Quando se acendem velinhas para uma revista hoje em dia, é mais generalidade que a ocasião seja um velório e não um natalício. Para se ter uma teoria, nas últimas duas décadas, 3.200 publicações deixaram de viver nos Estados Unidos, segundo relatório da Universidade Northwestern.
Por isso, não é toda hora que uma revista —semanal, ainda por cima— faz século anos. E é a essa idade que chega, nesta sexta-feira, a The New Yorker, uma das publicações mais influentes da história do jornalismo. E também da literatura, do cinema, da sátira cultural, do humor.
Neste século, a revista encarnou a sensibilidade cosmopolita e se firmou na história porquê um celeiro de vozes autorais que, ao mesmo tempo, não abafam a voz própria da publicação —conhecida por ser simples, meticulosa, atenta aos fatos e muito editada.
Zero mau para quem começou porquê fracasso. A revista foi fundada pelo lendário editor Harold Ross e sua mulher, a jornalista Jane Grant, depois de conseguir um investimento de um herdeiro. O ricaço deu US$ 25 milénio, e, logo depois do lançamento, Ross perdeu US$ 20 milénio num jogo de pôquer.
O velho editor-chefe era uma figura curiosa. Quando o conheceu, sua mulher acreditou ser um dos homens mais feios que já tinha visto. Em fotos, com frequência tem postura desconjuntada ou está sorrindo de boca fechada —seus dentes eram separados.
Por décadas, foi difundida uma imagem de Ross porquê um caipira nascido no estado do Colorado, um varão sem sofisticação. Hoje, já se sabe que não era muito assim. Naquele período, estava em voga performar um manifesto anti-intelectualismo, e Ross também sabia usar a imagem de bronco para arrancar dos autores da New Yorker um texto cada vez mais límpido —finalmente, o gerente tinha de entender tudo o que estava escrito.
Mas ele teve a visão de renovar o mercado de revistas, num momento palpitante de Novidade York, que se tornaria um dos polos culturais do mundo ocidental.
A primeira edição trazia um dos personagens que marcariam a identidade da revista, um dândi que olha com seu monóculo para uma borboletinha, desenhado por Rea Irving, que ganharia o nome de Eustace Tilley. O personagem sempre retorna em edições de natalício.
Quando Ross morreu, em 1951, quem assumiu foi seu braço recta, William Shawn, que se tornaria também uma figura lendária, sendo o oposto do predecessor. Shawn era discretíssimo, tímido, falava plebeu. Também um cultivador do bom estilo textual, tinha pavor de andejar de metrô ou de elevador, um jeito de lorde que deixava as pessoas com temor de o magoarem —e, porquê consequência, o ajudava a conseguir o que queria dos outros.
Era tão avesso à reputação que, porquê conta o jornalista Ben Yagoda em “About Town”, biografia da New Yorker, o nome de Shawn nunca foi publicado na revista nos 54 anos em que trabalhou lá. Mesmo assim, a identidade da publicação estava associada a ele —tanto que sua exoneração, em 1987, quando a revista trocou de proprietário, foi o maior drama.
Neste um século, a New Yorker teve exclusivamente cinco editores-chefes. Com a saída de Shawn, assumiu o editor de livros Robert Gottlieb, que ficou até 1992, dando lugar à jornalista Tina Brown, que introduziu renovações porquê a retrato. David Remnick segura o leme desde 1998.
Quem também elevou a New Yorker ao patamar de hoje foram os jornalistas, críticos, ensaístas e cartunistas et cetera, que puderam edificar uma voz própria e criar clássicos em seus campos.
Foi em uma edição inteira da revista —inteira mesmo, decisão de William Shawn— que John Hersey publicou sua clássica reportagem “Hiroshima”. Também foi sob o comando da revista que Truman Capote publicou, em quatro partes, “A Sangue Indiferente”, seu “romance de não ficção”, porquê dizia. E foi lá que Janet Malcolm publicou a reportagem “O Jornalista e o Sicário”, clássico incontornável sobre a relação entre jornalistas e suas fontes.
São textos de impacto cultural que, hoje, talvez muitos nem se lembrem de ter saído da New Yorker primeiro. Quando se fala em “futilidade do mal”, termo de Hannah Arendt em seu livro “Eichmann em Jerusalém”, não se fala mais que ela viajou porquê repórter da revista para o julgamento do burocrata nazista. O livro “Da Próxima Vez, O Queimação”, clássico de James Baldwin, tem origem em “Epístola de uma Região da Minha Mente”, também publicado pela revista.
Ao longo das décadas, os nomes associados à New Yorker se acumulam —Lilian Ross, Joseph Mitchell, J.D. Salinger, Dorothy Parker, E.B. White, Jon Lee Anderson, Joseph Mitchell, Henry Louis Gates, Hilton Als e por aí vai.
Todos esses autores passavam por edição pesada. O que no final é ótimo, mas no processo pode ser exaustivo, difícil, conflitante. Principalmente se do lado da edição está um monte de obcecados.
Para o centenário, a jornalista e historiadora Jill Lepore mergulhou nos arquivos da New Yorker, hoje na Livraria Pública de Novidade York, em procura das trocas de mensagens entre autores e editores. O resultado é um item hilário na edição de século anos.
Harold Ross achava que autores eram crianças e editores, adultos. Pensava que encontrar gente para redigir era moleza, difícil era encontrar quem soubesse editar. Certa vez, datilografou uma lista de 178 dúvidas sobre o texto de um colaborador. Era um fanático.
Ross chegava ao ponto de manifestar que quanto mais um colaborador batia boca com o editor, menos valor ele tinha diante de seus olhos. “Quanto pior o plumitivo, mais confusão, é essa a regra”, disse ele certa vez. Com temor da imagem que iam gerar, os brigões desistiam.
Esse trabalho de bastidores foi forçoso para que a revista chegasse até os nossos dias. William Shawn chamava seu estilo de editar de “a tradição”. Em um século, foi isso o que a New Yorker conseguiu edificar.