Maria Alice Setubal diz que não saiu ilesa daquele 2014. O ano era de eleição presidencial, e Neca, uma vez que é conhecida, integrava o núcleo duro da campanha da portanto candidata Marina Silva. Juntas, varavam madrugadas discutindo estratégias e percorriam o país encampando o projeto político posto à prova nas urnas.
Não foram poucos os reveses, e muitos deles são conhecidos publicamente. O acidente airado que matou Eduardo Campos (PSB), que tinha Marina uma vez que vice, e a campanha negativa do PT que culminou no derretimento dela nas pesquisas talvez sejam os mais emblemáticos. O que Neca traz à luz, agora, é o dispêndio pessoal daquele pleito.
Passados dez anos, a educadora, presidente do recomendação da Instalação Tide Setubal e integrante de uma das famílias controladoras do banco Itaú revisita bastidores inéditos da corrida eleitoral em “Minha Escolha pela Ação Social: Sobre Legados, Territórios e Democracia” (Tinta-da-China Brasil), autobiografia que será lançada por ela na próxima terça-feira (11).
Em uma das passagens, Neca conta que foi parar no hospital antes do primeiro vez de 2014. O diagnóstico? Estafa. “Expor que foi fácil, não foi. Fiz terapia em 2015 e tudo”, afirma, aos risos, à pilastra. Daquela idade, diz não nutrir ressentimentos contra o partido de Lula (PT), a quem apoiou em 2022. “Depois que superei, sou página viradela. De verdade.”
Neca conversou com a pilastra no restaurante Oscar do Brasília Palace Hotel, durante uma visitante à capital federalista. Embora não fosse o caso naquela quinta-feira, ela conta que suas passagens por Brasília costumam incluir uma paragem na sede do Ministério do Meio Envolvente e Mudança do Clima, onde pode almoçar a sós com Marina, hoje dirigente da pasta.
A relação com a amiga e a turbulenta campanha de 2014 são algumas das tantas histórias contadas por Neca nas 184 páginas que compõem sua autobiografia.
Sua reconhecida trajetória uma vez que educadora é esmiuçada cronologicamente, passando pela geração da pré‑escola Dominó, em São Paulo, pela instauração e consolidação do Cenpec (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino, Cultura e Ação Comunitária) e pelo extenso trabalho da Instalação Tide Setubal, iniciado em 2006 em São Miguel Paulista, na zona leste da capital, e depois ampliado.
Ao falar sobre seus laços familiares, Neca descreve o banqueiro Olavo Setubal uma vez que um pai severo e instigante, e a mãe, Tide Setubal, uma vez que uma mulher adiante de seu tempo e fiadora da instrução dos sete filhos.
Da figura paterna, traz histórias uma vez que os encontros improváveis que doutor Olavo, uma vez que era sabido, costumava promover entre executivos do Itaú e figuras à esquerda, a exemplo de Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo e hoje deputada federalista pelo PSOL, e João Pedro Stedile, dirigente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terreno).
“É um lado do meu pai que eu também redescobri. Ele trazia todas essas pessoas para almoçar, e sempre falava que, no banco, as pessoas precisavam terebrar a cabeça, que o mundo era muito maior do que o Itaú. A política fez com que ele tivesse uma visão muito mais alargada do mundo. Ele queria que os executivos entendessem o Brasil.”
Além da curso uma vez que banqueiro, empresário e engenheiro, Olavo Setubal foi prefeito biônico da cidade de São Paulo de 1975 a 1979, nomeado pela ditadura militar (1964-1985). Os laços com o regime e a Estádio divergiam das preferências políticas de Neca, sua única filha mulher. Aprovada no curso de Ciências Sociais da USP (Universidade de São Paulo) menos de dois anos em seguida a edição do AI‑5, ela aderiu a grupos ligados ao opositor MDB.
Neca diz que o período ditatorial foi “pessoalmente e emocionalmente difícil”, mas contemporiza ao falar de Olavo Setubal. “Meu pai sempre teve esse jeito de gostar das ideias diferentes, de entender o que o outro está pensando.”
Ela se recorda do dia em que foi à missa de sétimo dia de Vladimir Herzog, assassinado pelos militares em 1975. O portanto prefeito foi avisado por seguranças da presença de sua filha no sítio, ao que teria respondido: “Deixem ela”. “Ele era aquele conservador liberal. Acreditava muito no Brasil, no desenvolvimento, no espaço público. Hoje em dia, acho que quase acabou esse conservador liberal. Foi engolido, se radicalizou.”
Hoje uma septuagenária de 73 anos, Neca perdeu a mãe aos 26, em decorrência de um cancro. A educadora tinha oferecido à luz seu primeiro fruto havia exclusivamente 15 dias quando o óbito ocorreu. Tide tinha 52 anos.
“Foi um momento muito, muito difícil. Ela estava morrendo, e eu estava aprendendo a ser mãe, vivenciando o promanação do meu primeiro fruto. Era um pouco aquela sensação de que ela esperou ele nascer para morrer.”
A educadora diz que sua relação com a mãe, um pouco conturbada na juventude, foi ressignificada com o passar do tempo. “Ela tinha um lado muito artístico, era uma pessoa muito carismática, que lia muito, gostava de música, de artes plásticas. E era, ao mesmo tempo, muito vaidosa e muito formosa. Ela queria que eu me vestisse super muito. Comprava um monte de roupa e eu não gostava, não queria”, relembra, aos risos.
“Eu ficava brava. Na idade, fazia Ciências Sociais, andava com calça jeans, lia todo ‘O Capital’ [de Marx]. Tinha esse tipo de conflito super truão”, acrescenta.
“Ela foi uma mulher muito adiante [do tempo]. Eu não tive uma mãe submissa, embora ela tenha tido um marido muito possante. Ela sempre se posicionava, tinha as opiniões dela —que, muitas vezes, não eram as mesmas do meu pai. Na idade, eu não tinha consciência de uma vez que isso foi importante para eu buscar o meu caminho.”
Ao se debruçar sobre a sua própria história, Neca deixa evidente o incômodo que sente por seu nome ser comumente precedido pela epíteto de “herdeira”. Ela, que é bilionária, ainda questiona supostos rótulos associados à escol econômica.
“Sempre chegava primeiro o Setubal para depois chegar a Neca”, diz, ao falar sobre o peso de seu sobrenome e uma vez que ele ofuscava sua trajetória profissional. “Eu sempre tive que provar que era uma pessoa competente, que tinha teor, que entendia de instrução, que não era uma socialite metida a besta. Com os anos, isso deixou de ser uma questão.”
“As editorias [jornalísticas] me colocam uma vez que ‘a herdeira’. Às vezes, não põem nem meu nome [no título das reportagens]. Por ser mulher, eu apareço uma vez que herdeira. Mas os homens, não. Meu irmão José Luiz, que tem uma instauração, é médico, tem a filantropia, nunca foi herdeiro. Só eu que sou herdeira”, ironiza, rindo mais uma vez.
Ao comentar o veste de bilionários serem também um emblema da profunda desigualdade social, a educadora pondera que é da escol, mas que se responsabilizou, a vida inteira, por trabalhos de ação social dedicados ao desenvolvimento da sociedade.
“Eu sou a pessoa que está falando em justiça social e em, por exemplo, taxação de riqueza. A gente tem que ter um tributo progressivo, isso tem que ser encarado de frente. A filantropia é importante, [debater] a questão da pobreza é importante, mas isso não basta num país com as desigualdades que a gente tem.”
Neca afirma que se reunirá neste mês com a economista francesa Esther Duflo, vencedora do Nobel de Economia de 2019, autora de uma proposta de taxação dos super-ricos a nível global. A agenda é defendida pelo presidente Lula e pelo ministro da Herdade, Fernando Haddad, e deve ser levada à cúpula do G20, em novembro.
“Isso é uma pretexto que eu estou querendo retrair. Eu não fico em um oração vazio. Acho que a gente [da elite] tem que ser consequente nos discursos. Só assim vamos conseguir prosseguir e iniciar a mudar a rosto da sociedade brasileira.”
Ao olhar para o Brasil de hoje com os olhos de quem viveu a redemocratização e participou do debate sobre políticas públicas para a instrução, Neca diz ver o copo “meio referto, meio vazio”. Se por um lado houve uma melhora notável na instrução, diz, por outro o país teria estagnado em um patamar mediano.
“O lado vazio do copo é que ainda tem muito a ser feito em termos de qualidade. A gente avançou com o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], mas ele marca a média. E você consegue melhorar a média melhorando os melhores. Quem fica para insignificante, continua para insignificante.”
“Para você dar esse salto de qualidade, precisa ter classes menores, professores melhores, material didático específico, um grande esforço político. O país não vai dar o salto só com os melhores, com as Tabatas da vida que furaram a bolha [em referência à deputada federal Tabata Amaral, do PSB-SP]. É perverso. Você vai melhorando os melhores e vai deixando para trás os de sempre, que, em universal, são os pretos e pardos, na sua maioria.”
Neca se diz apreensiva com a proximidade do lançamento da autobiografia, mas afirma estar satisfeita por ter encarado a empreitada, que compara a uma sessão de psicanálise no divã. Depois de revisitar toda a sua história, diz não sentir nostalgia.
“Acho que eu tenho essa coisa de construção, sabe? De ver que a gente tem a responsabilidade de erigir um país melhor. Parece um clichê, mas eu acredito nisso. Aquele país ‘certinho’ [do passado] não incluía as pessoas negras, não estava colocando todo mundo na escola. Não era um país de verdade. Nunca existiu.”
“Eu tenho 73 anos, e evidente que gostaria de ter menos, mas não sinto saudades do tempo anterior. Nostalgia eu não tenho mesmo. Eu me sabor com a experiência que eu tenho hoje.”