O espetáculo “Nossa História com Chico Buarque”, concebido pelo dramaturgo Vinicius Calderoni e dirigido por Rafael Gomes, transcende a simples homenagem para se tornar uma experimento sobre identidade, memória e a relação entre arte e vida. Ao submergir no universo músico e poético de Chico Buarque, os realizadores não somente celebram um dos maiores nomes da cultura brasileira, mas também reconstroem, a partir de suas canções, uma narrativa que fala sobre afetos, resistência e a dificuldade da existência humana.
A escolha de Chico Buarque uma vez que eixo meão do espetáculo não é casual. Sua obra, conhecida por sua densidade lírica e engajamento político, oferece um repertório vasto e multifacetado. Calderoni, Gomes e seu fantástico elenco conseguem integrar as canções à dramaturgia, criando um diálogo orgânico entre música e teatro. As letras de Chico não são somente executadas uma vez que interlúdios ou fundo emocional, antes elas se tornam segmento da trama, impulsionando a ação e revelando camadas de significado.
Um dos aspectos mais marcantes do espetáculo é a forma uma vez que ele lida com a memória. As canções de Chico, muitas delas já entranhadas no imaginário coletivo, são revisitadas não somente uma vez que referências nostálgicas, mas criam pontes para discutir questões atuais. A peça parece sugerir que a história pessoal e a história coletiva estão intrinsecamente ligadas, e que o repertório buarqueano funciona uma vez que espelho que reflete tanto o pretérito quanto o presente. A narrativa tecida por Calderoni e Gomes convida o público a se reconhecer nas canções, criando uma experiência íntima e universal.
O elenco poderoso muito uma vez que a talentosa orquestra que os acompanha são de encher olhos e ouvidos. É impossível estar ali no Teatro Paulo Autran e não se envolver com o que nos é apresentado no palco: canções que atravessaram décadas de história e formam um quadro das transformações sociais, políticas e culturais de nosso país. Em um momento de incertezas e polarizações, “Nossa História com Chico Buarque” não somente celebra a genialidade do compositor, mas também utiliza sua obra para nos fazer pensar sobre os rumos do Brasil.
PS: Infelizmente não há mais ingressos à venda para a temporada, mas sugiro tentar a fileira da esperança. Não há garantias de que você vá conseguir e o próprio Sesc não incentiva a prática, ainda assim, quem conseguir vai agradecer pela dica.
Três perguntas para…
…Vinicius Calderoni
Você tem uma relação muito potente com a obra do Chico Buarque desde a juventude, de que maneira isso tem influenciado o seu trabalho uma vez que dramaturgo, ator e músico ao longo da sua curso?
Posso expor sem susto de errar que Chico Buarque é a referência mais presente, onipresente e onipotente na minha trajetória artística. Por ser, talvez, o artista onde a sublimidade na formatação, diagramação, remate, precisão e exatidão das palavras de cada uma das canções, de cada uma das letras. Não só das letras, romances e dramaturgias, mas de tudo que Chico se propôs a fazer, até mesmo um jogo de tabuleiro chamado “Escrete” lançado durante a Despensa do Mundo de 1982.
Tudo que diz saudação ao Chico sempre me disse saudação também. Eu tinha uma homenagem desde párvulo e na juventude isso foi se adensando à medida que eu também fui começando a me testar e me testar uma vez que compositor e letrista. Minha bíblia era um livro do Chico lançado pela Companhia das Letras chamado “Letra e Música” que teve várias reedições e eu tinha uma edição que compreende as letras até 1989 — eu sou de 1985 — que eu levava para o escola e ficava estudando e tentando chupar cada uma das escolhas, cada uma das sílabas e tudo mais.
Eu estudei no Santa Cruz, que foi, por casualidade, o mesmo escola onde o Chico estudou. Me sinto muito honrado e sabor de lembrar que eu fui orador da turma do meu ano do colegial, e o Chico foi no ano dele. Depois comecei a me interessar pelo varão, pela vida e não só pela obra. Eu sou meio avesso a heróis e ídolos, mas acho que Chico Buarque é a exceção que confirma essa regra na minha vida. Ele ocupa um lugar muito meão e fundador de tudo que faço e de todas as escolhas que tenho feito.
Conte um pouco sobre uma vez que foi o processo de escolha das músicas para o espetáculo dentro de uma obra gigantesca uma vez que a de Chico Buarque, com mais de 500 músicas compostas?
A questão era uma vez que nos orientar dentro do enredado de possibilidades de uma obra magnânima, magnífica e gigantesca de 500 canções maravilhosas, porque acho que o Chico tem essa particularidade, uma autoexigência de polir cada cantiga, de ourivesaria sonora e da termo, que é impressionante. Portanto isso tornou nossa tarefa deliciosa e inglória logo de saída.
Quando cheguei, o Rafael já tinha um esboço de enredo, e a partir disso, a gente foi aprofundando a narrativa sabendo que seria uma saga familiar. Fomos criando pequenas regras uma vez que evitar músicas que contam histórias muito definidas. O Chico tem essa coisa que o [Luiz] Tatit labareda de “romance condensado”, ele escreve romances inteiros numa cantiga assim de 16, 18 versos, tipo, “Iracema voou para a América”, aquilo ali já conforma um universo inteiro, né?
Portanto, essas nós descartamos e já foi um conforto. Também quisemos evitar canções feitas para espetáculos cênicos específicos, mas isso também começou a ser relativizado, porque algumas músicas de “O Grande Circo Místico” eram incontornáveis, uma vez que “Beatriz”, “Sobre Todas as Coisas”, aí abrimos pequenas exceções. No fundo, acho que o que nos norteou foi que a dramaturgia precisava seguir, as canções precisavam ajudar a recontar a história das personagens.
Por último, tinha uma alegria muito grande de deslindar camadas insuspeitas em composições que já estavam muito consolidadas, sabe? “Olha, se a gente botar essa cantiga nesse contexto, ela vai provocar um efeito inesperado, que talvez não tenha sido a primeira associação que os ouvintes tenham feito”. Enfim, acho que essas são algumas das noções de coisas que usamos uma vez que setentrião nesse mar de possibilidades.
O elenco da peça é incrível, além de excelentes atores e atrizes eles também são ótimos cantores. Porquê chegou a esse grupo tão harmônico?
Porquê todo elenco, as procedências são diversas, mas acho que o que unifica esse em próprio é que são pessoas por quem temos uma espanto profunda, porém os graus de intimidade, proximidade e colaboração artística prévia são diferentes. Por exemplo, a Laila [Garin], já trabalhou algumas vezes com o Rafael. Uma grande amiga minha também, embora não tenhamos trabalhado antes juntos, mas tínhamos muitos projetos e o libido de fazer alguma coisa nesse sentido. O Filipe Frazão trabalhou bastante com o Rafael e comigo, é um grande colega. Outros estavam no nosso horizonte há tempos, pessoas que tinham espanto pelo nosso modo de trabalhar e vice-versa.
As procedências são múltiplas, mas tínhamos uma exigência enorme de que fossem excelentes atores e que dessem conta de uma dramaturgia que tem um patente arrojo, no sentido de que tem uma sobreposição de tempos. Não é um dispositivo simples e repentino. Há variações de tradução, porque a cada tempo tem uma mudança de registro. Portanto tinham que ser ótimos atores, que cantassem muito muito e que admirássemos. Felizmente estamos os encontrando nessa grande ocasião.
Sesc Pinheiros – r. Paes Leme, 195, Pinheiros, região oeste. Qui. a sáb., 20h. Dom. 18h. Duração: 150 minutos. Até 28/2.