Larissa Luz, Barbara Sut e Lilian Valeska lideram elenco ajustado na superabundante adaptação teatral da narrativa épica do livro de Itamar Vieira Junior. Larissa Luz (à esquerda) e Barbara Sut brilham no músico ‘Torto arado’ nas peles das irmãs Bibiana e Belonísia, condutoras da saga épica e lírica do espetáculo
Caio Lírio / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE MUSICAL DE TEATRO
Título: Torto arado – O músico
Dramaturgia: Aldri Anunciação, Elísio Lopes Jr. e Fábio Espírito Santo com base no livro Torto arado, de Itamar Vieira Junior
Direção: Elisio Lopes Jr.
Direção músico e trilha sonora original: Jarbas Bittencourt
Data e sítio: 5 de dezembro de 2024 (sessão das 20h) no Teatro Raul Cortez do Sesc 14 Bis (São Paulo, SP)
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♪ Torto arado é arrebatador músico de formatação inteiramente original que em zero recorre às fórmulas e às receitas já prontas desse gênero de teatro que movimenta milhões e multidões, sobretudo em São Paulo (SP), cidade onde o espetáculo fica em edital no Teatro Raul Cortez do Sesc 14 Bis até domingo, 20 de dezembro, posteriormente ter sido consagrado na temporada de estreia em Salvador (BA), onde o músico veio ao mundo em 13 de setembro.
Com dramaturgia assentada na narrativa do aclamado livro Torto arado (2019), best-seller do plumitivo baiano Itamar Vieira Junior, o músico alterna tons épicos e líricos em cena ritualística orquestrada sob direção do também baiano Elisio Lopes Jr. – também responsável pela dramaturgia em trabalho de ourives dividido com Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo.
O que se vê e ouve em cena de arquitetura afro-brasileira – matriz e motor desse músico que aguça os sentidos ao expor a exuberância da negritude na luta por liberdade e justiça social nos rincões do sertão baiano – é potente brado feminino de resistência ancião contra os latifúndios do podre poder branco que oprime o povo preto na luta pela terreno em Chuva Negra, herdade encravada na região baiana da Chapada Diamantina.
Por mais que o ativista Severo (personagem muito defendido pelo ator Guigga) tenha voz ativa na guerra cotidiana pela pundonor, ao se rebelar contra as desumanas condições de trabalho, a narrativa do músico Torto arado se alicerça na trindade feminina que conecta a avó Donana (Lilian Valeska) com as netas Bibiana (Larissa Luz) e Belonísia (Barbara Sut), irmãs que conduzem a saga de uma família em conexão com a espiritualidade, personificada em cena pelo seres caracterizados uma vez que “encantados”.
Na pele de Donana, Lilian Valeska tem presença imponente ao longo de toda a narrativa, sobretudo na secção inicial. Em cena, Donana personifica um baobá em que está enraizada toda a força ancião da mulher e da negritude que sustenta as irmãs Bibiana e Belonísia na jornada da vida severina marcada por mutilação na puerícia.
Com atuações impactantes, valorizadas tanto pelas falas do texto uma vez que pelas expressivas máscaras faciais que traduzem os sentimentos interiorizados das personagens, as atrizes Larissa Luz e Barbara Sut estão irmanadas e imantadas em cena pela conexão entre Bibiana e Belonísia, núcleo e mote de Torto arado.
Porquê também é (boa) cantora, Larissa ilumina os temas que lhe cabem no roteiro músico, formado por composições feitas por Jarbas Bittencourt para o músico. E que músicas! Sem perder de vista a matriz afro-brasileira, a música de Jarbas é partitura precisa que, entre temas de tom ritualístico e músicas que salientam a malícia vivaz da música nordestina genericamente rotulada uma vez que forró, contribui para que Torto arado soe sempre superabundante na secção sonora e visual.
É que tal fascínio vem também da dança, cujos movimentos reverberam os rituais do Jarê, religião de matriz africana cultuada nas profundezas do sertão baiano. A conjunção perfeita entre música, letra e dança se afina com a atuação de um elenco ajustado em que todos os 16 atores brilham quando estão em cena.
Além das três atrizes protagonistas (as presenças de Barbara Sut, Larissa Luz e Lilian Valeska são luminosas), merecem menções entusiásticas as atuações de Diogo Lopes Rebento (uma vez que Zeca Chapéu Grande, patriarca que personifica o conformismo e a subserviência na luta pela sobrevivência, por um teto e pelo pão nosso de cada dia), Denise Correia (Salustiana, mãe das irmãs Bibiana e Belonísia), e Anderson Danttas (Tobias, símbolo do machismo opressor na constituição social do sertão baiano), além do já mencionado Guigga, a quem foi confiado o líder Severo.
Torto arado desfolha em cena uma página infeliz da história de um Brasil racista que ainda explora um povo pobre e em maioria preto com condições de trabalho análogas à escravidão. Página que precisa ser arranque com uma real reforma agrária e a consequente extirpação das oligarquias brancas na luta pela terreno.
Em núcleo, Torto arado é músico que, com a força da espiritualidade, levanta a voz do povo preto – abafada ou mesmo omitida nas narrativas das histórias oficiais – na ainda necessária luta por liberdade e paridade.
Lilian Valeska (em primeiro projecto) personifica Donana, baobá em que está enraizada a força ancião motriz do músico fundamentado no aclamado livro de 2019
Caio Lírio / Divulgação
Fonte G1
