'não me entrego, não', avisa othon bastos aos 91 anos

‘Não me entrego, não’, avisa Othon Bastos aos 91 anos – 21/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Othon Bastos, vencedor do Prêmio Shell de Teatro 2025, não sabia que Fernanda Montenegro estava na plateia do espetáculo “Não Me Entrego, Não!”, em junho do ano pretérito, no Rio, quando ouviu um observação vindo do público. “É verdade”, ela disse ao ouvir o companheiro declarar que “São Bernardo”, de Leon Hirszman, é um dos filmes mais importantes da trajetória dele.

A voz inconfundível provocou um sorriso em Bastos, no palco. Depois, vieram as lágrimas. Os dois se encontraram no final da peça e a atriz de 95 anos o abraçou aos prantos, emocionada com o solilóquio, um sucesso carioca agora em edital no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 Bis, em São Paulo.

“São quase século anos de uma vida intensa, de sobrevivência artística”, ela celebrou, falando das experiências de ambos, em conversa registrada em um vídeo que viralizou.

A mesma Fernanda perguntou ao companheiro se é provável ser feliz sem fazer o que se gosta. Para Bastos, a resposta é não. Prova disso é que ele, aos 91, estrelou temporada de dez meses no Rio e, depois de São Paulo, está com viagens marcadas para outros estados —incluindo a Bahia, onde nasceu e conheceu nomes uma vez que Caetano Veloso e Glauber Rocha, portanto jovens no início das carreiras artísticas.

“O que adoro fazer é estar em cena. No teatro, você está diretamente ligado ao público, a reação é imediata. Cada sessão é uma estreia, porque o público é dissemelhante”, diz.

As histórias vividas nos palcos e no cinema são a base de “Não Me Entrego, Não!”, com texto e direção de Flávio Marítimo. A TV fica de fora. “Sabor de fazer, mas não tenho paixão pela televisão”, explica o ator, que lista unicamente três trabalhos preferidos na telinha, apesar das 80 produções de que já participou: Antônio Pereira, na romance “Os Imigrantes” (1981-1982, Band), Júlio Abílio de Lemos, em “Éramos Seis” (1994, SBT) e Silviano, em “Predomínio” (2014-2015, Orbe).

No teatro e no cinema, ele perdeu as contas —são mais de 60 peças e quase uma centena de filmes, interpretando diversos tipos em fases diferentes da história do Brasil. Um deles, o Corisco de “Deus e o Diabo na Terreno do Sol” (1964), um marco do cinema novo, fez Bastos temer a repetição. Ele passou quatro anos sem filmar por não admitir papéis de cangaceiros ou bandidos.

“Nunca mais eu fiz um cangaceiro na minha vida”, ressalta.

No entanto, a força do filme é tamanha que ressoa até hoje. É de Corisco a frase “não me entrego, não” que dá nome ao espetáculo atual.

A convívio com Glauber Rocha, “um vulcão prestes a explodir”, é uma das histórias saborosas contadas no solilóquio. O cineasta baiano abordou Bastos e, impetuoso, disse que precisava dele para as filmagens, em seguida a desistência de Adriano Lisboa.

Integrante da Sociedade Teatro dos Novos, em Salvador, o ator estava envolvido com a geração do Teatro Vila Velha, onde ensaiava a peça “Eles Não Usam Black-Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, e não poderia atender o companheiro cineasta.

“Ele chegou ao montão de manifestar que compraria o meu passe. Eu virei jogador de futebol. É uma vez que se estivesse me alugando por um determinado tempo”, diverte-se ao recordar a fúria criativa glauberiana.

Passe “negociado”, o ator entrou de corpo e psique no que define uma vez que uma “grande experiência filmada”. Sugeriu a narração brechtiana usada por seu personagem, uma revolução na atuação para o cinema.

“Ele, um menino de 24 anos, com um roteiro maravilhoso na mão, aceitou a sugestão de um face que havia recém-chegado, que nem era do filme, nem havia participado das reuniões”.

“Não Me Entrego, Não!” é o primeiro solo na curso de sete décadas do ator. No início da montagem, ele levou a Marítimo uma sacola com 600 páginas de anotações escritas ao longo da vida. E fez um pedido: deixar de fora as histórias amargas.

Queria um espetáculo feliz. No palco, ri de si mesmo o tempo todo. Inclusive dos esquecimentos. Durante os ensaios, percebeu que o volume de texto era muito grande e sugeriu ao diretor a ajuda da Alexa, a assistente virtual da Amazon.

A teoria foi amadurecida, descartada e Bastos ganhou portanto uma companheira de cena de mesocarpo e osso, a artista Juliana Medella. Ela interage com o protagonista e funciona uma vez que uma memória de fatos, nomes e datas que nem sempre estão na ponta da língua do veterano. “Um encontro lindo”, afirma Medella.

O sucesso do espetáculo é uma surpresa para Bastos, artista avesso às biografias e aos documentários sobre si mesmo. Além dos aplausos, o alcance público foi percebido em uma conversa casual na ingressão do Shopping da Gávea, na zona sul do Rio. Uma mulher o abordou e disse: “Cada um tem que procurar o muito que esse espetáculo faz a si próprio”.

“Para mim foi a coisa mais linda. Logo ela seguiu o caminho dela e eu o meu”, diz.

Nascido em Tucano, no sertão baiano, aos 6 anos de idade ele pediu para morar com uma tia em uma pensão no Catete, bairro carioca que fervilhava na dez de 1940. Começou a fazer teatro na escola e chegou a ouvir de uma professora que não seria bem-sucedido, em seguida optar por uma tradução naturalista em um repto na sala de lição.

Foi uma profecia às avessas, uma vez que mostra a lista gigante de trabalhos realizados a partir de 1950.

“O casualidade é importantíssimo na minha vida. O casualidade me ajudou muito. As coisas foram acontecendo”, resume.

Também foi em sala de lição que atendeu a um apelo do economista e boêmio Ronald Russel Wallace de Chevalier, o Roniquito, e substituiu Walter Clark, horizonte poderoso da TV Orbe, em uma encenação. Os três eram colegas de classe.

Em uma das casualidades da vida, Bastos encontrou o diretor Fernando Peixoto, ligado ao Teatro Oficina, em um elevador e foi convidado para o elenco de “Pequenos Burgueses”. No teatro de José Celso Martinez Correa e Renato Borghi encenou também “Galileu Galilei”, “Na Selva das Cidades” e “O Rei da Vela”.

Na semana da estreia na capital paulista, Bastos gravou um testemunho na sede do Oficina, no Bixiga, e se emocionou com o retorno a um espaço que conheceu nos primórdios. Ele afirma que Zé Celso era genial, mas, sim, ficou constrangido ao ouvir do diretor que teria de permanecer nu em uma das encenações. Resolveu a questão pedindo um tapa-sexo.

Em São Paulo, ele viveu anos de glória ao liderar uma companha que montou, entre outros espetáculos, “Um Grito Parado no Ar”, texto de Guarnieri vinculado ao teatro de resistência, com encenação de Peixoto. Bastos tinha a seu lado, no grupo, a atriz Martha Overbeck, 76, com que é casado há 59 anos e tem um rebento e um neto.

Além dos filmes de Glauber Rocha, com quem fez também “O Dragão da Malvadeza contra o Santo Guerreiro”, e de “São Bernardo”, onde interpretou densamente o latifundiário Paulo Honório, o ator cita uma vez que fundamental em seu caminho o trabalho em “O Paciente”, que retrata Tancredo Neves enfrentando os problemas de saúde que impediram a posse na Presidência da República.

Em “Médio do Brasil” e “Bicho de Sete Cabeças”, o ator afirma que foi “coadjuvante de luxo” de Fernanda Montenegro e Rodrigo Santoro, respectivamente.

Não parece ser uma certeza magoada e sim realista. Bastos é um artista que questiona as ilusões da renome e aposta na dedicação ao ofício escolhido.

“Na minha curso, eu fui um selecionador. Selecionei o que quis. Não me deixei encantar pelo sucesso. Nietzsche diz que o sucesso é o maior mentiroso que existe”.

Em uma apresentação recente para estudantes de teatro, ele encontrou uma plateia entusiasmada e curiosa sobre as estratégias de sobrevivência na vida artística.

A resposta é a persistência no palco, onde pretende comemorar o natalício de 92 anos, em maio, em terras baianas.

O ator prega a alegria de viver e adota o bom humor para não se entregar às expressões carrancudas que, vez ou outra, cruzam o seu caminho.

Folha

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