No núcleo de tudo, está o berimbau. Se a chamada subida cultura quis que esse instrumento fosse só um figurante, Naná Vasconcelos inaugurou uma novidade forma de gerar música ao fazer dele o protagonista.
Não à toa, o objeto ocupa lugar de destaque na exposição que celebra o legado do percussionista, que entra em edital, no Itaú Cultural, em São Paulo, nesta semana.
A mostra traz tapume de 90 peças que ajudam a narrar a história de Naná, eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana DownBeat, especializada em jazz.
São imagens de apresentações em que ele vestia mantos das cores dos orixás, retratos de sua juventude em Pernambuco e um dos oito prêmios Grammy que ele conquistou ao longo da curso, encerrada com sua morte, há oito anos.
No entanto, é o berimbau que o acompanhou por mais de quatro décadas que se impõe aos olhos do visitante. Pendurado por um fio translúcido, o objeto se ergue do pavimento e flutua em cima de uma superfície circundar repleta de cascalho.
Um sem-número de seixos presos por barbantes estão em volta do instrumento, uma vez que se formasse uma barreira de proteção. A atmosfera é solene e a sensação é a de que estamos diante de um objeto sagrado.
De certa forma, a expografia está alinhada com aquilo que Naná reivindicava para o instrumento —uma posição de centralidade dentro da cultura brasileira. “Tudo o que eu faço vem do berimbau. Ele mudou a minha vida, me fez marchar pelo mundo e abriu portas para mim. Parece uma missão”, disse Naná, numa entrevista a um meato de TV.
Foi uma missão que ajudou a tirar o instrumento da marginalidade, uma das consequências da criminalização da capoeira —esporte afrobrasileiro ligado de forma intrínseca ao berimbau.
Naná parecia entender que a estigmatização das populações negras tornou invisíveis muitas de suas manifestações culturais. O berimbau não foi exceção. Por esse motivo, o artista falava com frequência que ele representava um país que o Brasil não conhecia.
“Essa frase poderia ser aplicada a outros gênios que carregam os marcadores sociais dele”, afirma Galiana Brasil, que assina a organização da mostra no Itaú Cultural.
“A gente está falando de um varão que era preto, nordestino e tocava instrumentos que não são ditos uma vez que pertencentes à subida cultura. Por tudo isso, a gente precisa jogar luz e fazer fragor em torno desses brasileiros”, afirma ela.
São artistas considerados marginais, mas que ajudaram a erguer os alicerces da cultura brasileira. Um dos exemplos mais emblemáticos disso é o samba, gênero preto na origem e, por isso mesmo, branco de perseguição no primícias do século pretérito.
Situação parecida aconteceu com o funk nas favelas cariocas durante os anos 1990. Hoje, ambos os estilos são reverenciados no exterior, ao lado da bossa novidade —gênero, aliás, que tem poderoso influência do samba. “É nas bordas que o movimento começa, e não pelo núcleo”, diz Brasil. “E Naná representa isso muito muito. Com essa borda e com o berimbau, ele ganhou o mundo.”
O artista construiu uma longeva curso no exterior a partir dos anos 1970, quando o saxofonista prateado Gato Barbieri o convidou para fazer secção de um grupo músico.
Ao lado do músico, o brasílico fez apresentações em festivais nos Estados Unidos e em países da Europa. Depois da turnê, Naná decidiu morar em Paris, onde gravou em 1971 o álbum “Africadeus”, o primeiro dos mais de 30 discos que ele lançaria nos anos seguintes.
Em seguida, o músico foi morar em Novidade York, onde viveu por mais de duas décadas. Durante esse período no exterior, ganhou saudação da sátira internacional e a assombro de figuras ilustres, entre elas a do cineasta italiano Bernardo Bertolucci.
O sucesso foi resultado da capacidade de unir o erudito e o popular. Era uma vez que se o artista tivesse uma vez que objetivo embaralhar os limites entre a subida cultura e a baixa cultura. O exemplo mais grandiloquente disso é o berimbau que ele usava nas apresentações.
Naná construiu o objeto em 1967 usando a corda de um piano no lugar daquela que é tradicionalmente usada. “Isso é uma potência e uma subversão”, diz a curadora Galiana Brasil, acrescentando que o artista fez com que o instrumento fosse visto de outra forma.
“A partir de um lugar estigmatizado, ele leva isso para a sinfônica. Hoje, tem berimbau em orquestras.” O percussionista é responsável também por introduzir o instrumento no jazz, motivo pelo qual é considerado figura importante para o gênero. O cineasta Glauber Rocha, inclusive, costumava declarar que Naná tocava o jazz do terceiro mundo.
“Ele tinha um paisagem autoral muito poderoso”, afirma a curadora. “Ele inaugurou outra material sonora.” Ele inaugurou também uma novidade forma de se fazer Carnaval no Recife. Durante 15 anos, Naná transformou a franqueza da folia na cidade numa imensa orquestra, reunindo 500 batuqueiros de diferentes nações de maracatu.
“Fazer isso não foi uma teoria, foi um repto”, disse Naná, sobre a empreitada. E, de roupa, era um repto e tanto.
As nações têm batidas diferentes e costumam ser rivais umas das outras. Essa união, porém, foi importante porque os maracatus estavam definhando no primícias dos anos 2000, quando ele assumiu o projeto.
“Alguns estavam quase extintos. Ele promoveu um resgate dessa cultura”, diz Patrícia Vasconcelos, viúva do percussionista.
Naná não precisava de grandes estruturas ou de objetos caros para fazer música. Na exposição do Itaú Cultural, há penicos e moringas que ele transformava em instrumento músico em cima do palco.
Para ele, tudo poderia virar som, inclusive a plateia. Tal uma vez que um maestro, ele regia o público durante as apresentações para reproduzir sons variados, uma vez que o fragor da chuva caindo.
Para isso, pedia que os espectadores batessem palmas. “Ele não complicava as coisas. A base não era complexa”, afirma a viúva do artista. “Mas, dentro dessa simplicidade, ele conseguia maneiras de sofisticar.”