Nelson Leirner Ganha Mostra Com Obras Questionadoras 04/12/2024

Nelson Leirner ganha mostra com obras questionadoras – 04/12/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

É uma vez que se estivéssemos em uma sarau infantil. As cores do envolvente são vibrantes, com o soberania de um vermelho sangue que deixa o público aturdido. Em uma das paredes, há um planta feito com centenas de figurinhas de personagens uma vez que Mickey Mouse, Piu-Piu e das “Meninas Superpoderosas”. Em outra extremidade, é verosímil ver soldadinhos de plástico e aviões de brinquedo fixados sobre uma tela em branco.

Embora apresente objetos do universo infantil, a exposição “Nelson Leirner – Parque de Diversões” zero tem de ingênua ou singelo. Finalmente, o artista por trás das obras era célebre pela poética afiada e pelas críticas mordazes ao mundo das artes.

Em edital na Caixa Cultural de São Paulo, essa é a maior mostra dedicada ao artista desde sua morte, em 2021. São 74 obras feitas em diferentes suportes, uma vez que esculturas, pinturas, colagens e fotografias. Apesar da variedade de formas, a acidez e a ironia fina são elementos que unem a maior secção das peças.

É o caso, por exemplo, de um orbe terrestre da série “Assim é…Se lhe Parece”, de 2003. Na obra, Leirner cobriu todos os continentes com figurinhas da bandeira americana, uma vez que se mostrasse que o mundo foi colonizado pelo ideário ianque.

Há ainda outro planta da mesma série em que vemos a maior secção da América Latina coberta por imagens de caveiras, enquanto figurinhas sorridentes da Minnie e do Mickey enfeitam os países norte-americanos. Com objetos prosaicos, Leirner refletia sobre as desigualdades que põem países pobres e ricos em lados opostos do xadrez geopolítico.

Não por possibilidade, as obras da exposição frequentemente fazem referência à teoria de jogo, uma vez que acontece na série “Xeque- Mate”.

“Ele mostrava que tudo é um jogo de cena com interesses envolvidos”, diz Agnaldo Farias, curador da mostra e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a USP. “Grande secção da poética dele traz elementos ligados a brinquedos, demonstrando o caráter político e ideológico desses objetos.”

Leirner parecia entender que esses itens não são feitos exclusivamente para entreter, mas também para difundir visões de mundo. “O imaginário construído em torno deles é tomado por preconceitos e por ideologias eminentemente brancas, machistas e beligerantes.”

Por falar em guerra, a exposição traz trabalhos em que o artista incorporou peças infantis ligadas a conflitos armados, uma vez que tanques, caças e mísseis. Uma das obras mais interessantes nesse sentido é “O Grande Dança”, de 2012.

Nas laterais de uma superfície plana, há dezenas de peças de cerâmica retratando noivos. No meio, bibelôs de anjos e santos parecem dançar nos braços de soldadinhos de plástico.

A união de elementos tão díspares passa a fazer sentido quando lembramos os valores sociais que esses objetos representam. Os casais simbolizam a teoria de família, os soldados aludem ao Estado e as imagens sacras, à igreja. Três instituições essencialmente disciplinadoras.

“Ele misturava tudo e fazia uma espécie de salada desses elementos, mostrando uma vez que a religião, a política e o militarismo vão se embaralhando”, diz Farias.

Leirner também misturava com maestria o erudito ao popular. É isso o que fez na série “Quadro a Quadro – Centena Monas”, em que imaginou a pintura de Leonardo da Vinci de diferentes maneiras, inclusive com uma máscara de Carnaval. “Ele valorizava expressões consideradas mais simples e sem sapiência”, diz o pesquisador. “Nelson era contra uma arte metida a besta.”

Por isso mesmo, ele voltou a artilharia para a abstração geométrica, movimento que se tornou canônico no Brasil a partir dos anos 1950. Em tom zombeteiro, dizia que qualquer restaurante de orla de estrada vendia tapetes geométricos feitos com pele de vaca.

Em 1999, decidiu provar esse ponto na Bienal de Veneza. À idade, apresentou a série “Construtivismo Rústico”, em que a tinta foi substituída por epiderme de boi costurado de modo a produzir formas geométricas. Uma das peças dessa série faz secção da exposição. “Para ele, a arte se alimentava daquilo que não era arte. O artista também era um não artista”, diz Farias.

Entre os anos 1970 e 1990, foi professor da Instalação Armando Alvares Penteado, a Faap. Nesse período, convidou diferentes profissionais, uma vez que pedreiros, dentistas e médicos, para traçar flores em uma tela sob sua orientação.

Além dos trabalhos de seus pupilos, o próprio artista elaborou uma pintura para a iniciativa, que deu origem à exposição “Projeto Lição”, na galeria Luisa Strina, em São Paulo.

Os trabalhos, também expostos na Caixa Cultural, têm dois elementos em generalidade –todos são esteticamente parecidos e nenhum deles traz o crédito do responsável. Com isso, Leirner desafia a teoria de autoria, concepção tão custoso ao rotação das artes.

Essa, porém, não foi a primeira vez que ele confrontou convenções. Em 1966, criou ao lado de Wesley Duke Lee e Geraldo de Barros a galeria Rex, projeto que combatia a rigidez concretista por meio de obras irreverentes e pouco convencionais.

A empreitada durou menos de um ano e terminou de forma anedótica. Eles organizaram uma exposição em que os visitantes poderiam levar as obras de arte para vivenda. Em poucos minutos, a plebe esvaziou a galeria e vendeu os itens no meio da rua.

Seu projeto mais ruidoso, porém, foi feito em 1967, quando enviou um porco empalhado dentro de um engradado de feira para o 4º Salão de Arte Moderna de Brasília.

O bicho foi aceito pelos avaliadores, dando início a um debate incendido sobre o que define uma obra de arte. Leirner, aliás, ajudou a atiçar a polêmica ao publicar um cláusula pedindo explicações sobre os critérios por trás da escolha dos jurados.

No entanto, o incerto porco não demorou a ser devorado por um mercado hábil em transformar quase tudo em commodity, inclusive a sátira. Atualmente, é uma das obras mais importantes da Pinacoteca de São Paulo. “A sociedade aprendeu a consumir o artista. Não tem uma vez que criticar sendo consumido. Todos nós viramos marca registrada”, disse à Folha, em 2011.

São palavras de alguém que conhecia desde rapaz as engrenagens que fazem rodopiar o mundo das artes. Ele era fruto da escultora Felícia Leirner e do empresário Isai Leirner, par influente que ajudou a fundar o Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Entre 1947 e 1952, estudou engenharia têxtil nos Estados Unidos, mas acabou virando artista por influência do pai. Apesar disso, continuava a encarar esse universo com o espanto de um forasteiro. Possivelmente vem desse estranhamento a natureza questionadora de seu projeto estético.

“É um trabalho que segue sendo atual justamente por questionar a própria noção de arte. Ela se alimenta e avança na medida em que é questionada”, diz Farias, acrescentando que o artista era um exímio questionador. “Ele foi um espírito muito vivo, crítico e ácido até o termo.”

Folha

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