“Parabéns, você foi selecionado para participar da arquibancada mais festiva e com mais atmosfera de todas durante os Jogos: o Quadro dos Torcedores.”
Eu nem me lembrava mais que, no longínquo mês de dezembro de 2023, tinha respondido a um e-mail propondo participar do sorteio para “uma zona festiva no coração das arquibancadas, posicionada e pensada para empuxar os atletas rumo à vitória, com os espectadores mais ferventes, prontos a dar tudo de si e um clima enlouquecido.”
O Quadro dos Torcedores! Eu e mais dois convidados teríamos o privilégio de ver muito de perto prova de ciclismo de estrada, na esplanada do Trocadéro, em frente à Torre Eiffel, no dia 3 de agosto.
O ciclismo é uma paixão vernáculo na França, junto com o futebol e o rúgbi. O Tour de France, maior competição do esporte, para o país todo mês de julho.
A prova olímpica de estrada, portanto, prometia ser um dos pontos altos das Olimpíadas.
Na manhã do grande dia, saímos de morada, eu, esposa e filha, com camisas da França —por fim, era preciso estar a caráter—, imaginando que estaríamos misturados a centenas de franceses em delírio, agitando bandeiras tricolores em uma arquibancada privilegiada.
Expectativa versus réalité.
Eu devia ter intrigado, pois já havia um precedente. Também ganhei em um sorteio quatro ingressos para a cerimônia de exórdio dos Jogos.
Ficamos de pé, encharcados de chuva, divisando de longe, pela fresta de uma grade, o desfile de barcos no rio Sena.
Desta vez, pelo menos, fazia sol. Chegamos cedo ao Trocadéro (mesmo palco da segmento final da cerimônia de exórdio). Perguntamos ao primeiro voluntário: S’il vous plaît, onde fica o Quadro dos Torcedores?
Perguntamos ao segundo. Ao terceiro. Todos faziam frase de estuporado. Je ne sais pas. Deve ser ali. Nunca ouvi falar. Não faço a menor teoria. Porquê é o nome? Pergunte àquele ali. Já tentaram ali?
Supostamente capacitados para orientar o público, os voluntários simplesmente desconheciam o tal Quadro. Subimos à arquibancada para tentar localizá-lo. Nem sinal.
Depois de rodar bastante, acabamos topando com uma tira: “Carré des Supporters”. Ficava muito em cima da ponte de l’Espírito, que liga a Torre Eiffel ao Trocadéro.
O Quadro dos Torcedores não era um quadro, nem tinha muitos torcedores. Era uma tira estreita de uns 100 metros de extensão, ao longo da qual se espalhavam uns 50 torcedores, das mais diferentes nacionalidades.
Não era festivo, não tinha espectadores ferventes nem clima enlouquecido. A única vantagem era permanecer muito perto dos ciclistas, mas zero dissemelhante de uma largada de lanço do Tour de France.
O voluntário Gauthier Laborde nos entregou bandeiras da França e leques de papelão, daqueles usados para escadeirar e fazer estrondo. Tentou nos animar. “Contamos com vocês! Veio pouca gente para a largada.”
Fantasiado de batata frita, petisco vernáculo em seu país, o belga Olivier Dusart tirava selfies com quem lhe pedia. “Vim ver os belgas, eles têm chance de ouro”, explicou.
Debruçados na grade, assistimos aos ciclistas se posicionarem para a largada. Passou o representante do Brasil na prova, Vinícius Costa.
Minha filha acenou para ele. Ele acenou de volta, provavelmente sem entender a atenção daquela moça com a camisa da França.
Outro competidor, o gaulês Christophe Laporte, parou ao nosso lado: vinha falar com a companheira, Marion.
Depois que se despediram, ela ficou debatendo com a família onde seria o almoço. Só voltariam para a chegada.
Ao contrário do que costuma ocorrer com ingressos esportivos, em que “toda saída é definitiva”, esse permitia entrar e trespassar quantas vezes desejado. Finalmente, os ciclistas só voltariam ao Trocadéro dali a seis horas, para a chegada.
Chegou a hora da largada. Quem já assistiu in loco a uma lanço do Tour de France sabe porquê funciona. Depois de horas à margem da pista, esperando, o torcedor vê o pelotão passar em poucos segundos, porquê um borrão. Parece sem sentido, e é.
E assim terminou minha experiência no Quadro do Torcedor. Nem eu nem minha mulher podíamos esperar a chegada. Minha filha saiu e voltou. Contou que a arquibancada estava muito mais animada. Sorte dela.
Olivier, o da fantasia de batata frita, tinha razão. O ouro ficou com o ídolo belga Remco Evenepoel. Na cerimônia do pódio, depois do hino da Bélgica, os franceses entoaram a Marselhesa à capela.
Tomara que Marion tenha voltado: Laporte, seu companheiro, acabou conquistando a medalha de bronze.