Nilmário miranda: famílias recebem novas certidões de óbito em abril

Nilmário Miranda: famílias recebem novas certidões de óbito em abril

Brasil

Ex-ministro dos Direitos Humanos, e hoje assessor privativo da pasta, Nilmário Miranda diz que a luta por memória e justiça por segmento das vítimas da ditadura no Brasil teve importante conquista com a expedição de novas certidões de óbitos que reconhecem que mortos e desaparecidos foram vítimas da ação violenta de agentes do Estado. Segundo ele, esses documentos devem ser entregues às famílias nas próximas duas ou três semanas. “É alguma coisa histórico”.

Nilmário, que é assessor privativo de Resguardo da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), participa nesta semana de uma série de eventos, uma vez que a que ele esteve no dia 1º, no Poderoso do Barbalho, lugar em que houve violações, torturas e mortes em Salvador (BA). No dia 6, ele estará em São Paulo também em prédios públicos que serviram de aparelho de violência do Estado.

Ele entende que o País também precisa agradecer aos efeitos do filme Ainda Estou Cá, de Walter Salles, que ganhou o Oscar de melhor filme internacional. Ao revelar detalhes de uma vez que a ditadura impactou a família de Rubens Paiva, assassinado em janeiro de 1971, abriu maior discussão na sociedade. Outro tema que ele diz ser pauta de investigação é o da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 1976. 

Miranda ainda reforçou a intenção do governo de realizar gestões para que mais espaços marcados pela ditadura tornem-se espaços de ensino e conscientização sobre o período.

Escritório Brasil – Porquê o senhor avalia o atual momento do Brasil no campo da memória e justiça às vítimas da ditadura? 

Nilmário Miranda – Eu creio que é um momento que a gente viveu poucas vezes no nosso país. O filme Ainda Estou Cá conseguiu chegar às novas gerações. Os últimos seis meses mudaram o quadro no país. Mas a nossa luta já vinha acumulando vitórias. Nós fizemos, no dia 10 de dezembro, convenção com o CNJ (Parecer Vernáculo de Justiça) que permitiu a retificação das certidões de óbito de pessoas desaparecidas que têm morte presumida. Agora vai constar (nos documentos) morte violenta, não procedente, por perseguição política praticada por agentes do Estado durante o regime militar. É alguma coisa histórico.

Escritório Brasil – São 202 casos de retificação de certidões de óbito e 232 novos registros de óbito a serem produzidos. O senhor tem meta que cheguem às famílias até quando? Porquê essas famílias devem receber esses novos documentos?

Nilmário Miranda – Já houve notificação para todos os cartórios do Brasil. Nenhuma família precisa fazer o pedido de requerer a retificação da diploma de óbito. Ela será entregue obrigatoriamente pelos cartórios por decisão do CNJ e nós vamos partilhar e entregar para as famílias em todo o país, num processo comandado pela Percentagem Próprio de Mortos e Desaparecidos Políticos. A percentagem vai comandar a entrega das certidões em sessões solenes, provavelmente em assembleias legislativas, com a presença de vários poderes do Estado reconhecendo que essas pessoas eram heróis da pátria. Não podiam ter sido assassinadas desse jeito, não podiam ter sido caluniadas, uma vez que foram, uma vez que se fossem terroristas perigosos.

Escritório Brasil – Quando essas solenidades devem ser realizadas?

Nilmário Miranda –  O prazo, a partir da notificação das famílias, é 30 dias. Portanto, podemos, nas próximas duas ou três semanas. Todas as certidões estão com a nossa assessoria de Resguardo da Democracia, Memória e Verdade

Escritório Brasil – Outra novidade também foi a retomada da investigação sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, manifesto?

Nilmário Miranda – No dia 14 de fevereiro, no Recife, em uma reunião da percentagem de mortos e desaparecidos políticos foi crédulo um procedimento para rever a morte do presidente Juscelino Kubitschek (que, pela versão solene, morreu em 22 de agosto de 1976, em um acidente de trânsito na Rodovia Presidente Dutra, no trajeto entre São Paulo e Rio de Janeiro). Nós temos hoje muitos documentos, laudos, testemunhos que põem em xeque o acidente (e há a suspeita de que teria havido alguma ação criminosa). Lembro que, naquele mesmo ano, em abril, a estilista, Zuzu Angel, que procurava o rebento (Stuart) perdido, desde 1971. Ela teria sido também vítima de um acidente na saída do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. O laudo emitido foi um contraditório, uma agressão à física. Houve um recurso e o Estado reconheceu que o acidente foi provocado. Seis meses depois, tem o suposto acidente com o Juscelino Kubitschek. Nós reabrimos o caso. Isso é muito interessante também dessa história.

Escritório Brasil – O senhor conhece detalhes desse caso?

Nilmário Miranda – Dez anos detrás, 20 professores da USP produziram 900 páginas contestando o acidente. Mas, na era, não teve a repercussão esperada. Em trabalhos uma vez que esse, não há nenhuma intenção política ideológica. É a procura da verdade histórica. 

Escritório Brasil – O senhor mesmo foi recluso e torturado pela ditadura. Porquê e quando o senhor passou por isso?

Nilmário Miranda – Eu fui recluso duas vezes. Em 1968, por partilhar um panfleto. Fiquei três anos em reclusão e dez anos de perda de direitos políticos por motivo de um panfleto. Aí depois do AI-5 (Ato institucional número 5),eu fui obrigado a entrar na clandestinidade. Fui recluso de novo em 1972 por aquele solicitador (do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo – DOPS)  (Sérgio) Fleury, que era um torturador notório, um bandido a serviço do Estado. Ele falou  que eu tinha que entregar os companheiros, senão teria o fado Marighella e Lamarca. Ele matou todos. Ele falou que, se eu não entregasse as pessoas, eu ia saber a sucursal do inferno. Quando eu recusei entregar pessoas, já percebi que eu ia passar por um sofrimento com muita crueldade. Eu fui para vários presídios: Tiradentes, Carandiru e Hipódromo (em São Paulo) e depois para Juiz de Fora (MG). Mas eu vi muita brutalidade.

Escritório Brasil – Esses espaços históricos em que houve prisões podem se tornar museus para lembrar a sociedade brasileira sobre o que foi a ditadura?

Nilmário Miranda – O lugar em que eu fui recluso em 72, pelo solicitador Fleury, hoje é um memorial da existência. Fica perto da Estação da Luz, em que 85 milénio pessoas por ano vão lá saber o memorial. Nossa tarefa, dentro da memória e da verdade, é buscar esses espaços, por exemplo, uma vez que o Poderoso do Barbalho (em Salvador – BA), o DOPS, no Rio de Janeiro. Há um lugar também que ficou famoso mundialmente, a Vivenda da Morte, em Petrópolis (RJ), onde um aparelho controlado pelo Tropa uma vez que aparelho ilegal de tortura durante o período do regime militar foi identificada por Inês Etienne Romeu, única prisioneira política a transpor viva da mansão. Ela mentiu para os torturadores e não entregou ninguém.  É uma verdadeira heroína. O lugar vai se tornar um núcleo de memória. Outros locais também vão ter essa finalidade. Um exemplo é em Marabá, um lugar chamado Vivenda Azul, foi usado para matar pessoas ligadas à guerrilha do Araguaia. O intuito é passar para as novas gerações o que aconteceu na ditadura. Há uma rede pátrio para ser articulada com os governos locais.

 

Fonte EBC

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