruturas se dividem entre copas masculina e feminina. E, nesse espaço, a gente explica para o visitante porque temos Despensa do Mundo masculina desde 1930 e as femininas desde 1991”, disse Duarte.
Um novo espaço é a Sala Dança do Futebol, que permite que se escolham vídeos que documentam situações memoráveis do futebol brasiliano uma vez que gols históricos, dribles ou comemorações inesquecíveis.
O vetusto espaço Números e Curiosidades foi substituído por Anuário da Esfera e passa agora a apresentar curiosidades, histórias, desafios e testes sobre temáticas relacionadas a questões contemporâneas do esporte, uma vez que visibilidade das modalidades adaptadas para pessoas com deficiência e o problema do racismo. Uma das telas expostas nessa sala, por exemplo, cita uma frase do jogador brasiliano Vinicius Júnior, estrela da seleção brasileira e do Real Madrid, e importante voz na luta contra o racismo no mundo: “Repito para você, racista: eu não vou parar de bailar. Seja no sambódromo, no Bernabéu ou onde eu quiser”.
A história recente do futebol brasiliano também é abordada na instalação O Brasil no Mundo, que traz vídeos com depoimentos de jogadores que passaram por clubes fora do país e mostram uma vez que os brasileiros são reconhecidos no exterior.
Encerrando o espaço expositivo do museu, há a novidade sala Jogo de Corpo, com possibilidades interativas. Além do Pontapé a Gol, que já existia na antiga versão, há também o Jogo da Velha e um lugar onde sua imagem pode ser projetada na parede, com fundo escolhido por você uma vez que, por exemplo, a arquibancada do Pacaembu. “Os pais vão ter que vir para cá com bastante tempo porque as crianças não vão querer ir embora depois”, brincou Marcelo Duarte.
Visitantes
Quem teve a oportunidade de saber o novo museu foi Célia Martins Mazaro, 47 anos, de Urupês, no interno de São Paulo. Ela veio, em viagem de turismo, para a capital paulista junto com seu fruto José Mazaro Neto, de 11 anos. “Um dos pontos que a gente queria visitar era o museu. Ele estava fechado por justificação da reforma, mas tivemos a oportunidade de entrar agora e está sendo emocionante”, contou a mãe. “É impressionante tudo isso em um lugar só”, completou o fruto, santista de coração e fã de Pelé. “Gostei muito de ver a história do Pelé”, disse ele.
Quem também esteve no lugar foi o ex-jogador de futebol e atual comentarista esportivo Silas, que representou a seleção em copas do mundo. “O novo museu é muito lindo e com as novidades sobre o futebol feminino e a homenagem mais do que merecida a Pelé, nosso eterno Rei. Fiquei muito emocionado. Passei e vi minha história também: eu participei da Despensa de 1986, no México, e da Despensa de 1990, na Itália. É sempre uma alegria ver companheiros nossos ali”, disse à Filial Brasil.
“Acho que os clubes poderiam trazer seus jovens jogadores cá para o museu, para que possam olhar um pouco e ver que foi com muito sacrifício que isso cá aconteceu. Temos visto muitas seleções, consideradas menores que a gente, andando um passo adiante, e a gente ficando no meio do caminho. Falta um pouco desse paixão à camisa, dessa paixão, de saber que somos brasileiros e de que, cá, zero aconteceu com facilidade”, lembrou o ex-jogador.
O Museu do Futebol tem ingresso gratuita às terças-feiras. Para festejar sua renovação, será também gratuito nos dias 12, 13 e 14 de julho. Mais informações podem ser obtidas no site www.museudofutebol.org.br