Uma estreita ladeira de paralelepípedos, na zona portuária do Rio de Janeiro, leva à Moradia Escrevivência Conceição Evaristo. O pequeno espaço cultural que abriga uma livraria com centenas de livros – notadamente de escritores negros e temas antirracistas – foi escolhido para o lançamento, nesta quarta-feira (20), da Cátedra Pequena África, da Instauração Getulio Vargas (FGV). O objetivo é aprofundar estudos das produções teóricas de homens e mulheres negros.
Fundadora da morada, oportunidade em julho de 2023, e uma das principais escritoras negras do país, Conceição Evaristo é uma das quatro responsáveis pela gestão do projeto, que nasceu de uma pronunciação da prefeitura do Rio de Janeiro com a FGV. Para a escritora, a geração de uma cátedra para valorizar saberes negros é uma obrigação do país.
“A presença negra está na formação da nacionalidade brasileira. Tudo que se faça para preservação dessa memória, para divulgação da cultura negra, a partir de políticas públicas não é mais do que uma obrigação”, disse à Filial Brasil. “O estado brasílio é devedor da comunidade negra.”
Neste primeiro ano de atividade da cátedra, serão oferecidos cursos livres, palestras e seminários sobre temas sociais, culturais e acadêmicos. Os encontros serão nas unidades da FGV pelo país, além de chegada online.
Saber preto
Conceição considera que o espaço é caminho para valorizar e findar com a simplicidade de pensadores negros de todas as áreas.
“Nós temos de reconhecer as nossas contribuições, os nossos valores. A nacionalidade brasileira é marcada profundamente pelas culturas negras em todos os âmbitos. Embora, durante muito tempo, esse reconhecimento não se deu, eu acho que na medida que ele se dá, temos obrigação também de declarar nossa cultura. É uma questão de valorização, não individual, mas coletiva das culturas negras, que vão para além da dança, da cozinha. É na extensão técnica, científica, filosófica”, ressalta.
“Não precisamos ter simplicidade para assumir nossos papéis”. Além de Conceição Evaristo, são catedráticas responsáveis pelo projeto a professora e cantora lírica Inaicyra Falcão, a poeta e ensaísta Leda Maria Martins e a artista plástica Rosana Paulino, que não esteve no lançamento, pois está na Argentina para a inauguração de exposição no Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires.
Leda Maria Martins conta que admitir o invitação para ser catedrática foi um responsabilidade. “É um responsabilidade porque, de certa maneira, atende a nossa trajetória de revelar todos os saberes que foram trazidos da África para as Américas e, em privado, para o Brasil”.
Pequena África
Depois o lançamento na Moradia Escrevivência, as catedráticas e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, fizeram uma passeio de pouco mais de 100 metros até a Pedra do Sal, uma escadaria com poderoso relação com a cultura negra e onde há uma comunidade quilombola. O trajeto fica na chamada Pequena África, por concentrar locais de relevância histórica para a população negra.
Um desses lugares é o Cais do Valongo, principal ponto de desembarque de africanos escravizados nas Américas. Estimativas mostram que tapume de um milhão de africanos tenham chegado ao Brasil por meio do Valongo, hoje um sítio arqueológico Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Ensino, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“O legado tem que ser mantido e agora é a hora de se narrar essa história, com a Cátedra da Pequena África mostrando a afro-carioquice que formou esse país. O Rio quer ser uma cidade antirracista, quer mostrar isso o tempo todo, lembrar esse resgate que a gente precisa”, disse o prefeito Eduardo Paes.
No passeio permeado por conotação histórica, Leda lembra que os escravizados chegavam ao Rio de Janeiro nus, porém, não desvestidos de conhecimento.
“Quando se conta a história dos negros, se enfatiza muito porquê se os povos negros fossem desvestidos de saberes, de conhecimento, incapazes de fabricar pensamento. Não é verdade. Isso é um modo colonial de desqualificar o outro e, de certa forma, justificar o próprio sistema escravista”, critica a escritora.
“Na verdade, os povos negros, assim porquê os indígenas que já cá estavam, vêm com uma gama, um repertório muito grande de conhecimentos. Não somente conhecimentos estéticos, musicais e dançantes. Mas científicos, técnicos e tecnológicos”, avaliou.
Para Sidnei Gonzalez, diretor da FGV Conhecimento, a geração da Cátedra Pequena África é uma mão dupla que leva conhecimento da sociedade brasileira para dentro da FGV, assim porquê atua porquê forma de reparação.
“Essa reparação é um sentimento de todos nós brasileiros. Acho que a cátedra é um dos instrumentos mais importantes que nós teremos no Brasil, iniciada no Rio de Janeiro, para esse resgate e essa correção dos erros que cometemos no pretérito”.
Comitê
Para desenvolver as atividades da Cátedra Pequena África, foi criado um comitê consultivo com oito intelectuais negros: Ayrson Heráclito, artista visual, professor da Universidade Federalista do Recôncavo da Bahia (UFRB) e curador; Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); Conceição Evaristo, professora e escritora; Dione Oliveira Moura, professora e diretora da Faculdade de Notícia (FAC) da Universidade de Brasília (UnB); Jurema Werneck, médica, doutora em Notícia e Cultura, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil; Muniz Sodré de Araújo Cabral, sociólogo, jornalista, professor da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ) e repórter; Sonia Guimarães, pesquisador, pesquisadora, professora, presidente da Percentagem de Justiça, Isenção, Pluralidade e Inclusão da Sociedade Brasileira de Física; e Thiago Arrimo, legisperito e professor de recta da FGV.