Férias sem termo. Viajar o mundo com meu paixão. Nunca mais ter que trabalhar. Voltar para minha terreno. Levar minha mãe para ver o mar. Playstation 5. Essas foram algumas das respostas dadas ao artista visual Randolpho Lamonier que, para erigir sua instalação artística, perguntou a diversos brasileiros, de diferentes idades: “Que sonho você realizaria se o problema não fosse numerário?”.
O resultado foi o que ele chamou de “inventário de sonhos de consumo”, uma imensa instalação que reúne as respostas dadas para uma pergunta parecida com essa e que foi colocada logo na ingressão do Núcleo Cultural Banco do Brasil (CCBB), na capital paulista. A instalação dialoga com a novidade exposição em papeleta no CCBB, chamada de Arte Subdesenvolvida, e que começa nesta quarta-feira (29).
A mostra pretende discutir o subdesenvolvimento – termo que a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) começou a ser associado a países econômica e socialmente vulneráveis e a apresentar uma vez que os artistas brasileiros reagiram a esse concepção na quadra.
“Essa exposição reúne uma série de trabalhos e documentos de artistas brasileiros e de movimentos culturais feitos entre os anos 30 e prelúdios dos anos 80, que confrontam e respondem de alguma maneira à requisito de subdesenvolvimento do Brasil no período”, disse Moacir dos Anjos, curador da exposição, em entrevista à Filial Brasil.
“Subdesenvolvimento é um concepção, um entendimento do que era o Brasil naquele momento e que, de alguma forma, molda as políticas econômicas, sociais e culturais do país no período. A exposição tenta olhar a arte e a cultura brasileira da quadra por esse prisma, colocando em outra classe as visões mais hegemônicas, mais assentadas sobre o que seria arte brasileira naquele momento”, disse ele.
O concepção de subdesenvolvimento durou cinco décadas até ser substituído por outras expressões, uma vez que países emergentes ou em desenvolvimento. “Até os anos 40, essa teoria de subdesenvolvimento era muito associada a uma requisito passageira, uma vez que um pouco que iria ser resolvido ao longo do tempo, embora esse tempo não estivesse determinado. Isso seria resolvido pelo mero incremento da economia mundial, onde todos iriam chegar à requisito de superar as desigualdades ou os problemas que afetavam as condições desses países”, explicou o curador.
“Depois dos anos 40 começa a ter consenso de outra teoria sobre o desenvolvimento, não mais uma vez que um pouco passageiro, mas uma vez que requisito de alguns países. Portanto, chegou-se à desenlace de que para superar essa requisito de subdesenvolvimento, era preciso uma mediação nas estruturas sociais, econômicas e culturais. E para isso o Estado teria papel fundamental. Portanto, essa teoria de subdesenvolvimento uma vez que requisito vem atrelada não à passividade mas a uma urgência de ação. Os artistas e movimentos culturais responderam a essa situação – por um lado denunciando essa requisito; por outro com uma teorema: que país é esse que a gente quer”, acrescentou.
A mostra
A exposição apresenta pinturas, livros, discos, cartazes de cinema e teatro, áudios, vídeos, além de um enorme conjunto de documentos que foram produzidos por artistas brasileiros entre os anos 1930 e 1980, quando houve a transição de nomenclatura e passaram a ser usados termos uma vez que países em desenvolvimento ou emergentes.
Para apresentar esses trabalhos, a mostra foi dividida em cinco núcleos cronológicos, todos eles relacionados a um problema em generalidade: a míngua. A escritora Carolina Maria de Jesus, em seu livro Quarto de Resíduo: Quotidiano de uma Favelada, descreveu a míngua uma vez que capaz de afetar os sentidos da visão, fazendo com o que o faminto enxergue todas as coisas sob uma cor amarela. É por isso que toda a expografia da mostra foi pensada sob essa cor. “O amarelo vem do livro, onde ela [a escritora] fala que, quando as pessoas têm míngua, isso afeta os sentidos e começamos a ver tudo em amarelo. Estamos falando sobre míngua, que é um tema denso e queríamos dar essa mergulho mas, ao mesmo tempo, queríamos sublevar e motivar as pessoas a trabalhar contra esse processo da míngua”, disse Gero Tavares, arquiteto responsável pela expografia de Arte Subdesenvolvida.
“A míngua é um tema recorrente no trabalho de vários artistas. De indumento, a questão da míngua atravessa toda a exposição. Ela abre a exposição, nos anos 30, e fecha também a exposição, já no final dos anos 70”, disse o curador.
Os núcleos
O primeiro núcleo foi chamado de Tem gente com míngua e apresenta as discussões iniciais em torno do concepção de subdesenvolvimento. É nesse caminhar, por exemplo, que a verso Tem gente com míngua, de Solano Trindade, é recitada por Raquel Trindade: “Tantas caras tristes, querendo chegar, a qualquer sorte, a qualquer lugar”.
O segundo eixo foi chamado Trabalho e Luta e apresenta obras de artistas do Recife, de Porto Feliz e de outras regiões do Brasil onde começaram a proliferar as greves, lutas por direitos e melhores condições de trabalho.
Há também o eixo Mundo em Movimento que apresenta, por exemplo, documentos do Movimento Cultura Popular (MCP), do Recife, e o padrão de alfabetização de Paulo Freire. Já em Estética da Rafa são apresentados filmes e outras produções artísticas uma vez que a Tropicália e o Cinema Novo.
No subsolo está o último eixo da mostra, O Brasil é meu barranco, com obras do período da ditadura militar e artistas que refletiram suas angústias e incertezas com relação ao horizonte. “Esse é o período mais duro e violento do golpe militar, com o AI-5 (Ato Institucional), que vai desembocar em um período mais desesperançoso e conturbado. Nele vamos encontrar outras formas de os artistas responderem a essa situação, formas que se confrontam, inclusive, com os slogans da ditadura militar”, disse o curador.
“A exposição sugere que, para a gente superar o subdesenvolvimento, tem que se assumir uma vez que subdesenvolvido ainda hoje. Não é a toa que o Brasil voltou ao Planta da Rafa em 2018. A míngua é uma questão que está aí. Basta caminhar pelas ruas das cidades para ver que essa é uma questão ainda muito presente”, afirmou Moacir dos Anjos.
A ingressão para a exposição, que fica em papeleta até o dia 5 de agosto, é gratuita, mediante retirada do ingresso na bilheteria ou pelo site do CCBB SP.