Aviões Ilegais Entram Diariamente No Território Yanomami

Na Amazônia, 77% do garimpo está a menos de 500 m de cursos d’água

Brasil

Levantamento do MapBiomas revelou que 77% das áreas de mina na Amazônia brasileira estão a menos de 500 metros de qualquer corpo d’chuva, uma vez que rios, lagos e igarapés. Os dados, referentes a 2022, mostram ainda que o bioma concentrava 92% de toda a extensão garimpada no país, um totalidade de 241 milénio hectares (ha), ou seja, 186 milénio ha ficavam a menos de meio quilômetro de cursos d’chuva.

A MapBiomas é uma rede colaborativa, formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia. 

Balsas de garimpeiros no rio Madeira
Balsas de garimpeiros no rio Madeira

Balsas de garimpeiros no rio Madeira – Reuters/Bruno Kelly/Direitos Reservados

O coordenador técnico do mapeamento de mineração no MapBiomas, Cesar Diniz, alerta que toda a ilegalidade em torno da atividade garimpeira na região reforça a seriedade dos resultados encontrados. “O mina amazônico quase sempre é ilícito de alguma maneira, seja porque não tem licença, seja porque a licença que tem é inapropriada para a existência do mina, seja porque faça uso de substâncias proibidas, uma vez que o mercúrio e o cianeto”, disse.

Com a proximidade aos rios, a dissipação dos poluentes relacionados ao mina é amplificada. “Essa atividade é de sobranceiro impacto e sobranceiro risco na sua núcleo. Na Amazônia, ainda pior, porque 77% dela está literalmente ao lado de um grande rio, que é um dispersor dos problemas trazidos pelo mina”.

Segundo o técnico, o assoreamento gerado pela movimentação de terreno na proximidade das bordas de rios e igarapés e a contaminação da chuva pelo mercúrio, e mais recentemente por cianeto, alcançam áreas muito maiores do que os locais específicos de atuação dos garimpeiros.

“Do jeito que a gente tem o mina hoje na Amazônia, ele é ilícito, está em franca expansão, faz uso de substâncias proibidas, é infesto ao meio envolvente, é infesto ao garimpeiro, é infesto aos ribeirinhos e aos índios e aumenta a mortalidade infantil. Está tudo inexacto”, ressaltou.

Soluções

Para Diniz, a questão do mina ilícito não se resolve por falta de vontade política e de prioridade para a situação. “A postura precisa mudar, o tino de urgência e de critério precisa mudar. Se quiser resolver verdadeiramente o problema, precisa colocar a invasão garimpeira nas terras indígenas, unidades de conservação e proteção permanente uma vez que prioridade na agenda política brasileira”, disse.

“A gente já sabe onde estão [os garimpeiros], qual é o tamanho do problema, que tipo de substâncias eles usam, quem os financia, a gente já sabe de muita coisa. Não é por falta de informação que não se faz um pouco mais adequado. É verdadeiramente por falta de prioridade”, acredita.

O levantamento do MapBiomas identificou também a quantidade de pistas de pouso em terras indígenas na Amazônia. A TI Yanomami lidera, com 75 pistas de pouso, seguida por Raposa Serra do Sol (58), Kayapó (26), Munduruku e Parque do Xingu (com 21 pistas cada). As imagens de satélite mostram que no interno delas há proximidade entre as pistas e o mina. 

No caso Yanomami, um terço das pistas – 28 do totalidade de 75, ou 33% – está a menos de 5 quilômetros de alguma extensão de mina. Percentual semelhante (34%) foi encontrado na terreno Kayapó (nove de 26 pistas). Já no caso da TI Munduruku, 80% das pistas (17 de 21) estão a menos de 5 quilômetros de áreas de mina.

Lucro

Alto Alegre (RR), 10/02/2023 - Áreas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami vistas em sobrevoo ao longo do rio Mucajaí. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Alto Alegre (RR), 10/02/2023 - Áreas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami vistas em sobrevoo ao longo do rio Mucajaí. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Áreas de mina ilícito na Terreno Indígena Yanomami vistas em sobrevoo ao longo do Rio Mucajaí – Foto: Fernando Frazão/Filial Brasil

O mina está intrinsecamente relacionado aos cursos d’chuva e ao uso de substâncias químicas proibidas, porque esses elementos levam à redução dos custos da operação. Para o ouro, isso significa minerar em superfície, nos primeiros metros de sedimentos carregados e depositados pelos rios, os chamados depósitos aluvionares.

“Por isso que os garimpeiros estão onde estão. Se eles tentassem restaurar ouro de outra forma, o dispêndio da operação seria muito maior, e não teria uma vez que uma rede de garimpeiros operacionalizar essa extração. É uma questão de lucro. Só se faz o que se faz porque é ali que se gasta menos na operação de extração”, explicou.

Diniz reforça que o mina é uma atividade de risco e sempre terá. No entanto, a atividade não é ilícito, mas, segundo ele, precisa possuir uma extração responsável. “Existem normas para garimpar. Não se pode garimpar com o uso de substâncias proibidas, por exemplo, mercúrio e cianeto; nem dentro de terras indígenas, porque é uma ilegalidade espacial. Não se pode expor que está na temporada de pesquisa do mina e já estar extraindo ouro, é um uso inapropriado de licença”, apontou.

“[Quem faz a mineração] é responsável pelos seres humanos que ali estão trabalhando e pelos seres humanos que provavelmente, em qualquer intensidade de risco, poderão vir a se contaminar. E é responsável pelo meio envolvente. Esse é o problema do mina no Brasil. Ninguém é responsável por zero. Todo mundo faz o que quer de concordância com a sua cabeça e o seu método de extração”, lamentou.

Diniz afirma que águas e regiões próximas ao mina que estejam contaminadas por mercúrio ou cianeto são impróprias para a vida humana. “Para indígenas e ribeirinhos, e para os próprios garimpeiros, a contaminação é um repto à vida futura deles. Eles vão ter a subtracção da capacidade de se manter vivos e plenos por muito mais tempo”, disse.

Terreno Indígena

Surucucu (RR), 09/02/2023 - Mulheres e crianças yanomami em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami.  Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Surucucu (RR), 09/02/2023 - Mulheres e crianças yanomami em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami.  Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Mulheres e crianças yanomami, em Surucucu, na Terreno Indígena Yanomami – Foto: Fernando Frazão/Filial Brasil

Da extensão garimpada na Amazônia, 10% fica dentro de terras indígenas (TI), ou seja, 25,1 milénio hectares. Os territórios indígenas mais ocupados por garimpeiros são as TI Kayapó, Munduruku e Yanomami, que concentram 90% da extensão garimpada dentro de terras indígenas.

Nas terras Kayapó, a extensão garimpada ocupa 13,79 milénio hectares – dos quais 70% (9,6 milénio) ficam a menos de 500 metros de qualquer curso d’chuva. Na Munduruku, o mina ocupa 5,46 milénio hectares – 39% dos quais (2,16 milénio) a menos de 500 metros da chuva. Na Yanomami, são 3,27 milénio hectares de mina e 2,10 milénio hectares (64%) a menos de meio quilômetro dos cursos d’chuva.

No Brasil, de 1985 a 2022, as TI perderam menos de 1% de sua vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas 26%. “As terras indígenas são as áreas mais preservadas da Amazônia. Ainda assim, no seu interno, a concentração de garimpos próximo aos cursos d’chuva é extremamente preocupante, uma vez que populações indígenas e ribeirinhas usam quase que exclusivamente dos rios e lagos para sua subsistência fomentar”, alertou.

No caso do mercúrio, ele aponta que “até quem está comendo peixe em Santarém pode se contaminar com mercúrio, porque ele é bioacumulador, ele passa para a chuva, da chuva para o peixe, do peixe para o humano”. Os garimpeiros devolvem ainda para dentro dos rios uma quantidade grande de sedimentos que havia sido dragado das margens do leito ou de regiões próximas ao rio, denuncia.

“Além de contaminar a chuva, isso troca as características físico-químicas da chuva. Ela deixa de ser, por exemplo, uma vez que as águas do rio Xingu, que são cristalinas de fundo escuro, e passam a ser leitosas amarronzadas, uma vez que a gente viu suceder, por exemplo, em Alter do Soalho, alguns anos detrás. Isso afeta até o turismo”, disse.

Yanomami

Mineração ilegal no Território Yanomami em Roraima 
 6/12/2023   REUTERS/Ueslei Marcelino
Mineração ilegal no Território Yanomami em Roraima 
 6/12/2023   REUTERS/Ueslei Marcelino

Mineração ilícito no Território Yanomami, em Roraima – Reuters/Ueslei Marcelino/Direitos reservados

Pesquisa da Instauração Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgada no primórdio deste mês, indicou que a contaminação por mercúrio afeta quase toda a população de nove aldeias yanomami situadas em Roraima. Os resultados foram obtidos a partir da estudo de amostras de cabelos colhidas em outubro de 2022. De concordância com os pesquisadores, o estudo mostra uma situação preocupante e contribui para aprofundar o conhecimento sobre os impactos do mina ilícito de ouro na região. 

De concordância com o pesquisador da Fiocruz Paulo Basta, a presença de mercúrio no organização pode afetar qualquer sítio do corpo humano e qualquer órgão. Há relatos de danos, por exemplo, aos rins, ao fígado e ao sistema cardiovascular, gerando aumento da pressão arterial e risco de infarto. Mas o maior afetado geralmente é o sistema nervoso meão. Os sintomas geralmente começam brandos e evoluem e, muitas vezes, há dificuldade para reconhecer que eles estão associados à exposição ao mercúrio.

“No cérebro, ele provoca lesões definitivas, irreversíveis. Adultos submetidos à exposição crônica podem ter alterações sensitivas que envolvem alterações na sensibilidade das mãos e dos pés, na audição, no paladar. Pode envolver também insônia e impaciência. Também pode possuir alterações motoras, que incluem problemas de tontura, de estabilidade, de marcha. Pode ter sintomas semelhantes à Síndrome de Parkinson. E há também alterações cognitivas, incluindo perda de memória e dificuldade de fala de raciocínio. Pode chegar a um quadro similar ao da doença de Alzheimer”, explica o pesquisador na ocasião.

Fonte EBC

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