O livro de Itamar Vieira Junior que ultrapassou a marca de 1 milhão de exemplares vendidos é a base para a geração de Torto Arado – O Músico, espetáculo que estreia, neste sábado (17), às 20h, no Teatro Riachuelo no núcleo do Rio de Janeiro.
A turnê pátrio começou com grande sucesso em Salvador e seguiu para São Paulo, com sessões lotadas nas duas cidades.
Em palco, 22 profissionais – sendo seis músicos e 16 atores – contam em duas horas e vinte minutos uma história de vida e morte no sertão da Chapada Diamantina, na Bahia.
A produção aborda trabalho análogo à escravidão, racismo, resistência, sobrevivência e disputa de terreno. O texto é uma adaptação livre do livro Torto Arado, do noticiarista Itamar Vieira Junior, e aborda ainda o universo da fé, magia, trova e religiosidade.
Três artistas com atuação músico e teatral interpretam personagens de destaque na trama. A cantora e apresentadora Larissa Luz dá vida a Bibiana, uma das heroínas da história. A atriz, cantora, compositora e teatróloga, Bárbara Sut dá vida à Belonisia, mana de Bibiana.
As duas são netas de Donana, uma personagem novidade na adaptação teatral, vivida pela atriz e cantora Lilian Valeska, que não conhecia o livro do Itamar Vieira Junior quando recebeu o invitação para participar da montagem, em maio do ano pretérito.
Lilian conta que quando começou a ler a obra e ter mais detalhes da montagem ficou empolgada:
“É uma personagem que começa com uma idade. Vai passando o tempo, e [ela] tem que ter mais peso no corpo, na voz. A história é uma história que desafia qualquer atriz. Tem muitas coisas na cabeça de Donana que ficam martelando durante a história inteira dela em cena que são sentimentos, dores e confusões, que têm que brotar no espetáculo, durante as músicas. Acho muito importante a gente interpretar a letra de uma música que é baseada naquela história”, disse à Dependência Brasil.
Para a Lilian Valeska, a estreia na Bahia teve muita representatividade.
“Muitas mulheres que vieram falar comigo [depois do espetáculo] passaram por estas coisas todas. Dava para ver e ouvir o coração delas no olhar. Era uma coisa quente e verdadeira. Acho que foi significante principiar leste espetáculo na Bahia.”
A atriz Larissa Luz destaca outro ponto positivo da estreia em Salvador: “estruturalmente é incomum a gente estrear grandes produções em Salvador. Geralmente a gente estreia em São Paulo ou no Rio. Portanto, mudar leste eixo de foco de atenção, é importante para a gente mostrar que a gente também tem possibilidade e capacidade de fazer nossas montagens estrearem por lá. Priorizar o público soteropolitano e ter a vontade do lugar, da Bahia”.
A tradutor de Bibiana desta outro paisagem da montagem: o elenco majoritariamente baiano.
“Isso tudo é muito simbólico e dialoga também muito muito com o tema da peça. É uma peça que se passa em uma cidade fictícia, mas na Bahia. Fala da região da Chapada e acho mais que justo a gente priorizar o público baiano e estrear tendo essa vontade”, contou Larissa à Dependência Brasil.
Foi a mãe de Larissa, professora de literatura, que lhe apresentou e incentivou a leitura da obra: “ela que me mostrou o livro e disse ‘você tem que ler, esse livro é muito peculiar, muito maravilhoso!’. A gente já tinha uma relação com o livro, eu e ela. Isso tudo me fez querer interpretar mais a Bibiana que é uma personagem que diz muito sobre a gente. É uma mulher aguerrida, destemida, com sede de justiça.”
Tradutor de Belonisia, Bárbara Sut já conhecia o livro e era fã de Itamar Vieira Junior. Ao saber sobre a montagem do músico e audições para a escolha do elenco, Bárbara se animou.
“Quando soube que passei nas audições fiquei muito feliz, mormente por ser a Belonisia, um personagem que na leitura me atravessou muito. Lembro de permanecer muito tomada pela narrativa dela, poder vivê-la e ajudar a gerar essa personagem no palco”
Para Bárbara, a relação de Belonisia com a linguagem se impõe, já que a personagem sofre um acidente no início da narrativa que a deixa impedida de falar. “Uma vez que fazer com que ela se comunique, possa se expressar e o público a entenda de forma orgânica e interessante cenicamente. Belonisia foi criada muito na sala de experimento”, contou à reportagem, sobre o desenvolvimento da personagem.
Responsável pela direção-geral, Elísio Lopes Júnior, também assina a dramaturgia com Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo. Para o diretor, a estreia em Salvador trouxe ao elenco uma sensação de pertencimento.
“Tem uma especificidade tanto da cultura negra, quanto da cultura indígena e esse letrado de fé é sempre cantado e dançado. Para mim, o DNA da geração do espetáculo vem disso. A gente está falando da nossa própria cultura e não é um músico com formato preestabelecido e sim um músico onde o universo de toda a história está misturado com o universo da fé deles e da cultura preta e indígena, que usa a dança e a música para professar sua fé”, observou em entrevista à Dependência Brasil.
O diretor conta que a junção de canções do Jarê (típicas da religião de matriz africana praticada na Chapada Diamantina) com as músicas inéditas compostas, exclusivamente, para o espetáculo, contam a história do músico.
“[As canções] não são ilustrativas, não são unicamente adornos. Fazem secção da narrativa dos sentimentos dos personagens. Essa construção da dramaturgia com a música em conjunto viabilizou descrever a história de uma forma que a gente conseguisse priorizar a trama e não o formato.”
Receptividade
Para o diretor-geral, a receptividade do público até agora, mormente de pessoas que ainda não tinham lido o livro, é impressionante.
“Foi um movimento muito possante para mim as pessoas dizendo ‘quero ler o livro, quero entender uma vez que é isso nas páginas’. Tem ainda uma informação universal nas duas experiências: tanto de quem leu uma vez que de quem não leu. As pessoas estão interessadas em saber mais sobre a própria cultura. Uma vez que a gente traz um universo que tem uma poética muito própria, é muito curioso, os costumes, a forma de mourejar, as entidades que aparecem”, indicou Elísio Lopes Júnior.
“Sinto que o brasílio quer saber as suas próprias histórias. Acho que é por aí.”
Processo
Em 2021, Aldri Anunciação começou sozinho o trabalho de transpor o livro para o músico e decupou a obra para identificar o que poderia resultar em cenas. Inicialmente, contabilizou 468 possibilidades de cenas e as transformou em pequenas frases. O processo de redução do que poderia ser selecionado chegou a 128 cenas.
Nesse ponto, ele se juntou a Elísio e Fábio Espírito Santo com essas cenas selecionadas. Elísio fez outra redução, desta vez para 68 cenas, a termo de saber o sentido teatral e elencar os personagens mais relevantes.
“No teatro a gente não pode botar todas as personagens do romance, logo a gente tensiona em Donana, que acaba se tornando protagonista também, Belonisia e Bibiana, o trio condutor dessa história. E tem a Salu, Zeca Chapéu Grande e Severo, personagens que estão dando suporte incrível de coadjuvação dessa narrativa”, conta Aldri.
Elísio, Aldri e Fábio se dividiram para desenvolver as cenas. “O maior repto da gente foi transformar e trazer o diálogo para a cena junto com a prosódia e a construção de pensamento de cada personagem e propriedade no modo de fala. Isso não tem no romance que é todo a partir das personagens, mas em terceira pessoa. Trazer isso para o modo dialógico foi um repto a três. Eles entram no início de 2024, já no ano de estreia”, contou.
“O significado maior de levar isso para o palco é a gente entender que grandes histórias de resistência, de lutas, são muitas em nosso país. Elas precisam mesmo estar no palco porque ganham relevância para além do que a gente já sabe. Tem uma boa secção da população que não sabe dessas histórias de exploração, mas ainda para os que já sabem levar para o palco significa um pouco de transcender dores”, concluiu.
Músicas inéditas
Responsável das composições inéditas apresentadas no espetáculo, o cantor e compositor Jarbas Bittencourt assina a direção músico. Ele conta que o trabalho foi concentrado em dois meses, em submersão absoluta, para que tivesse o desvelo necessário com o livro de Itamar e um tratamento responsável e amoroso com a obra do noticiarista.
Jarbas conta que algumas canções surgiram antes que as cenas existissem, o que lhe pareceu muito interessante uma vez que geralmente ocorre o contrário: “nesse caso, Elísio em alguns momentos falou ‘essa cena ainda vai ser escrita mas gostaria muito que você fizesse a música, porque acho que música pode inspirar a gente a redigir a cena.”
Jarbas Bittencourt trabalha com geração músico de espetáculos desde 1996, avante da direção músico do Grupo de Teatro Olodum, seu grupo de origem em Salvador, de onde saíram artistas uma vez que Érico Brás, Lázaro Ramos, Virgínia Rodrigues, Valdinéia Soriano, a Edvana Roble. Na visão dele, a construção da música em espetáculos musicais é o ponto cume da curso de um compositor que trabalha com teatro.
“É uma vez que se fosse a nossa sinfonia. É o momento em que a gente coloca à prova a nossa capacidade de entendimento e de construção de música enquanto dramaturgia, enquanto texto. Esse trabalho, eu sabor de perceber e constatar que a feitura de um músico uma vez que Torto Arado, assim uma vez que Paixão Barato, que fiz uns anos detrás, ou até mesmo a secção original de Ivone Lara, que também assino, é um tirocínio de curso de uma vida inteira. É uma vez que se a gente se preparasse a vida inteira para leste momento de dar um salto maior”, apontou à reportagem.
Jarbas também comentou sobre a referência religiosa e sua influência no músico, que traz o ritual do Jarê – letrado específico da Chapada Diamantina.
“Ali se vê a fusão ou sedimentação daquilo que vem de matriz afro-brasileira. Até o candomblé que está ali é o candomblé congo, a umbanda está ali presente de qualquer jeito, o catolicismo. Musicalmente falando a gente tem ali ritmos da umbanda e do candomblé que foram a primeira informação músico do que a gente ia tratar. A partir desse lugar afro sonoro do Recôncavo da Bahia a gente buscou ampliar o concepção da música para que ela conversasse com o que de veste o livro conversa, que é o interno do Brasil inteiro. Acho que no livro, através da Chapada Velha, Itamar conseguiu se remeter com o Brasil inteiro”, completou.
O diretor e coreógrafo Zebrinha é responsável pela direção de movimento do espetáculo. A cenografia ficou a incumbência de Renata Mota; o figurino com a designer Bettine Silveira e a coordenação universal é de Fernanda Bezerra, responsável também pela idealização do projeto.
Programação
A temporada de Torto Arado – O Músico segue em papeleta até 15 de junho. Quintas e sextas às 20h, sábados às 16h e às 20h, e domingos às 16h.
Apresentado pelo Ministério da Cultura e pelo Nubank, por meio da Lei Federalista de Incentivo à Cultura, o espetáculo é realizado pela Maré Produções, Ministério da Cultura e Governo Federalista União e Reconstrução.
Os ingressos a R$ 40,00 podem ser comprados na plataforma ingresso.com ou na bilheteria do teatro.