O reverência é o sentimento mais citado pelos artistas que participam do músico Leci Brandão – Na palma da mão. O espetáculo conta a trajetória da cantora, compositora, deputada estadual, ativista, e defensora de pautas sociais, que completa 80 anos nesta quinta-feira (12).
O fio condutor do espetáculo é a relação de Leci com a mãe, além da religiosidade e devoção aos orixás e entidades da umbanda e do candomblé.
A estreia foi em janeiro de 2023, no Teatro Sesc Copacabana, na zona sul do Rio. De lá para cá a peça vem colecionando sucesso por onde passa. Já fez temporadas em vários estados do país e foi até Portugal.
Para o diretor Luiz Antônio Pilar, racontar a história da artista é mais que necessário. “O músico tem a força que a Leci Brandão tem”, disse à Filial Brasil.
Ele relembra que a sugestão para um espetáculo sobre Leci partiu da mana da artista, Iara, durante um encontro com a família Brandão. Luiz Antônio Pilar preparou o projeto e entrou em uma disputa por financiamento: “inscrevi o projeto e ganhei o edital em primeiro lugar. Fui em procura de alguém que pudesse fazer a dramaturgia e convidei o Leo [Leonardo] Bruno.”
Desde a estreia, o espetáculo acumula premiações. Em março deste ano, Pilar venceu a 34ª edição do prêmio Shell uma vez que melhor diretor. Aliás, pelo seu trabalho na peça, recebeu o diploma Heloneida Studart [jornalista e ex-deputada estadual], da Percentagem de Cultura da Parlamento Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
“É um privilégio a gente homenagear uma pessoa em vida. Quando pensei no espetáculo, não pensei em fazer uma efeméride pelos 80 anos. Embora considere o concepção efeméride importante, para a comunidade preta eu evito, porque a gente é muito restrito a tempo, espaço e tema”, disse, completando que foi uma coincidência ter estreado o espetáculo perto da artista Leci completar 80 anos.
Antes do músico as trajetórias de Luiz Antônio e Leci já tinham se encontrado. Ele foi o responsável por uma participação da artista uma vez que atriz na romance Xica da Silva, na TV Manchete, em 1996. Assistente do diretor Walter Avancini na produção, ele sugeriu o nome de Leci para fazer uma líder de quilombo. “Desde aí ela brincava que eu a introduzi na televisão uma vez que atriz”.
Trajetória
A escolha de Leonardo Bruno para fazer a dramaturgia também não foi por possibilidade. Ele já tinha uma extensa pesquisa sobre Leci. Dentre os livros de sua autoria, está o Esquina das Rainhas, no qual Leonardo Bruno trata da curso de cantoras uma vez que Alcione, Beth Roble, Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Elza Soares e de Leci. Jornalista e comentarista de desfiles de escolas de samba, Leo recebeu a missão com reverência:
“A história da Leci é fascinante. Essa mulher que nasceu em Madureira nos anos 40, filha de uma servente de escolas. Uma gaiato com perspectivas de vida, naquela quadra, muito restritas. Começou a cursar uma faculdade de letras, mas tinha um talento músico que vinha com ela desde cedo e vai para um caminho originário naquele momento, de programas de calouros e festivais de colégios e universitários. Aí ela começa a ver que aquele talento era muito maior do que qualquer caminho que poderia tentar trilhar uma vez que curso. Começa a lucrar programas e vencer festivais” contou à Filial Brasil.
E foi nesse caminho músico que Leci se tornou a primeira mulher a entrar na lado de compositores da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Frequentadora do morro, ela entra no envolvente submetido por homens. Esse momento do espetáculo é um dos que ressaltam os traços de pioneirismo de Leci Brandão.
“Foi logo que em 1972 ela se torna a primeira mulher a entrar na lado de compositores da Mangueira e isso é muito importante para a curso dela. É uma notícia que corre a cidade e ela começa a lucrar esse reconhecimento. Em 1974, Cartola, que já a conhecia do Morro da Mangueira, a convida para participar de um programa da TV Cultura chamado Tentativa, muito importante na quadra, e ela fica conhecida no Brasil inteiro. Logo em seguida é chamada para gravar o primeiro disco. Ali ela engrena a curso dela”, conta Leonardo Bruno.
Temas sociais
O jornalista conta que, também nesta quadra, em pleno período da ditadura, Leci passa a criar músicas com letras de cunho político.
“A obra de Leci nos cinco discos que lança entre ’75 e ’80, são discos que falam sobre negritude, sobre o lugar da mulher na sociedade, que fala do público LGBT. Na quadra praticamente não tinha isso nas músicas, e a Leci fez várias voltadas ao público gay, inclusive a Ombro Camarada que entrou em trilha sonora de romance na Mundo [Espelho Mágico] e fez muito sucesso.”
Segundo Bruno, a trajetória da artista também é marcada pelos temas que aborda em suas composições, revelando, novamente, o caráter vanguardista e de ineditismo:
“A Leci fala da questão indígena e de todas as questões que, de dez anos para cá, a gente está falando muito na sociedade. Ela fazia música sobre isso nos anos ’70. Fala que o sambista tem que ser valorizado na sociedade. É uma obra muito potente. Ela chegou com um impacto muito potente no cenário da música. Essa passeio a gente mostra no músico e com um repertório maravilhoso.”
A relação entre Leci e sua mãe, dona Lecy, assim uma vez que a religiosidade da artista são temas centrais abordados por Leonardo Bruno, no músico Na Palma da Mão.
“O músico secção dessa relação entre mãe e filha, que é uma relação muito importante para a Leci e acho que o público acaba se identificando um pouco com essa mãe que faz tudo para a filha conseguir um lugar no mudo. Uma mãe que tem muita dificuldade, que trabalhava uma vez que servente de escola pública, mas fez tudo para colocar a filha no caminho do estudo e de um porvir melhor. O público sente também uma vez que a Leci recebe esse carinho da mãe e tenta o tempo todo retribuir. Leci taxa a vida dela por tentar dar esse orgulho para a mãe”, acentuou.
Em relação à religiosidade, o responsável da peça relaciona cinco histórias de Ogum e Iansã com etapas da vida da artista, que é filha desses orixás.
“Foram os dois caminhos que encontrei para grafar a peça. Primeiro, a relação dela com a mãe e segundo, essa devoção dela aos orixás que são muito definitivos de uma vez que ela enxerga o mundo. Dos anos 80 para cá, em todos os discos dela tem uma filete cantando um ponto para um orixá, uma entidade. Na curso, ela tem uma identidade muito potente com as entidades da umbanda e do candomblé. Achei que era alguma coisa que deveria nortear muito nosso espetáculo”, afirmou.
“É um espetáculo musicalmente muito potente porque o repertório da Leci é muito lindo”
Um traje marcante une a curso de Leci à sua religiosidade. Depois ter pedido exoneração da gravadora que a impediu de incluir no disco a música Zé do Caroço, que fala de um líder comunitário do Morro do Pau da Bandeira, na zona setentrião do Rio, ela ficou cinco anos sem gravar. Muito triste e quase em depressão, conversando sobre o tema com a mãe, foi aconselhada a procurar o Mestiço Seu Rei das Ervas, em um terreiro de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.
A entidade disse que ela voltaria a gravar, mas antes faria uma viagem ao exterior. Ela viajou para Angola e ao retornar ao Brasil retomou a curso.
“Quando eu voltei recebi realmente um invitação da gravadora Copacabana e na última filete do LP eu coloquei a saudação ao Seu Rei das Ervas. Fui a São Gonçalo de novo para apresentar para ele o que eu tinha feito por gratidão” disse Leci em entrevista exclusiva à Filial Brasil.
A reação da artista ao ver o trabalho no palco, deixou o responsável com certeza da aprovação de Leci à forma uma vez que a história dela é contada no músico. Ela estava presente na estreia em Copacabana e já assistiu a peça em outras ocasiões.
“Quando terminou o espetáculo [na estreia] a Leci subiu no palco pegou o microfone e ficou falando 23 minutos. Ela estava tão emocionada, tão mobilizada, tão mexida, aquela coisa da emoção que a pessoa desanda a falar. Leci chorando no palco, a gente chorando na plateia, o elenco chorando. Foi uma das maiores emoções da minha vida. A prova de que gostou foi que quando a gente estreou em São Paulo ela foi e voltou várias vezes”, observou Leonardo Bruno, acrescentando que no último dia de apresentação em São Paulo, Leci levou objetos pessoais para presentear o elenco.
Elenco
Tay O´Hanna interpreta Leci no músico e conta que o privativo na história da artista é que ela sempre foi “com a faceta e a coragem” em tudo que se propôs a fazer:
“Essa garra e essa coragem. Leci é uma força de vida. A relevância dela em relação ao que é. É uma pessoa de 80 anos, mas que sempre se propôs a estar perto da juventude, de saber o que estava acontecendo em relação a tudo”, contou à reportagem.
Tay, que é uma pessoa trans não binária e prefere ter a referência de linguagem neutra ou no masculino, destacou a relevância de Leci sempre levantar temas que muitas vezes se tornaram lutas contra o preconceito e o racismo. Ele também elogiou o trabalho de direção de Luiz Antônio Pilar.
“O Pilar é um diretor de anos e uma referência para a gente, tanto no teatro, uma vez que no cinema. Vê-lo lucrar esses prêmios tão merecidos pela sua genialidade e por juntar um elenco para permanecer tanto tempo uma vez que estamos, é um préstimo dele e nosso também que conseguimos captar o que está na cabeça dele”, concluiu Tay.
Benção
Dona Lecy, mãe da cantora, é representada desde pela atriz Verônica Bonfim, que se emociona ao falar de sua participação no músico. Toda vez que vai entrar no palco, ela faz questão de firmar o pensamento em Dona Lecy e pedir a bênção para a sua apresentação. Trata-se de mais uma representação do reverência do elenco à artista homenageada.
“Tenho muita certeza de que Dona Lacy me abençoou desde o início. Toda vez que entro em cena peço licença a ela e peço para ela me sagrar e me cuidar. Não teve um dia nesses dois anos que antes de pisar em cena eu não tenha pedido licença a ela e para ela entrar comigo.”
Verônica conta que é uma honra interpretar a mãe de Leci Brandão, mulher que forjou tudo que a filha é. “Eu me inspirei na minha mãe para fazer dona Lecy e quando Leci Brandão foi nos ver e chorou e veio me pedir bênção e falou para mim ‘minha filha eu chorei o espetáculo inteiro porque vi minha mãe’, eu ali ganhei um Oscar! Para mim foi o maior prazer que poderia lucrar na minha vida. Eu estava com pânico dela não ratificar e quando ela falou isso eu falei: ufa!”.
Processo criativo
O ator Sergio Kauffmann interpreta todos os personagens masculinos da vida de Leci, e revela que o trabalho dos atores começou uma vez que um processo criativo. A partir do texto, eles tiveram a oportunidade de gerar seus personagens com diversas colaborações.
“Quando a gente chegou já tinha delineado uma dramaturgia pensada pelo Leonardo Bruno”, conta o ator, que complementa: “a gente ficava revirando as músicas improvisando as cenas e muito do que a gente foi construindo foi entrando nesse novo formato de dramaturgia”.
Entre os papéis masculinos que Kauffmann representa está o de Exu que aparece logo na rombo do músico. “Para mim foi muito privativo porque eu faço o Zé do Caroço, o Exu e tem uma relação familiar com a religiosidade afro-brasileira. Venho de uma comunidade de terreiro da minha avó e ser um Exu contando aquela história faz me reconectar com as experiências que tive na vivenda da minha avó, que está ativa até hoje na Vila da Penha”, relatou.
Para o ator, ao longo da temporada o elenco entendeu que a história de Leci Brandão vai muito além do que ela viveu.
“Muita gente sai do espetáculo falando ‘caramba eu vi a minha história ali também e a história da minha avó, da minha tia e de diversas outras pessoas negras’, logo, para mim, foi muito privativo por conta disso. A gente está saudando uma mestra, mas ao mesmo tempo a gente está colocando a nossa vivência e a nossa história. Fazer desde o início deu margem para a gente pensar nesse lugar do quanto a gente também coloca a nossa história ali.”
“Ela é uma pessoa visionária, muito humana e muito conectada com direitos humanos e em muitas camadas. Se debruçando na história dela parece que vai fazendo sentido ver que hoje ela tem uma vida uma vez que deputada engajada politicamente, mas já estava em uma luta ordenado”, diz Kauffmann.
Sergio Kauffmann lembra do dia em que Leci estava presente em uma apresentação do músico, no Itaú Cultural em São Paulo. “No final ela levantou para agradecer e falou que queria mandar um amplexo para as pessoas que estavam encarceradas. Eu também penso muito nessas pessoas, já cantei em prisões e aquilo me marcou muito. Ela estava assistindo o espetáculo e lembrou de pessoas que tentam sobreviver em encarceramento, porque em qualquer momento conectou com a agenda dela. Isso me emocionou muito”, revelou.
“Ela está realmente conectada com as questões históricas, políticas, os dilemas sociais de uma maneira muito ampliada para além do samba dela, do compromisso do samba que é uma luta e também na luta política. É uma artista formidável e completa, muito harmónico”, completou.
O ator lembrou da frase que reproduz uma fala de Leci Brandão e simboliza muito o comportamento dela ao longo da vida.
“Fazer da gládio, escudo, baqueta e tamborim. Ela realmente faz da luta dela, da gládio, escudo, baqueta e tamborim. O samba é a luta primordial dela. Tudo que está fazendo agora uma vez que parlamentar nos últimos anos nesses mandatos é uma consequência quase que originário de uma pessoa compromissada com os dilemas sociais.”